sábado, 27 de fevereiro de 2021

Dos prazeres do passado e das saudades do futuro

Ilustração Marco Joel Santos

Do passado guardo os prazeres, do futuro guardo as saudades.

Não é uma má vida viver. Como costumo dizer, o Dark Side é a história da nossa vida, e é uma história triste. Mas entre acordes e recordações, continuamos a ter uma vida que contar. Todos temos uma vida que contar. Nesta altura, depois de tantas provações de doença à mistura com retiros obrigatórios, todos pensamos que de facto temos vidas para contar. E temos. E temos.

Do passado guardo os prazeres. E todos temos prazeres que recordamos com deleite. Provavelmente o maior prazer do passado foi mesmo o de partir, e depois o de chegar. Não partir de um sítio específico, ou o de chegar a um local determinado. Mas antes o prazer de partir apenas, e o prazer de chegar somente. Mas é apenas isso? Partir e chegar? Claro que não é apenas isso.

Houve alturas em que parti para grandes destinos, e que prazer tirei dos destinos que escolhi! Mas sempre que regressei, igualmente retirei o prazer do retorno à zona de conforto, do regresso a casa. E não é que a nossa casa é tantas vezes o nosso local preferido no universo?

Mas tenho saudades do futuro, por certo. Tenho saudades do momento em que voltarei.

Por força das circunstâncias, desde há seis anos que não viajo verdadeiramente, há mais de seis anos que não regresso aos meus locais, às minhas cidades, aos cheiros, cores e matizes que amo profundamente, às gentes que toleramos e aprendemos a amar também. E tenho saudades desse regresso, não a dois como no passado, mas a três no futuro. Bem sei, porque raio deixei para a quarta década de vida cumprir o desígnio último da biologia? Não deixei, são outras histórias, outras recordações, não particularmente prazeres. Mas aqui chegado, não mudaria nada. Não, não creio, não mudaria nada. Até porque nada foi minha escolha. Excepto os destinos, e os prazeres.

Mas voltemos às viagens, voltemos às saudades do futuro. Quero de novo partir. Tenho a vaga noção que aquilo que fiz no passado não poderei repetir no futuro. Há que ser responsável, diria. Há uma alminha pequena que não tem culpa das loucuras dos pais, por isso, "vai com calma". Mas quero aventurar-me novamente, ir El Khalili fora numa noite cálida, desembarcar de comboio naquela estação do lado de cá do rio, na sombra das três senhoras, deixar-me navegar indolentemente rio acima, explorar Karnak. Quero perder-me novamente no Grande Bazar, atravessar o Bósforo, comer milho assado em Besiktas ou creme de arroz na Taksim. Quero poder trautear a música do Indiana Jones enquanto percorro o corredor de Petra, sentir as águas quentes do Mar Morto na pele, comer humus e pão ázimo a sair à sombra de uma parreira, de preferência sem ouvir os tiros do outro lado da fronteira. Quero ver novamente as Taurus e as praias do Egeu, admirar a bela silhueta do Ararat, meditar em Kairouan, perder-me em Fez e comprar relógios genuinamente falsos em Éfeso ou Marraquexe. Ver a Cúpula novamente, nem que seja de novo ao longe.

É deste futuro que tenho saudades. De ir, mas também de levar. De aprender, mas também de ensinar coisas sobre os locais que estudei com tanto prazer. E devo dizer que já me contentava com uns dias em Sevilla a emborcar cañas, pistos e colas de touro, à vista da Giralda ou sentado numa ruela do bairro mouro...

Há mais futuro para se ter saudades. Muito mais. Mas para já é este o futuro que mais saudades me deixa. Porque de resto... casa é o meu local preferido no Universo, onde até estão as minhas pessoas preferidas. Um dia destes partimos e regressamos. E convertemos saudades em prazeres.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

terça-feira, 4 de julho de 2017

Queres? Então pega lá!

Serve isto para que as pessoas que defendem certas ideias pacóvias e provincianas pensem duas vezes antes de falar. Se calhar não serve para nada, até porque se essas pessoas falam sem pensar muito mais falam sem ler. Aliás, muitas delas não sabem ler. Embora saibam juntar letras.
A primeira ideia que quero referir é uma daquelas que toda a gente concorda. Ou quase. A de que "o Estado é como uma empresa". Trump governa o Estado, nos EUA, como uma empresa. Basta?
A segunda ideia é ainda mais disseminada: "É preciso menos Estado e melhor Estado"! Tomem lá Pedrogão Grande, peguem Tancos. Menos e melhor. Não era o queriam? Temos pena.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

AINDA HÁ DOIS ANOS ERAS RICO


Impostos são tão antigos quanto o sedentarismo, e tão certos como a morte. É daquelas coisas que nunca se desejam mas sempre acontecem. Dito isto, há que distinguir entre impostos bons e impostos maus, do ponto de vista do simpaticamente designado contribuinte. Assim, os impostos maus são aqueles que temos de pagar, os bons não existem. Já do ponto de vista da AT, impostos bons são todos os que se recebem, os maus não existem. Conciliar estas duas posições é impossível, e está assim provado por diversos estudos de académicos reputados que me escusarei a recitar ou sequer nomear. Mas devem existir ou, por falta de interesses que paguem os estudos, deviam existir. Se calhar não existem. Não sei, nem interessa.
                O anúncio de um possível novo imposto pôs o país político a ferro e fogo. O imposto sobre o património imobiliário cujo valor seja superior a um milhão de euros, ou meio milhão, ou qualquer outro número com muitos zeros. Indigna-me este imposto. Indigna-me que alguém pense em tributar património. Além do mais, considerar como rico alguém que tem uma casa de um milhão de euros é, nas palavras dos “desobrigados”, abusivo. Porra, qualquer um de nós tem uma casa de um milhão de euros! Toda a classe média portuguesa mora em casas de valor, pelo menos, de um milhão de euros. E isto de tributar a classe média tem de parar!
                Quer dizer, andam aqui pessoas a poupar dinheiro para um dia ter uma casa de um milhão de euros e agora ainda tem de pagar sobre o milhão que poupou? É uma pouca-vergonha, senhores – é o que é! Uma vida inteira de trabalho para se ter algum conforto e, logo a seguir, pimba, imposto! Não há direito! Como explicar ao homem do lixo, ao pescador, ao vendedor de castanhas, ao mecânico, ao recepcionista, ao jornaleiro, ao empregado de limpeza, ao pedreiro, ao estucador, ao cofrador, ao atendedor de posto de combustíveis, ao operário fabril, e a tantas outras pessoas de ambos os sexos que têm a possibilidade de juntar vários milhões de euros ao longo da vida, que o milhão de euros que pouparam vai ser tributado na forma de imposto sobre a sua casa, não própria nem de férias (uma 3ªcasa, portanto)?
                Haja, pois, pessoas que defendam estas pessoas que juntam ao longo da vida uns escassos milhõezitos de euros, esses pobres de classe média portuguesa, que além de tudo descobriram o milagre da multiplicação dos peixes e pães que dizem ter sido preconizado por Jesus Cristo, gente engenhosa que consegue de salários de 500 euros fazer vários milhões! Haja quem defenda estas pessoas – e há. Provavelmente aquele que há uns dois anos defendia que outras pessoas, os ricos, com patrimónios acima de um milhão de euros, pagassem mais impostos – palavras que o vento levou, pois coragem para isso sempre faltou, ou de outra forma choveu. Mas há dois anos, pessoas com um milhão de euros eram ricas. Hoje, são pobres de classe média e diligentes aforradores que toda a vida pouparam. Ou um outro capítulo da “desobrigação”.
E se fossem gozar com o membro sexual masculino, significação brejeira da palavra caralho, que antes designava o cesto da gávea das saudosas embarcações dos Descobrimentos?

sexta-feira, 24 de junho de 2016

EUROSÃO

Desenho Original de Marco Joel santos
A Grã-Bretanha vai sair da União Europeia. As consequências, dizem, vão ser tremendas para os súbditos de Sua Majestade. Piores serão ainda para todo e qualquer estrangeiro apanhado nas ruas britânicas. A União Europeia continuará o seu caminho impávida e serena perante este pequeno revés. Os bifes é que as vão pagar.
            As reacções de um lado e outro do Canal são do mais cómico que já vi. Tendo em conta aquilo que se escreve todos os dias por aí em jornalecos, e se opina frequentemente em canais televisivos de duvidosa índole, já me ri um bom par de vezes hoje. A verdade é que fui dormir com a vitória do tá-se bem e acordei com a vitória do fuck off.
            O UK, e que bela sigla é esta, votou pela saída da EU. Note-se – VOTOU. Não foi um processo decidido por nenhum político, nem sequer pela rainha de Inglaterra. Foi decidido pelo voto do povo. Que glorioso é o sentido democrático de todos quantos acham “triste”, “racista”, “precipitada” e outras coisas até bem piores, esta decisão do povo britânico. Que lindo, sermos nós a qualificar aquilo que um povo inteiro decidiu. Que superiores somos, que moral elevada temos, quão excelsa é a nossa opinião, o quanto somos os mais sábios dos mortais! Hoje, quase toda a gente esqueceu, neste país, que mora no cu da Europa, na latrina alemã, onde os alemães só aparecem para fazer merda, e que esta Europa, que ainda ontem era um massivo directório pouco franco – muito alemão, hoje é o paraíso na Terra e que os ingleses, afinal, é que são os maus da fita. Adivinhem: provavelmente estão-se marimbando para o que deles dizem. Nós é que somos os que estão sempre preocupados com o que de nós dizem os outros no estrangeiro, não eles.
            Qual o receio dos britânicos? Voltar a tempos antigos? Ao isolacionismo proporcionado pela sua insularidade? Que a sua economia baqueie e o reino mergulhe numa crise nunca vista? Talvez. Longe vão os tempos do Império Britânico, pelo que agora são só mais um pequeno país na pontinha de um pequeno continente chamado Europa. Desenganem-se. Assim tivesse Portugal um décimo da influência britânica no Mundo… e qual o receio dos europeus, afinal? Que tenha desaparecido da EU o único país europeu que sempre pagou para a Europa mas nunca recebeu? Ou que a economia britânica baqueie e arraste parte da sua? Desenganem-se, não há economia europeia, só há economia alemã. Não perceber que o projecto europeu falhou, que aprofunda diferenças, atiça ódios, lança radicalismos e tentar agora acusar os britânicos disso não é ingénuo. É, pelo contrário, de má-fé. Falhou. Move on.
            A legitimidade da decisão, como já referi, é do povo britânico. Não de uma comissão europeia comandada por um luxemburguês despedido por corrupção constantemente em estado etilicamente debilitado, em que ninguém votou e que ninguém conhece, colocado na função por jogos de conveniência. Não foi decidido por radicais de esquerda ou de direita, pois 52% de um povo não pode ser radical. O reino votou massivamente na saída, enquanto Londres votou para manter a City a funcionar e os escoceses votaram contra os ingleses. Nada de novo, vindo do país que está de olho no petróleo do Mar do Norte, pretendendo-o como propriedade exclusiva dos seus quatro milhões de habitantes.

Cada um tem as suas razões. Quem votou pela saída não votou por ser racista ou xenófobo, pois a zona com mais imigrantes votou pela permanência. Não votou porque lhe apeteceu agora dar um piparote na política europeia. Votou porque decidiu assim, votou de acordo com aquilo que tinham e sempre tiveram no seu país e que a UE paulatinamente tem vindo a retirar – serviço universal de saúde, pensões, etc. Mas, mais que tudo o mais, VOTOU! Quando foi a última vez que vocês, tristes profetas da desgraça alheia que não olham a calamidade que se vive no vosso seio, aqui, em Portugal, quando foi essa última vez que votaram para decidir o destino do vosso triste país? Grow up!

PS: texto para o desenho original de Marco Joel Santos

quarta-feira, 1 de junho de 2016

UM FELIZ DIA MUNDIAL DA CRIANÇA

Dia Mundial da Criança, dia 1 de Junho de 2016. Um dia celebrado por muitas crianças e mais ainda por muitos, demasiados adultos. A verdade é que os dias instituídos para nos sentirmos alegres, alerta, apreensivos ou qualquer outra coisa são dias de hipocrisia. Quem tem um filho pequeno não precisa que lhe lembrem que existe um Dia Mundial Da Criança. Mal vai se todos os dias não são dias da criança. Todos os dias são dias da criança.
O que faz com que os nossos filhos sejam especiais face às demais crianças é o facto, simples, de serem nossos filhos. Esquecemos que isso normalmente é norma corrente em todo o mundo, e seja o filho de um americano, de um português, de um russo, angolano ou sírio, esse filho é sempre especial aos olhos dos seus pais. O resto é conversa furada. As crianças, de forma geral, têm os mesmos comportamentos em todas as partes do mundo, aprendem todas a caminhar, a falar, a escrever, a correr e a jogar à bola – pelo menos os meninos.
Comemorar o Dia Mundial da Criança quando, por bestialidade humana, milhares de crianças – sim, dessas especiais, filhas de alguém, dessas que aprendem a caminhar e a falar e a jogar à bola – se afundam silenciosamente no Mediterrâneo, muitas vezes acompanhadas pelos pais, outras ainda na mais completa solidão da sua última viagem, com dois ou três anos de existência, por vezes meses… fica bem a qualquer europa. Por isso, tenham um excelente Dia Mundial da Criança.