quarta-feira, 30 de março de 2011

COERÊNCIA

O estádio de Braga, Souto Moura
Pois será bem certo que a realidade é tão intangível como não parece. Apercebo-me frequentemente que a realidade dos outros não é a minha, e aqueles que considero loucos são por vezes vistos como os normais. Também não me importo muito com isso, é verdade. Cada uma com a sua é que é bonito. A coerência assume, assim, um valor bem mais elevado que a realidade, mas mensurável, mais imparcial. E é pela coerência que meço muitos actos. Será também pela bitola da coerência que avalio o estado mental de outros tantos. Está bem, bem sei, não sou psicólogo para avaliar o estado mental de ninguém. A verdade é que também não mantenho a carteira de ninguém amarrada por ansiolíticos ou relaxantes, tal como não incito ninguém a comprar heroína, pela mesma razão: coerência.
Souto Moura venceu o Pritzker. Numa altura em que Portugal entra numa suposta crise política que não se sente e que não tuge nem muge nem ata nem desata na vida de ninguém, pois é a menor das crises, o país volta a ter um motivo de orgulho. Goste-se ou não, Moura tem obra. O frigorífico de Braga é uma obra impressionante. E até dizem que tem outras, e poderia ser testemunha disso tivesse eu dinheiro suficiente para o fazer olhar para um qualquer pedaço de terreno que porventura possuísse. Quem mais se apressou, e muito bem, a aclamar mais um herói nacional foi Cavaco Silva, o nosso muy nobre e embalsamado presidente.
O mesmo que não compareceu no funeral de Saramago, e que vetou um dos seus livros para a atribuição do prémio literário europeu.
Cavaco só é coerente numa coisa: nas amizades que contribuíram fortemente para o estado financeiro deste país. De resto, tal como o nosso amigo Passos Coelho nas palavras de Miguel Portas, tem “coluna vertebral de caracol”. Mas não por lhe faltar coragem. Consegue é ser mais um dos grandes contorcionistas que este país elegeu para os mais altos cargos de servidores da nação. Que nunca a serviram.
Entretanto, e porque culpa não tem, parabéns, Arquitecto Souto Moura!

segunda-feira, 28 de março de 2011

O ESPELHO DE FRANÇOISE

Coluna de Trajano, Google


O património arquitectónico e urbano figurado por um labirinto que dissimula a superfície cativante de um espelho acompanhado pelos comportamentos conservadores que o rodeiam, pode ser decifrado como uma alegoria do homem na alvorada do século XX. […]”

Françoise Choay – A Alegoria do Património, pp.225

A frase de Françoise Choay parece, em si mesma, redutora. Como apelar a uma alegoria quando esta é plenamente identificada? Sendo que o labirinto do património histórico e urbano dissimula um espelho, e quando esses elementos estão acompanhados do comportamento conservador, não há mistério na afirmação. O espelho torna-se a motivação social, torna-se o próprio homem, não como o indivíduo, mas como o ser eminentemente social que é, a multidão de pensamentos e culturas, uma espécie de memória colectiva que perdura.
É um mundo de signos. De sinais, de máximas. É uma evolução, também. E convém, para além de tudo, fazer uma retrospectiva histórica do próprio conceito de património. O que implica fazer uma retrospectiva histórica do homem, já que o património é intimamente relacionado com a cultura humana. Não há monumentos nem arte sem olhos que os vejam. Seja de que maneira for, o património sempre requereu a presença humana. Interessante seria indagar se o contrário é verdadeiro.
Desde os tempos dos Atálidas, ávidos admiradores da arte clássica, mormente grega. Num mundo mediterrânico, orientalizado, a monumentalidade clássica assumiu talvez o maior motivo de cobiça e de desejo de posse. Nota-se a procura pela arte. Não pelo património. Este ainda não existe. Apenas existem objectos, já na época antigos, apreciados não numa atitude de veneração, mas antes como meio de atingir um fim claro, o de igualar os gregos, através da posse dos seus mais preciosos objectos.
Esta terá sido, aliás, a razão principal da aculturação romana. Os dominadores territoriais depressa se deixaram dominar culturalmente. E cultualmente. A arte e antiguidades gregas não são valiosas per si, não são objectos com valor intrínseco, para um romano abastado ou valente o suficiente para os comprar ou saquear. Nem historicamente os objectos e monumentos são importantes. A importância da História era então relativa. Não era importante se por aquele templo se tinha passeado Sócrates, ou naquele anfiteatro teria orado Aristóteles. Os objectos permaneciam intrinsecamente com o valor que haviam tido anteriormente. Já o seu valor extrínseco era outro. Era o de uma busca. Era quase o de uma competição. Não pela sua posse propriamente dita, mas pelo que representavam na sua origem. Não pela sua antiguidade, mas apenas e só porque provinham de uma cultura considerada superior. Uma cultura com um requinte a todo o custo pretendido e imitado pelos romanos. Um requinte que apenas os gregos tinham experimentado.
Movimento importante de mimetismo, ou um original passo para a constituição de futuro património, o que é certo é que este gosto pela Antiguidade Clássica grega levou os romanos a erigirem o seu próprio património, em si mesmo quase grego, mas diverso daquele pela excelência de diversos progressos construtivos e estéticos. E se em muitos campos os romanos nunca rivalizaram com os gregos, como na poesia, apesar de usarem o grego como língua erudita, já na arquitectura os exemplares de edifícios públicos que erigiram ultrapassaram os sonhos gregos. Roma era a cidade monumental por natureza, se esse fosse um termo utilizado na altura.
A mesma Roma que, séculos mais tarde, havia de se erguer das completas cinzas da quase destruição, depois do exílio de Avinhão. Com uma população dizimada e reduzida a parcos milhares, os edifícios grandiosos erguiam-se por entre as ervas daninhas e os rebanhos dos pastores que a habitavam. A Igreja trata de reabilitar as antiguidades da cidade. Por um lado, protege e faz depender a vida do prevaricador da gravidade do acto de destruição dos edifícios. Por outro, retira ela própria materiais dos mesmos edifícios para erigir outros novos. O sofrimento do Coliseu foi imenso e hoje pode ser testemunhado. Mas, para além das bulas papais, que proibiam a destruição, a Igreja conserva as antiguidades. Torna os templos e edifícios públicos romanos em igrejas e basílicas. No fundo, reminiscências dos pequenos renascimentos dos séc. XII e XIII, o advento do gótico.
Com o renascimento, o humanismo. Ou seja, a primeira camada de prata no espelho de Françoise. Até ali, as antiguidades, fossem objectos móveis ou imóveis, foram apreciadas e acarinhadas com dois objectivos: o de comparação com o zénite civilizacional de onde provinham ou a redução religiosa, a subversão do paganismo e do secularismo ao cristianismo. Joguetes, pois, em fogueiras de vaidades ou de ideologias. O vidro do espelho? Afinal, ainda hoje servem os mesmos senhores. Mas o humanismo começa a ver arte onde antes se via obra. Começa a ver património onde antes apenas se via antiguidade. A Coluna de Trajano adquire finalmente uma primeira dimensão histórica. O Coliseu começa a ser visto como algo mais que um grande edifício.
A Revolução trouxe a conservação. Trouxe a consciência de património. Intimamente ligado a esta noção patrimonial estava o carácter revolucionário do movimento. Afinal, tudo o que pertencia à nobreza, primeiro, à Igreja depois, e finalmente até à própria burguesia instigadora, era agora distribuído irmamente pelos cidadãos. Pelo Estado de cidadãos. E cada cidadão era ciente da parte que lhe cabia. E queria vê-la conservada. Será seguro encarar os movimentos de conservação do património pós-Revolução Francesa apenas como actos profundamente afirmativos de posse? Talvez não. Havia já o humanismo suficiente para que a noção de património histórico se fosse enraizando. Mais uma capa de prata no espelho de Françoise?
Mais uma Revolução, esta inglesa e de meios de produção. A era industrial. A era do aperfeiçoamento dos métodos de trabalho, a era da máquina e do poder. Um poder imenso, rico, com recursos aparentemente inesgotáveis. Uma era perigosa para o Património Histórico, já com letra grande? Possivelmente, não fora o medo. O homem pós-revolução industrial, o homem industrial, o poderoso espécime que molda a superfície da Terra, afinal tem medo. Medo de quê? Tem medo de ganhar indubitavelmente o futuro, mas de perder irremediavelmente o passado. É um homem que acaba por se lançar numa aventura patrimonial, numa epopeia de conservação de um passado cujos avanços tecnológicos ameaçavam cair no esquecimento.
O Património Histórico e Artístico torna-se vastíssimo. O desejo de conservação, fruto do conservadorismo que, afinal, moldava a mente progressista do homem, que deve a sua existência a um medo de desenraizamento profundo, da ausência de passado e de origem, leva a que não só objectos, outrora isolados nas primeiras galerias de arte ou museus do mundo, ou no meio de cidades totalmente renovadas, como Paris e Londres dos sécs. XVIII e XIX, ou como a nossa Lisboa de Pombal, pós-tragédia de 1755, mas também a própria cidade, o seu próprio traçado antigo, os seus mais modestos edifícios de traça pobre mas antiga, sejam integrados na noção de Património.
A diferença não é só estilística. Ou dimensional, ou apenas técnica. A grande diferença é temporal. A diferença está no tempo, está na percepção da evolução. O homem de finais do séc. XIX e início da Belle Époque do alvorecer do séc XX apercebe-se de que o que passou não mais voltará. Tudo será diferente. As ruas são iluminadas a gás ou a electricidade, agora. Acabaram-se os archotes. No fundo, inicia-se um novo mundo, e o homem aventura-se nele, mas não pode esquecer de onde vem, quer relembrá-lo, quer tocar no passado, quer vê-lo. É a noção de História da Arte e do Património que emerge definitivamente. O Vale dos Reis é símbolo máximo do estatuto do coleccionador. Por ser o mais antigo.
A cidade, a vila, a aldeia, torna-se histórica ela mesmo. Património de pleno direito. O progressista é conservador, e faz do local que frequenta mais o seu ambiente histórico, o seu património. Este torna-se a sua matriz cultural, ao mesmo tempo testemunha do tempo e da existência intelectual do próprio homem. A capa final de prata no espelho de Françoise. O labirinto é a localidade e os seus edifícios, o tecido que compõe a existência humana, que lhe dá a perspectiva última de existência histórica. No fundo, o sentido derradeiro da criação humana – o reflexo do espelho de Françoise, onde o homem se vê e se contempla na sua obra.



Trabalho realizado no âmbito da disciplina Património Histórico e Artístico, Lic. em História, 1ºAno

sexta-feira, 25 de março de 2011

O MURO


Assistir a um concerto de Pink Floyd é uma experiência curiosa, por variados motivos. Começa pela viagem, e por se notar, aqui e ali, que os fanáticos se vão juntando. Nada de demasiado evidente, como acontece com outras supostas grandes bandas. Nada de bandeirolas nem cartazes colados aos vidros. Mas uma ou outra t-shirt dentro dos automóveis, com símbolos discretos de martelos cruzados, prismas de luz, ou, se tiverem raro bom gosto, as pirâmides de Gizeh, símbolo máximo que a banda adoptou.
Na entrada do recinto, ficamos confusos. É interessante ver a mescla de público que vai entrando. E quem fuma pode sempre ficar a apreciar quem entra. Desde casais sexagenários, quarentões, velhos “freaks” dos anos setenta, intervencionistas de Abril, jovens estrelas do nosso panorama musical, pais com os putos, putos com os pais. Juro que vi um casal de avós com os netos pela mão. Ora bem, um concerto de Roger Waters não é um concerto de Pink Floyd, mas é o que de mais parecido há.
A entrada da banda em palco é impressionante pelos efeitos esmagadores do volume de In the Flesh e pelos efeitos visuais, pirotécnicos no literal sentido da palavra, que culmina no despenhamento do bombardeiro Junkers que ameaça cair do tecto do pavilhão a qualquer momento. A primeira parte de The Wall é emocional. É recordação. São as memórias do jovem Roger Waters, da sua infância e juventude, das suas perdas e desilusões. Que são muitas. É um desfilar de faixas enigmáticas, calmas, de ruídos, de chamadas telefónicas. O muro vai crescendo. Tijolo a tijolo. O culminar da primeira parte é o binómio Goodbye Blue Sky / Empty Spaces, a que não será alheio o facto de ser uma parte do álbum musicalmente poderosa, com orquestração perfeita. E diga-se que depois do Another Brick in the Wall pt2, basicamente um jingle proto-pop, o toque misterioso e a brilhante animação do binómio torna a sensação gigantesca. O muro completa-se com a promessa de suicídio. Waters e a banda desaparecem por detrás da parede.
Ao intervalo, as opiniões dividem-se. Os saudosistas derretem-se em memórias e anseiam pela segunda parte. Os que nunca tinham visto um concerto-ópera rock sentem-se algo desiludidos. Afinal, tinham-lhes prometido um grande espectáculo e até ali tinha havido apenas lampejos. A segunda parte começa como acaba a primeira. Hey You não é uma faixa difícil, vai bem de ouvido, e até o seu poderoso solo é, simultaneamente, calmo e apaziguador. Mas o final da faixa deixa adivinhar o que aí vem. “Divided we fall” é um prenúncio. A vida, então actual, de Roger Waters estende-se à nossa frente. E percebemos até onde pode ir a loucura, consegue compreender-se porque existe um muro de quinze metros de altura e cinquenta de largura em cima do palco e das bancadas. A banda desaparece, toca por trás do muro.
Todas as memórias regressam de forma intensa, misturadas com a perda do casamento. Mais um tijolo. A memória da guerra e da perda prematura do pai é patenteada em Vera, mas especialmente em Bring The Boys Back Home. A música á tão poderosa que tendemos a não reparar no que acontece em cima do palco. O muro acende-se, e explode de raiva. A célebre frase de D. Eisenhower é escrita em vermelho sangue: “Every gun that is made / every warship launched / every rocket fired / signifies in the final sense a / theft / from those who hunger and are not fed / those who are cold and are not clothed”. A mensagem é forte, a música igualmente, o efeito visual de um THEFT com 50 metros é esmagador, as imagens do sofrimento humano, com 15 metros de altura, lembram o mundo onde vivemos. Termina num silêncio atroz. É difícil decidir o que fazer. Aplaudir? Reservar-nos? Recolher-nos? Chorar?
Por esta altura e desde o intervalo os fanáticos já tinham a voz rouca de tanto cantar. Admito que não sei cantar, mas não consegui resistir a uma única linha das letras da segunda parte. Do silêncio incómodo politicamente que se ouviu anteriormente, dos efeitos extraordinários desenhados no muro, do homem tentando saltar à vara sobre um outro Muro em Hebron, parte-se para Comfortably Numb. E a casa vem abaixo. O tema dos temas clássicos de Pink Floyd, considerado pelos historiadores da música como a melhor faixa rock de sempre, põe todos em delírio. O muro está parcamente iluminado, e apenas Waters e White têm “spotlights”. A perspectiva do muro vai-se torcendo, tal como a mente de Pink através da viagem ao mundo do ácido. “It's time to go” e Waters, ou aliás, Pink, é arrastado pelos corredores do hotel em braços. A sua metamorfose completa-se. No auge do solo, o muro explode numa diversidade imensa de fragmentos. Vêem-se a erguer-se as colunas do edifício que Pink constrói para a sua loucura. Um porco negro com dez metros surge por detrás do muro e passeia-se por cima do público, ameaçando investir com os seus dentes pontiagudos. Nele está escrito todo o protesto político do concerto. Está repleto de símbolos e máximas. Run Like Hell é para os paranóicos entre o público. E há muitos. Por esta altura, todo o público está paranóico, está suspenso, hipnotizado, esperando a ordem que, se for para matar, será cumprida. A alienação da qual fugia Waters é levada ao extremo. Ninguém consegue tirar os olhos do muro ou do porco voador.
O ditador do público, aquele que em 1977 se apercebeu que era um deus em frente à multidão, aparece em todo o seu esplendor, e a analogia nazi vem com Waiting for the Worms, esses vermes que pululam pela face do muro em movimentos pulsantes que nos retiram a respiração de receio que invadam a plateia. Waters passa do deus despótico e todo poderoso ao verme e à personificação do Mal. As bandeiras agitam-se, vermelhas e pretas. Surge um enorme exército de martelos a marchar. Não pode durar muito. Tem de acabar, nem o público pode aguentar tanto.
O Julgamento começa. A ópera atinge o seu auge. Tudo o que até ali se viu é escrutinado. Pelo professor, pela ex-mulher, pela mãe. Os três que antes apareceram, gigantescos, sobre o palco. Pink, aliás Waters, é condenado a ser exposto perante os seus pares. Para tal, o Muro tem de cair. “Tear Down the Wall” ecoa por todo o recinto. O público junta-se. O apelo é esmagador, e o muro vai ter de cair. Ribombando e ecoando, o Muro cai. Desmorona-se perante os nossos olhos. O delírio é geral, e nem o final do concerto pode calar aquelas pessoas. Waters e a banda reaparecem, pequenos como formigas por entre os escombros, para rematar com um acústico e artesanal “Outside the Wall”.
E os que, ao intervalo, se sentiam desapontados, são aqueles que agora gritavam “Encore, encore”, ou “bis, bis”. Desconhecem que uma Ópera não se repete, um filme não volta atrás, este concerto nunca mais se poderá repetir. Waters explica, em duas palavras, porque a digressão começara em Lisboa, e em português: “Fantásticos! Vocês são fantásticos!”. E aí foi para debaixo dos escombros. Por esta altura, confesso, chorava...

quinta-feira, 17 de março de 2011

MERCADOS?

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Ora dizem as más línguas que os “mercados” são apenas uma outra expressão para “grande capital”, expressão esta tão querida aos marxistas-Leninistas. portugueses, mais conhecidos por comenes, desde que o Diácono Remédios apareceu pela primeira vez pela mão do Herman. Nada mais falso. Os mercados são sítios onde se compra e vende e grandes capitais são Madrid, Paris ou Londres. Dantes era assim. Hoje, nem tanto. Os mercados, essencialmente, e hoje em dia, designam apenas circuitos electrónicos por onde correm ordens de compra e venda de coisas que não existem, com dinheiro que não existe e exigindo juros que, obviamente, são inexistentes. Pelo menos, nunca ninguém viu um cêntimo desses fluxos financeiros. E como dizia Tomé, um dos seguidores do hippie nazareno, é ver para crer.
Uma outra expressão muito significativa é a de “dívida soberana”. O que é? Bem, literalmente, é um montante que um determinado país deve a alguém e que governa esse país, pois é soberana e um soberano que se preze governa aquilo de que é soberano, sem contemplações e roçando o absolutismo. Ora a verdade é exactamente essa. No caso português, o país já há muito deixou de ser governado por pessoas de carne e osso desprovidas de cérebro para ser governado pela dívida. Aliás, a vida e casa de cada um de nós passou a ser governado por esta dívida, sendo que nem no nosso cérebro ela perde intensidade.
O sistema financeiro, ou mercados, funcionam de uma forma extraordinária. Há países que precisam de dinheiro para pagar despesas. E então não pedem emprestado, colocam a dívida em leilão. Qual a diferença? Pedir emprestado é assim um bocado vergonhoso, de modo que colocar a dívida em leilão é mais erudito. Depois vêm uns senhores, não se sabe muito bem de onde, com muito dinheiro metido nos tais circuitos electrónicos e emprestam o bendito mediante um juro. Até aqui nada de estranho, não é? Mas o estranho no caso português é que muitas vezes esses senhores são portugueses. Mais propriamente Bancos portugueses. E estes já tinham pedido o tal dinheiro que entope os zeners ao BCE, que lhes emprestou à taxa de 1% de juro. Eles chegam cá e emprestam ao Estado a 7 e 8%. Convenhamos que não é mau negócio... Seria a mesma coisa que eu amanhã pedir 10 milhões ao Totta com um juro de 5% e ir a correr depositá-lo no BCP exigindo um juro de 10%... Mas isso para mim não seria possível, não é?
Mas não acaba por aqui... Os juros são cotados no mercado (não o dinheiro ou a dívida, mas apenas a taxa de juro) e fazem-se apostas nos tais circuitos electrónicos em como ela sobe ou desce e assim se faz negócio e se ganha muito dinheiro com umas apostazitas... E ainda não é tudo... É que estes “investidores” que afinal investem o dinheiro de outros e pedem altíssimas taxas de juro pelo risco que correm, ou melhor, que os outros que lhes emprestaram o guito correm, afinal, além de não trabalharem com o seu próprio dinheiro, fazem seguros para não ficar sem o seu dinheiro que é de outros. Estes seguros chamam-se CDS – o Portas nunca me enganou e não é por acaso que mudou o nome do partido para as suas iniciais – que são os Credit Default Swaps. Ou seja, há quem ganhe dinheiro à custa de um país pagar a dívida através da especulação com os juros da sua dívida, com os próprios juros da dívida e com o pagamento dessa dívida, através dos prémios de seguro CDS.
Confusos? Ainda não? Ainda bem, porque ainda não acabou... é que estes CDS, ou seguros de crédito também são cotados nos mercados! Acredito que sim, agora os vossos cérebros deram um nozinho... Pois é, também estes seguros são cotados, sendo uma quarta forma de ganhar dinheiro. Com uma única merda de dívida... Seja como for, o CDS associado à dívida portuguesa viu a sua cotação descer mais de 13,8%... Mais ainda que os associados aos gregos, que só desceram 9%. Ou seja, de repente, houve alguém que ficou 13,8% mais rico. Não porque trabalhasse para isso, ou produzisse um quilo de batatas que fosse. Apenas porque algures na Europa um país mal governado e pobre de espírito, com um povo habituado a sexo anal, está a “emitir dívida”.
Pronto, era só o que se me oferecia dizer...

PS: A Suécia congelou todos os planos de privatização...

terça-feira, 15 de março de 2011

PROMOÇÕES VW / SOCAS

Foto Google - VW Golf

Pensei que hoje houvesse uma corrida aos stands da Volkswagen. Porquê? Por solidariedade para com a Angela, que é muito solidária com o Socas? E já agora, já repararam que pouco depois de a Angela ter dito que queria mais licenciados portugueses a trabalhar na Alemanha (aqueles que não têm emprego cá), recebe o Socas? E que logo a seguir o Socas anuncia o PEC IV? Será que o Socas está a espantar a malta daqui para a Alemanha?... Eu e as teorias da transmutação...
Bem, pensei que ia haver uma corrida aos stands da Volkswagen porque o governo decidiu baixar o IVA dos Golfs!!! Passei por um desses stands e perguntei como é que era e disseram-me que é como é que foi. Não percebi e fui para casa. Liguei a porra do portátil no FB (sim, no trabalho dá pouco jeito) e descobri que afinal era o golfe, o desporto e não o Golf, o carro.
Ora eu concordo. Primeiro porque o golfe é um desporto, logo faz bem à saúde. Aliás, penso que é muito parecido com a caça. Também dizem que é saudável, menos para a caça. Mas o golfe até é coisa inofensiva, tirando algum papalvo que se arme em esperto e ande por ali em dia de jogo de cabeça ao léu. Portanto, eu concordo, o golfe faz bem à saúde. E concordo por mais dois motivos. O golfe, como sabemos, é aparentado com dois outros desportos – e isto tem a ver com a tal segmentação social ou geracional, conforme se veja o caso.
Se atentarmos nas segmentações social e geracional (de que está este gajo a escrever? Estará doido? - sim, mas nada vem ao caso), há três desportos aparentados: o golfe, o snooker e o berlinde. Todos envolvem diversos jogadores a tentarem meter umas bolinhas em buracos, com diferentes utensílios. O berlinde é jogado pelas crianças, e envolve apenas as bolinhas e as mãos. Sem outras intenções, é para meter as mãos às bolinhas e metê-las no buraco. O snooker já é mais sofisticado, utiliza uma mesa de lousa com tabelas e tacos para impelir as bolas, que, em carambolas, se metem nos buracos. O golfe é, assim, uma versão do berlinde e do snooker, mas o tabuleiro de jogo é consideravelmente maior e os tacos progressivamente mais caros.
Claro que adultos pobres não jogam berlinde, mas de vez em quando inventam umas coisas e importam outras. Continuam a jogar coisas parecidas, mas evoluem para o tiro ao meco – a malha – ou importam a pétanque francesa e pôem-se a correr atrás de bolas de aço com riscos estranhos. Também o snooker é jogo de evolução – começa-se pelo Bola 8, evolui-se para o Poule (ah! Tanta massa!!!!) e acaba-se no bilhar livre às três tabelas, só para dizermos que somos craques naquilo e tal. O golfe não. O golfe não evolui. É sempre golfe. É estranho, talvez seja por ser assim a modos que carote, mas quem joga golfe, joga golfe e pronto.
Mas o golfe tem outra vantagem, a partir de hoje, sobre o berlinde e o snooker. Queres comprar berlindes? Queres alugar mesa de snooker, ou comprar um taco de treino (os de competição também não têm preços meigos...)? Pagas IVA a 23%!!! Queres praticar golfe? É só 6% de IVA! É aproveitar, minha gente, é aproveitar! Deitem fora os berlindes e desocupem as enfumaradas salas de snooker!!! Saiam para o ar livre, pisem o green! Pratiquem o vosso swing! E depois, cheguem lá ao campo e constatem que uma sessão leva-vos boa parte do salário! Nã... Mais vale voltar às mines e ao tremoço, jogar um snooker ou até dar umas malhadelas. São 23% de pouco. Os outros são 6%, mas só para quem pode...

domingo, 13 de março de 2011

PORTUGUESES DA TANGA

Foto Google - Chave da Jaula
A manifestação de ontem foi talvez a maior prova de cidadania que Portugal deu nos últimos tempos. O activismo das centenas de milhar de pessoas que compareceram e outras tantas que apoiaram a ideia deixou no ar um perfume irresistível de mudança, de renovação. Não quero falar de revolução. Pode ser que não chegue tão longe. Mas a verdade é que não me lembro de ver tanta gente mobilizada nas ruas, com tanto desejo de gritar bem alto que algo não vai bem neste país.
A verdade é que o que vai mal neste país não é apenas a governação e uma oposição que, sabemos de antemão, vale o mesmo. O que vai mal neste país é mais profundo. O que vai mal neste país é a mentalidade dos seus habitantes. As reacções ao anúncio desta manifestação foram miseráveis. Ninguém acreditava que o povo fosse capaz de se mobilizar. E porquê? Porque politiqueiros e comentadeiros, por um lado, destilaram ódio por todos os poros contra este acto de cidadania. Por outro, porque os medrosos habituais, aqueles que têm medo de dizer seja o que for, se apressaram a dizer que não é com greves ou manifestações que algo se resolve. E ainda, porque o clima de terror social em Portugal impediu muitos outros de dar sequer uma opinião, o que os obrigou a refugiarem-se num incongruente nim que ninguém entendeu.
Quanto à primeira razão, os comentadeiros, estafadas caras que nos entram pela casa dentro tentando convencer-nos de que a escravidão é a nossa única hipótese de sobrevivência, que para sairmos da crise provavelmente teremos de vender órgãos ou talvez passarmos a vestir serapilheira, como no passado, tentaram por todos os meios manter incólume o status quo do binómio PS/PSD, duas faces da mesma moeda. Por que razão vêem numa manifestação popular um risco para esse binómio é o suficiente para nos pôr a pensar onde realmente as lealdades destes senhores e dos políticos que apoiam estão. Provavelmente apenas no seu bolso.
A segunda razão é também fácil de explicar. Os medrosos habituais são os cunhados. Não por terem casado com a irmã de alguém (embora eventualmente aconteça, normalmente para mal da irmã de alguém), mas antes porque são aqueles que conseguiram orientar-se na vida graças à prostituição, graças à cunha e não graças ao seu real valor ou desempenho. Têm medo de perder as escassas regalias de que desfrutam, pois seriam imediatamente apontados como revolucionários ou comunistas nos sítios onde trabalham se comparecessem na manifestação ou manifestassem o seu apoio à mesma.
A terceira razão é o terror que grassa neste país. Uma percentagem imensa de quem trabalha está dependente dos humores de quem emprega. A precariedade não deixa que estas pessoas tenham opiniões próprias, não deixa que estas pessoas possam falar seja do que for. Quando muito vão falando dos problemas que têm em casa com a TV ou com o frigorífico novo. Isto se os tiverem.
As reacções à força e números avassaladores da manifestação são agora do mais estúpido que há. Os comentadores dizem agora que a comunicação social é que mobilizou as gentes... Dizem que o Facebook é a maior ameaça do séc. XXI, que isto está tudo mal e que será preciso agora um chicote para voltar a pôr a maralha no seu lugar. Dizem eles que esta manifestação foi feita pelas redes sociais e não pelo povo – embora 300.000 pessoas (e não nicks ou pseudónimos da net) estivessem presentes – só em Lisboa! São, obviamente, pessoas mal informadas e mal intencionadas. Mal informadas porque não souberam sentir o sentimento do povo. Mas como sentir o sentimento do povo se eles o abominam? Mal intencionadas porque são pagas para manter o povo na sua jaula, de preferência bem sedado e sem fazer muito barulho. Se até eu, que não sou uma pessoa que anda por aí a perguntar aos outros se vão ou não às manifestações, tinha a certeza de que a manifestação seria um enorme sucesso, então eles ou são mesmo mal informados (alguns) ou mal intencionados (os restantes).
Resta uma palavra para aqueles que não vibram com esta manifestação e com o seu sucesso, não porque não concordem com o que foi dito, mas antes por puro desprezo por quem faz alguma coisa, inclusivamente por eles próprios. Amanhem-se. Tentem ser pessoas normais. Tentem ser independentes, ter opiniões próprias em vez de serem seguidores cegos das ideologias e ideias que ouvem. Porque aquilo que aconteceu ontem foi apartidário, sem ideologia definida – foi um protesto pelo estado a que chegou este país. Não foi uma festa popular, não foi um sítio para beber uns canecos e comer umas sardinhas ou bifanas, não foi um concerto dos Homens da Luta. Foi um desejo expresso por pessoas que desejam ser livres novamente, ao contrário de vocês, que, falando de barriga cheia, ignoram que serão os próximos alvos. Porque as máquinas partidárias não dão para todos, um dia destes serão despedidos e contratados a recibos verdes, para fazer a mesma coisa, no mesmo lugar, por metade do que ganham hoje. E aí com certeza choramingarão, que é aquilo que realmente sabem fazer bem. E depois lamberão as botas e até o cu a quem vos possa colocar de novo na jaula. Que é o que têm feito, na realidade. Talvez um dia relembrem que houve alguém com coragem suficiente para protestar, para exigir um futuro melhor, futuro esse que vocês não desejam para ninguém, por puro comodismo, por puro desprezo ao povo que se levanta, por pura subserviência
A realidade é que ainda há, em Portugal, um sentimento fortemente reaccionário, inculcado por anos de lavagem ao cérebro, que apanham os cérebros mais fracos da nossa sociedade e os transformam em adoradores do sistema. É o que vejo, por essa blogosfera fora – tanto blogueiro que despreza o seu país, tanta gente que despreza quem luta – muito provavelmente porque deve a sua vida a alguém, deve os seus pequenos luxos, prestes a desaparecer, ao acto de lamber cu. Como dizia o Diego, que continuem a lamber. Verão que facilmente se encontram línguas melhores que as vossas, e só acabando com os cus se acabam as lambidelas. Até lá, continuem no vosso dia-a-dia, imunes ao que acontece aos restantes, trabalhando nas vossas secretárias, de que nunca saem, permanentemente ligados ao FB para terem um relance do mundo real. Quando vos aparecer a palavra “despedimento” ou “ redução de salário” ou “downsizing”, cliquem no “Like”. Afinal, de pouco ou nada mais nos servem.

quarta-feira, 9 de março de 2011

A MANELA É QUE TINHA RAZÃO

Foto Geração Rasca

A verdade é que Portugal tem uma nova moda. Portugal está muito à frente de tudo o que é civilizado, e sinal disso é reeleger governos que fizeram merda atrás de merda ou Presidentes da República que dantes nunca se enganavam mas que agora se afogam em dúvidas. Nem os sonhadores irlandeses, que chegaram a pensar que eram o motor da Europa, foram tão longe. Mandaram o anterior Governo com os porcos, e não têm culpa de agora alguém os repescar para o Governo outra vez.
Portugal é muito à frente e a moda agora é o anti-protesto. Não se pode protestar. Não se pode fazer barulho. O medo de acordar qualquer político sentado na AR em horário de trabalho é enorme. Eu percebo que o protesto meta muito medo a muita gente, pois afinal nunca se viu tanta cunha em Portugal, e é natural que quanto menos se fale nisso melhor. E se o cenário no sector público, neste particular, é preocupante, como sempre foi, no sector privado é atroz e raramente se vê um empregozito conseguido sem a dita cavilha de aço para prender cabos de enxadas e machados.
A moda agora é o anti-protesto, o pacto de silêncio dos que sabem que isto anda tudo virado de pernas para o ar, mas mesmo assim receiam que algo pior aconteça, como uma revolução, uma guerra ou até a perda do emprego. Segundo os sábios, as greves não levam a nada, as manifestações não produzem nada a não ser improdutividade e o protesto nas ruas (que ainda nem começou) leva a ditaduras. Até os Homens da Luta são assim mais ou menos toleráveis quando falam a favor do pessoal, como nas questões contra os políticos e tal, mas irem à Eurovisão é uma vergonha para Portugal. Que se lixe o protesto!
A moda agora é comer e calar. A moda agora é fazer greves, sim senhor, mas não incomodar ninguém. A novidade de que uma greve se destina a incomodar mesmo, e quanto mais incomodar melhor e melhores resultados negociais pode obter é coisa que o português moderno não pode aceitar, uma vez que chega atrasado ao emprego e pode ser despedido. Esqueçamos que as pessoas competentes raramente são despedidas por um atraso, e lembremo-nos que cunhados têm de lamber cus todos os dias, é assim que funciona. E um atraso ao emprego é normal, mas um atraso à sessão de lamber cu é grave. Sendo grave e podendo perder-se o emprego, não pode haver greves que efectivamente envolvam a paragem seja do que for. Até porque estamos em crise e temos de produzir mais, trabalhar mais, esforçarmo-nos mais. E receber menos. Não passa pela cabeça de ninguém que uma pessoa que tenha corte de 10% no ordenado passe a trabalhar apenas 90% do tempo, não é? Eu também acho. Come e cala.
Depois há o medo do que acontece lá por fora, de que chegue aqui a crise líbia, uma guerra civil, seja o que for. Tivemos uma Revolução pacífica e habituamos as pessoas que beneficiavam das benesses de outros tempos a esperar um par de anos, que as benesses voltariam. Pusemos de novo todos os algozes dos tempos da outra senhora, tempos de “respeito”, em que o medo era a palavra de ordem, nos mesmos sítios, a roubar da mesma forma. De modos que este país teve uma Revolução assim quase para o falhado, já que alterou tudo para pôr tudo no mesmo sítio onde estava antes. E assim temos a mentalidade a retroceder novamente, temos a sociedade cada vez mais inflexível, um mercado de trabalho onde é necessário ser escravo durante vinte anos até se poder ser lambe cus. E isso se se tiver sorte. Metemos os putos todos a estudar, e sendo poucos porque dantes até havia mais crianças (poucos canais de TV), continuamos na cauda da Europa em percentagem de gente licenciada, mas já são demais, andaram a estudar para nada, os patrões agora querem reduzir custos e pagar 485 euros por mês, ou então, estagiários não remunerados que trabalham de graça. Condenamos a nossa geração mais nova a emigrar novamente, para a Alemanha, por exemplo, que quer engenheiros portugueses como pão para a boca, esses mesmos que aqui são desprezados porque não querem trabalhar nos caixas do Ti Belmiro, ou estagiar de graça nas empresas portuguesas de telecomunicações. Ou então os jovens licenciados em jornalismo, que nada encontram senão estágios atrás de estágios, em jornais e TVs cumpridores da Lei.
Esta gente vai protestar no dia 12. E tenho a certeza de que muitos estarão em posição de protestar. Mas que parvos, porque protestam em vez de comer e calar? Não vêem que não deviam andar a gastar dinheiro aos pais a estudar? Para quê estudar? Para quê gastar dinheiro em formação? Não conseguem discernir que, para comer e calar, qualquer escolaridade serve? Parvos.
Eu sou da geração rasca. Aquela que a Manuela Ferreira Leite obrigou a pagar propinas e a quem chamou “rasca”. Nesse tempo, um licenciado em Portugal tinha um prazo de espera por um posto de trabalho na sua área de formação que se media em dias. 60, 90, 100, 200. Dias. Hoje esse prazo é medido em anos e áreas há em que não há prazo – não há postos de trabalho. A esta geração é negado o sonho de trabalhar naquilo para que foram formados. Sim, dantes era um direito. Hoje é um sonho. Dantes, as Ordens estabeleciam ordenados mínimos para os seus membros, aqueles que eram licenciados na especialidade. Eram no mínimo dois ordenados mínimos. São os que beneficiaram dessas regras e dos postos de trabalho que entretanto se abriam em abundância que agora dizem aos jovens que trabalhem nas caixas de supermercado
A Manuela Ferreira Leite é que tinha razão. A minha geração, afinal, era mesmo rasca. 
Não protestem, ninguém tem direitos neste país. Não protestem contra os cortes salariais, não protestem contra as avaliações de desempenho dos professores, não protestem contra os estágios não remunerados, não protestem contras os falsos recibos verdes, não protestem contra o preço da comida, não protestem contra os preços dos combustíveis, não protestem contra a corrupção, não protestem contra os políticos, não protestem, ponto final. Vocês, portugueses, só têm dois direitos: comer e calar.
E quando isto acabar na rua, quando isto acabar em violência, que ninguém se lembre da geração rasca. Não da “à rasca”, mas da rasca. A rasca que já se acomodou, a rasca que já leva putos ao infantário mas que não sabe que futuro e educação lhes dar. A rasca que que manda os jovens de hoje comer e calar, como se na sua época as dificuldades fossem as mesmas. A rasca que, ao invés de querer o melhor para a juventude deste país, a condena a ser a sua servente em caixas de supermercado ou estágios não remunerados. Não se lembrem de nós. Porque nós estaremos escondidos em algum buraco, com o rabo de fora. Mas protestem, porra. Vão para a rua e protestem! Perdoem a geração rasca, mas protestem!!

domingo, 6 de março de 2011

AVISOS

Foto Google

Ontem, para quem assistiu ao Festival RTP da Canção, ou lá como se chama, deu-se um acontecimento estranho. Ora eu não assisti, nem sei bem qual a qualidade das canções a concurso. O que sei é que a qualidade da canção vencedora, que já tive oportunidade de ouvir, não é lá aquela coisa de primor artístico. Para quem assistiu, penso que o mais estranho foi a reviravolta nas votações, a favor dos Homens da Luta, quando se começaram a contabilizar votos do público lá de casa.
Como já disse, penso que a canção em si, do ponto de vista técnico, não é grande coisa. Então o que a fez ganhar? Porque será que o público presente na sala a assobiou, quando foi dada como vencedora? Se não é uma boa canção, porque ganhou, ainda por cima contra a vontade daqueles que ali se encontravam que, à partida, são mais entendidos no assunto?
O país real, o país dos portugueses que andam na rua e que sentem a vida portuguesa, essa estranha forma de vida, não estranhou. Eu já sabia que os Homens da Luta iriam ganhar. Não pelo primor técnico ou pela inovação. Ganhariam sempre – pelo protesto. Porque o português real, aquele que não se senta confortavelmente nas cadeiras de jurados de programas de TV ou nos teatros onde decorrem cerimónias com “convites” pagos a peso de ouro, para o português que trabalha para (sobre)viver e que não tem as mordomias desta gente aparentemente entendida em tanta coisa, só poderia haver um vencedor. E esse vencedor é conotado com essas pessoas, são consideradas pessoas do povo. São incómodos, corajosos e não se importam de levar no focinho de vez em quando só para que a sua mensagem passe.
No fundo, o país real sabe que não é como os Homens da Luta. O país real não é corajoso, nem se sacrifica da mesma forma, nem é activista como eles demonstram ser. Ainda não é. Mas farta-se de avisar que a tal pode chegar. E perante as revoltas que nos rodeiam, em países árabes e europeus, como a Irlanda e a Grécia, pergunto-me o que pensarão aqueles que governam o país acerca disto. Aparentemente, não pensam nada. É certo que não são pagos para pensar e todos já sabemos disso. Estão mais preocupados em discutir as culpas das desgraças, como agora se vê no caso das portagens das CCUTs do interior. O resto passa-lhes ao lado, tão confiantes estão na passividade e bonacheirice do povo, que tem permitido a pilhagem do país aos governantes e seus lambe cus. Talvez um dia acordem. Os sinais estão aí. Este foi mais um.