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Ilustração Marco Joel Santos |
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Declarações de Christine Lagarde,
presidente do Fundo Monetário Internacional:
“Quem poderia imaginar, em 2009, que estaríamos hoje
aqui, a festejar o sucesso da Letónia, depois de um percurso tão difícil? É um
tour de force. Vocês indicaram o caminho
à zona euro.”
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Declarações de Sergey Acupov, ex-assessor
do governo:
“Somos a experiência em laboratório da desvalorização
interna. (…) Querem um exemplo para a Grécia, para Portugal… e Espanha.”
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Situação (citação do artigo):
“Em troca de créditos no montante de 7,5 mil milhões de
euros, o Governo pôs em marcha a mãe de todos os ajustamentos orçamentais,
equivalente a 17% da sua economia, em apenas dois anos.”
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Resultados imediatos do ajustamento
(citações do artigo):
o “O PIB caiu 23% em dois anos”;
o “Os salários baixaram entre 25 e 30%”;
o “ (…) O desemprego aumentava de 5
para 20%;
o “ (…) O subsídio de desemprego foi reduzido para apenas 40 lats (57 euros)
por mês”;
o “Quatro em cada dez famílias ficaram em situação de pobreza, mas a taxa única
de imposto sobre o rendimento (25%) foi aplicada a mesmo aos rendimentos
mensais de 60 euros.”;
As políticas
impostas à Letónia fizeram com que 40% das famílias se tornassem indigentes. O
desemprego escalou para os 20% - sem dúvida agora se percebe a obsessão de António
Borges com este número de desempregados, que ele considera “o ideal”, ou não
tivesse ele sido o responsável pelo programa letão, como director do FMI para a
Europa, à data dos acontecimentos – mas entretanto, Lagarde teve esta pérola,
que apresentou como excelente notícia: “A Letónia vai ter,
este ano, um crescimento de 6%, mais do que qualquer outra economia europeia”. Sem dúvida,
uma excelente notícia. Recordo, de qualquer das formas, que a queda do PIB foi
de 23% em dois anos, pelo que estes 6% de crescimento, dado o emagrecimento da
base de cálculo, se situa nos 4% relativamente há dois anos, o que levaria o
ajustamento a ter sucesso ao fim, não destes dois anos, mas apenas daqui a 6
anos. E, não esquecer, estes são cálculos do FMI, estimativas para o final do
ano, que sabemos serem extremamente pouco fiáveis quando apresentados em causa
própria.
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“30 % dos jovens opta por emigrar”:
o “Cerca de 10% da população (230 mil numa população de 2,2 milhões, em 2008)
abandonaram o país. E 30% - um em cada três – dos letões com menos de 30 anos partiram, a maioria
para nunca mais voltar.”
o “A população está a envelhecer rapidamente. E, nesta última leva, as
pessoas que partem são jovens com
estudos” – demógrafo Mihails Hazans;
o “A isto somam-se os graves problemas demográficos da Letónia, devidos à
taxa de fecundidade baixa e à esperança
de vida igualmente baixa (um problema agravado por um sistema de saúde em
crise orçamental)”;
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Degradação das condições de
alojamento e salubridade:
o “Antes, a Moscow Worstadt era uma zona industrial da economia soviética. Agora,
é um foco de prostituição, droga e atividades ilícitas”;
o “O centro infantil da Risk Berni dava comida a entre 20 e 30 crianças por
dia e distribuía roupa. (…) O estado letão contribuía com 2000 lats mensais. O
hotel Radisson fornecia as sobras da cozinha. (…) O governo cortou o subsídio
para metade e a Risk Berni fechou no ano passado”;
o “Com tanta emigração, as mães das crianças foram para o estrangeiro e
muitas dessas crianças vivem agora com os irmãos mais velhos ou os avós”;
o “ (…) Um jovem, de cabeça rapada, entrou num bar: (…) - Acabei de brigar
com um tipo. Foi ele que começou – Lá fora, na rua, jovens prostitutas – talvez
com 17 ou 18 anos – esperavam”
o “Muitas das casas boas pertencem agora aos bancos e os antigos moradores vêm
para aqui” – Diana Vasilane, moradora de um bairro degradado;
o “Entramos numa urbanização de barracas de madeira, que se estende até ao
rio. Muitas delas têm pedaços de terreno cultivado, que os novos pobres da Letónia
combinam com a pesca, para sobreviver. Não têm electricidade, apesar de, no
Inverno, as temperaturas serem de 20 graus negativos”;
o “No período soviético, as pessoas tinham aqui pequenas hortas e uma barraca
para guardar ferramentas. Agora as pessoas vivem nestas barracas” – motorista de
Riga;
o “Konstance Bondare, de 80 anos, é uma das moradoras (…) sem luz, nem água (…)
diz que veio morar para aqui há um ano e meio, depois de ter sido desalojada
por um banco, que tomou posse do seu apartamento em Riga (…) fiadora da sua
filha (…) a filha partiu (…) Recebe uma pensão de 180 euros por mês. Vai buscar água
ao rio todos os dias – e diz que a bebe (…) diz que paga renda por este
casinhoto de 12 metros quadrados (…) – O banco pôs-me na rua e disseram-me que
devia envenenar o meu cão. Prefiro envenenar-me a mim mesma. Vejam como vivem
os letões no seu próprio país!”
o “Há algumas semanas, uma senhora da idade de Konstance foi assassinada à
machadada, num bairro perto daqui. Roubaram-lhe a pensão de 100 euros";
Estamos
dispostos a coisas como estas para fazer um ajustamento pretendido apenas por
quem não conhece a realidade do nosso país? Porque razão não podemos ter outras
alternativas? Porque razão insistem em matar uma boa parte do país, como na Letónia,
através da degradação de um SNS que já nem garante tratamentos oncológicos
paliativos aos portugueses? E porque insistem que a parte mais habilitada do país
emigre? Qual o objectivo desta política?
Cada
um retire as conclusões que quiser. Penso que são claras as intenções de quem
nos governa. Ainda não é tarde demais.