Não é de hoje que certas
características ou comportamentos humanos são associados a animais. O primeiro
animal a ser venerado pelas suas características pode ter sido o touro, que
representava força. Já no tempo das primeiras cidades se encontra esta
associação e veneração. No tempo dos egípcios, cada deus tinha uma contraparte
animal, resultando num panteão divertido do ponto de vista zoológico, colorido
e muito completo, dada a extensão de características humanas associadas a cada
um. Os gregos preferiam os animais grotescos e mitológicos, e os romanos
provavelmente preferiam o que os gregos preferiram antes deles. Os cristãos, à
boa maneira judaica, eliminaram estas associações, mas nem uma nem outra
religiões e sociedades passaram incólumes à associação entre um animal e uma
dada característica humana.
Por exemplo, diz-se de uma pessoa
muito valente que é um leão, pois tem a coragem de um leão. Coisa estranha,
atendendo que o leão dorme 23 horas por dia e só perde uma hora não a procurar
e matar comida, mas a afastar leoas e juvenis felinos africanos da carcaça que
as fêmeas abateram. Costuma igualmente dizer-se de uma pessoa clarividente que tem
olho de águia. Talvez, a julgar pela abertura do campeonato na Madeira, as
águias lá tenham utilizado um qualquer olho que não se encontra na respectiva
cabeça do garboso predador alado.
Mas também há as depreciações. Por exemplo,
o pato. O pato, todos concordam, é um animal simpático. E se a associação da
sua vertente selvagem ao empreiteiro habilidoso existe, também não é menos
verdade que a expressão “cair que nem um pato” ou “saber a pato” indicam que o
pato é uma pessoa habitualmente pouco atenta, de crença fácil e que é enganado
com facilidade.
Porquê esta lengalenga toda? Porque
me parece que grande parte do povo português é constituída por excelentes
exemplos desse simpático palmípede que é o pato. Talvez me atreva a ir mais
longe e a dizer que vários povos, senão todos, são excelentes viveiros de
patos. Basta olhar para toda a confusão em redor do rochedo de Gibraltar, com
uma Espanha empenhada em recuperar a soberania de tão importante território –
quando esquece que tem dois casos similares em África – para perceber que algo
não vai bem em Espanha e que tudo isto é milho para patos. E os patos
acreditam, e comem o milho e sentem-se felizes por tão bem informados.
Em Portugal, há coisas que não vão
bem. É verdade que temos um crescimento económico de dois pontos negativos. É verdade
que temos um primeiro-ministro que elegeu Portugal como o adversário a eliminar
(quem quer eliminar a Constituição de um Estado quer eliminar esse Estado). É verdade
que estamos prestes a assistir à maior ofensiva do governo no sentido de
derrotar o povo português e o condenar à escravidão para sempre – processo, aliás,
já começado há muito. E os patos? Os patos tiveram hoje a bola, pois claro. Têm
as touradas e o fado (muito curioso este ressurgimento fadista). E agora têm a
Judite e as suas entrevistas.
E vejam como foi fácil – tão fácil –
pôr todo o povo português a defender um pobre coitado de um bilionário frívolo,
frugal e inculto. Não são defeitos, não lhe estou a chamar nomes feios – é apenas
o que ele demonstrou ser. Que delícia para um governo liberal, ver um povo
escravizado, martirizado, a passar fome, defender um rico com unhas e dentes. Perante
a agressividade que – dizem – é pouco profissional da Judite, defendeu-se o
pobre bilionário que “gasta o dinheiro como quer, porque é dele” e que “não é
obrigado a ajudar seja quem for”. Bem verdade. Obrigado a ajudar os outros sou
eu, e os outros pobres, que enchemos os carrinhos dos bancos alimentares e aas
latinhas das Ligas contra Qualquer Coisa, e compramos bugigangas para ajudar a
comprar cadeiras de rodas para deficientes, para – quanto mais não seja – não ficar
mal na fotografia. Obrigado a ajudar sou eu, e os outros pobres, a pagar
impostos para ajudar o país. Ele não, ele não é obrigado, porque o dinheiro é
dele. Obrigado por me dizer que o pouco dinheiro que tenho não é meu – é bem
verdade.
E depois andamos a partilhar links
no Facebook sobre a Isabelinha dos Santos e a sua incomensurável fortuna de
origem duvidosa. E depois criticamos o Cristiano Ronaldo pelo luxo de que se
faz rodear. Mas, e como se escreve na Bíblia, em verdade, vos digo, meus irmãos
patos, que até o Cristiano Ronaldo faz alguma coisa na vida para ser como é, e
por acaso até o faz bem. E por acaso até contribui para muitas obras de
caridade – e se mais não fosse, cada elemento da família dele. E criticamos a
Isabelinha e o pai corrupto até à pontinha dos cabelos agora brancos, dizendo
que a origem da sua fortuna é obscura. Já quanto ao nosso pobre bilionário, o
tal “rapazito”, o dinheiro é dele (a sua origem não me parece muito menos
obscura que a da Isabelinha), pode fazer o que quiser. E não precisa de fazer
nada, só de existir, porque é rico e só precisa de tempo de antena, mas já o
Cristiano Ronaldo é uma besta.
Patos. Não passamos de patos. E, no
meio disto tudo, de tão absurdo que este assunto é, nem nos lembramos daquilo
que realmente é importante. Aliás, até nos puseram, em uníssono, a defender um
pobre bilionário quando um governo liberal ao serviço dessa mesma gente nos
tira tudo o que pagamos. Somos os patos do costume.