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Esta coisa de tasers está-me a dar a volta ao estômago. Até o Bastonário da Ordem dos Advogados quer levar toda a gente presa. Súbita mudança de atitude de quem no Freeport não queria levar ninguém preso. A busca de protagonismo é assim, aproveita-se aquilo que se pensa nos dará mais daqueles momentos de fama (os tais 15 minutos da ordem, só que neste caso são repetidos) - o que agora alguns comentadores eruditos no inglês e politiquice chamam de sound bytes. Santinho e seja lá o que isso for.
O caso da cadeia de Paços de Ferreira é um daqueles casos que me dá a volta ao estômago. Num país onde toda uma geração trabalha de graça e tem qualificações a mais, um país onde 80% da população activa conta tustos até ao fim do mês (quem dera que a muitos chegasse ao fim do mês), num país onde morrem idosos sós e passam a cadáveres mumificados ao longo de nove anos de quietude, num país onde uma reforma mínima, resultante, por exemplo, de 45 anos de trabalho com ordenado mínimo, não dá para comprar os medicamentos paliativos para o fim de vida, um país onde o tráfico de drogas impera e os assaltos violentos se multiplicam – é neste país que a utilização de um tazer num preso de uma cadeia é notícia.
Um preso acompanhado psicologicamente, que se vangloriava de que o sistema não aguentava com ele, que se recusava a cumprir as mais elementares regras de uma cadeia, um abjecto que não hesitava em atirar os próprios dejectos aos outros presos e aos guardas prisionais, um criminoso condenado a doze anos de cadeia por tráfico de drogas – é agora uma espécie de herói, afinal uma vítima do sistema. Um preso que fez com que os seus vizinhos presos entrassem em greve de fome apenas para terem aquela cela limpa, uma pseudo-pessoa que até aos seus pares metia o mais profundo nojo, é afinal um herói.
E a culpa é de quem? De um taser e de uma câmara. Um taser – arma que dispara dois espigões presos a cabos pelos quais passa uma micro-corrente de 1000 volts de tensão, que tem como objectivo paralisar a vítima. Uma arma preventiva, que todos já vimos ser utilizada em diversos vídeos, em que 1 minuto depois as pessoas estão no seu estado normal - e sem marcas físicas. Causa dor momentânea logo seguida de paralisia. E uma câmara, que filmou o disparo, filme esse que algum palhaço achou que seria um escândalo.
Os presos têm direitos. E têm deveres. E não esquecer que perdem muitos direitos no interior da cadeia, incluindo o direito de ser um cidadão. Têm deveres e regras a cumprir. Não estão numa estação balnear. Estão a cumprir tempo de cadeia. Que pode e deve servir para os reabilitar. A minha pergunta é: será que um preso como aquele quer ser reabilitado?
O resultado da intervenção da guarda anti-motim está, no entanto, à vista: o preso passou a cooperar, a cumprir as regras do estabelecimento prisional e a sua cela está agora limpa. Não foi, com certeza, do tazer, que pouca dor lhe deve ter infligido. Talvez tenha sido dos uniformes pretos. Ou até da vergonha de se ver na TV nos lindos preparos em que se encontrava. Talvez agora seja conhecido como o rei da pocilga ou coisa do género.
Em futuros casos, há sempre algumas sugestões. Acompanhamento psicológico não. Deram a este, sendo que a sua avaliação psiquiátrica foi “normal”. Mas talvez arranjar uma senhora a dias que possa limpar as celas dos presos. Porque não? O Estado pode pagar isso. Ou então, uma outra sugestão, arranjar pocilgas em vez de celas, onde estes presos possam javardar à vontade. Ou então colocá-los na vermicompostagem, substituindo as minhocas que comem a matéria orgânica e produzem húmus. Podem também colocá-los a cumprir pena em casa do Dr. Marinho Pinto, ele parece que gosta de merdas.
Desde que ninguém se lembre que o preso em questão é um assassino em massa, está tudo bem. Tem direitos... Aliás, tem bem mais direitos que um jovem da geração “parva”, tem bem mais direitos que um estagiário que trabalhe de graça, tem bem mais direitos que qualquer idoso que esteja condenado a morrer só, tem bem mais direitos que qualquer pensionista que tenha trabalhado 40 ou mais anos, porque a estes, Portugal nega a possibilidade de dignidade humana, nega a possibilidade de futuro, nega até a possibilidade de deixar de existir condignamente. A um traficante de droga que inferniza a vida a quem trabalha e vive na cadeia de Paços de Ferreira, ninguém pode tocar. Triste Portugal que eu vejo. Triste a terra onde os criminosos são os jovens desempregados e os idosos sós, e onde os “cidadãos” com direitos moram nas cadeias.