Chico Fininho - Foto Google |
O Miguel Esteves Cardoso é que a sabe toda, e fez de um chorrilho de palavrões uma ode à língua portuguesa. A antiga, não a brasileira que se escreve agora. A verdade é que não só desmistificou como embelezou o uso do palavrão. E além de tudo, deu uma liberdade muito grande à escrita que se vê por aí. Não falo de revistas ou jornais, mas antes deste mundo, o da blogosfera.
Eu sou do norte do país, e tenho pronúncia do norte. Mas além da pronúncia, tenho a grata capacidade de conhecer e usar frequentemente o palavrão. E este é um primeiro erro, muito comum. Como se pode chamar palavrão a um caralho, por exemplo, quando existem acetilsalicilatos de lisina (aspirina)? Ou esternocleidomastoideus (haja Deus!)? Ou otorrinolaringologista (rinoceronte que se chama Oto e que tem uma loja e vota PSD)? O caralho é até assim uma palavra maneirinha, e até é antiga. Designava o cesto da gávea dos navios no tempo dos descobrimentos. Agora imaginem lá o Vasco da Gama a ordenar a um marinheiro “Vai para o caralho!”, o que, pelos padrões de hoje, poderia dar origem a um motim no navio-escola Sagres. A maior parte dos ditos palavrões não são efectivamente palavrões, são maneirinhos e práticos. Até porque chamar “filho de uma senhora de ocupação dúbia em horário de trabalho” ao filho da puta que nos fez uma tesourada na autoestrada é pouco prático, e quando se acaba a expressão já o dito se pôs no caralho. O que não é rigoroso, é certo, porque olhamos para baixo e ele vai bem adormecido e aconchegado lá junto ao banco aquecido do automóvel. E aí está outra grande vantagem do palavrão. A capacidade de nos pôr a imaginar coisas inverosímeis e estranhas.
O palavrão é solidário. É verdade. O palavrão une as pessoas. Basta pensar em como podemos tantas vezes estar a falar com outra pessoa e exclamar “O Sócrates que se foda!”, ao que o outro responde “Que vá apanhar no cu!”! Ora aí está um momento de rara sintonia que nunca seria atingido se alguém dissesse “O Sócrates que se vá fazer amor” com a resposta “Que vá inserir um falo no ânus!”. Quer dizer, se calhar, pela magnitude da coincidência de opinião, até poderia. Mas como dizem os outros mariconços, não era a mesma coisa.
Aí está outra palavra que dá jeito. Maricas ou paneleiro dá jeito. Isto porque o verdadeiro palavrão é homossexual ou, ainda pior, gay, que nem português é. Maricas que se ofenda por lhe chamarem paneleiro não é homem! E isto do gay fez-me lembrar aquelas alminhas que, quando querem expressar espanto, agora escrevem “omg!”, em vez de um “Oh meu Deus!”. Claro que são alminhas religiosas, e respeitando o Mandamento, não evocam o nome de Deus em vão. Resta o quê? Ah, pois, um vistoso “puta que pariu!”! Espero que ninguém se lembre de escrever “senhora de ocupação dúbia em horário de trabalho que pariu!”. Sim, porque pariu não é palavrão, é o termo técnico para o acto de ter um filho, e não “dar à luz”, que é muito poético, mas só resulta se for um mineiro o parteiro.
Ou então, outra expressão que me põe os cabelos com tesão, que é “wtf!”. Não é português, e é facilmente traduzido pelo sempre popular e prático “foda-se!”. Aliás, esta palavra, por estes lados, não é uma palavra, é uma interjeição. Ou começamos, ou interrompemos ou acabamos uma frase sempre com um sonoro “foda-se”, e é mesmo recorrente que utilizemos as três alternativas simultaneamente, sendo que algumas vezes o caralho é chamado a intervir ali pelo meio. Sem maldade, pois sabemos que o caralho intervém de facto mais pelo meio, embora habitualmente tenha tendência para a esquerda, por sermos maioritariamente dextros. Sim, porque isto de “fodi esta” e “fodi aquela” e mais não sei o quê é giro mas é na imaginação de profissionais liberais com pouco que fazer. A maior parte do pessoal fode o que pode e os que não podem batem umas punhetas. Palavra engraçada, esta das punhetas, já que deveria apenas designar uma pessoa a quem falta um punho, como perneta para quem não tem uma perna, maneta para quem não tem uma mão, mulher para quem não tem caralho – que, como vêem, é uma palavra recorrente na língua portuguesa.
E a língua leva-nos ao acto sexual oral, designado quase cientificamente como cunninlingus. Este sim, é um palavrão! A substituição natural por um saudável minete é simples e prática, e dá para ver que algumas senhoras idosas que visitam países árabes ainda têm vida sexual activa - ou seja, ainda fodem, pelo menos de língua – quando exclamam à saída do autocarro, e referindo-se às torres das mesquitas: “Puta que pariu, grande minete, c'um caralho!”. É certo que de início é constrangedor, mas liberta o espírito de grupo e faz uma viagem mais ligeira. O acto sexual oral contíguo é o felatio, que se lê felássio, o que a mim me faz lembrar melaço e, ultimamente, os Homens da Luta. Um comum broche é engraçado e inclusivamente diversificado culturalmente, uma vez que podemos sempre desviar a conversa para a joalharia.
Mas há muitos outros palavrões. Boy, por exemplo. Não é um palavrão, mas não é português. Um boy não é um boy, é um lambe-cus. Temos bons exemplos de lambe-cus por esse país fora, como o já referido PM ou o Passos Coelho, jotinhas de profissão que se especializaram rapidamente na arte de dar o dito cu em troca dos tais jobs, que é palavrão que é facilmente traduzível por tacho. Porque não dizer “tachos para lambe-cus” em vez dessa tristeza de “jobs for the boys”? É que, ainda por cima, poupamos nas palavras, porque para elas teríamos de dizer “jobs for the girls” e assim dizemos sempre “tachos para lambe-cus”, uma vez que a actividade de lamber um cu não é directamente relacionável com qualquer um dos sexos.
E o sexo faz-me lembrar que o palavrão é intensamente despretensioso, uma vez que inverte tudo aquilo que queremos efectivamente dizer. Como? Os palavrões directamente ligados à actividade sexual raramente são utilizados nesse âmbito. Mandar para o caralho alguém raramente quer dizer que se deseja que essa pessoa se coloque por cima de um pénis, mandar alguém ir-se foder raramente é sinal de que desejamos que essa pessoa vá fazer sexo. Ao contrário, quando falamos explicitamente de sexo, usamos outras expressões que nada têm com ele a ver. Por exemplo, quando referimos um marido traído, não o designamos como o atraiçoado ou o traído, mas antes por cabrão, corno ou manso. O que na realidade é intensamente libertador, uma vez que cabrão é um bode com muita força, corno é um utensílio de lutas extremamente viris entre várias espécies animais e dos mansos será o Reino dos Céus. Está bem, se não for o Reino dos Céus, é outra merda qualquer lá para cima.
Merda é um palavrão que muita gente pensa que foi inventado pelo Rui Veloso quando, enquanto seu alter ego Chico Fininho, andava com a merda na algibeira. Pode ser enganador, ninguém cagou no bolso do Rui. Cagar é mais um palavrão libertador, uma vez que defecar é um verbo feio e triste, que me faz lembrar defenestrar, e agora estou a imaginar alguém a cagar-se todo enquanto o fodem abaixo de uma janela de S.Bento. Pode ser o Sócrates. Mas merda é, mais uma vez simples e directo, em vez de excremento, que faz lembrar jumento – o Sócrates aparece muitas vezes por aqui, é uma merda! - e tem a vantagem de não só designar o excremento em si como qualquer merda em geral, como a merda que o Rui trazia na algibeira.
Enfim, o palavrão é, como dizia o Miguel Esteves Cardoso, que tem umas filhas das putas dumas orelhas que parecem uns abanadores de fogareiro para assar sardinhas, uma verdadeira instituição. Eu concordo e só tenho realmente pena de não escrever tão bem como o Miguel Esteves Cardoso. Mas a verdade é que ele também gostaria de ter orelhas como as minhas e não aqueles apêndices gigantescos que devem ter arranhado as bordas da mãe duma forma irreversível. Mas eu gosto mesmo do que o homem escreve. Muitos pensam que sabem bem mais que ele, e às vezes até partilham o nome, mas afinal são apenas lambe-cus de merda. Isto é um pleonasmo, não é? Que grande palavrão! Não há aí nada que possa substituir pleonasmo, assim mais maneiro? Talvez encornanço – quando alguém encorna em alguma coisa, está a pleonasmar (e isto agora é que não sei se existe – é mesmo palavrão a substituir pelo saudável encornanço!)
Hilariante!
ResponderEliminarOnde foste buscar a inspiração?! Ao vídeo "Gosto de Palavrões?!...
Digo muitas vezes que o palavrão só é ofensivo quando a intenção ao usa-lo é mesmo ofender a pessoa a quem é dirigido, caso contrário é apenas um modo informal (bastante informal) de conversar, comentar qualquer coisa que merece ser comentada.
E é fácil, muito fácil, sentir quando alguém diz o palavrão porque sim ou quando o usa para nos insultar... digo eu, que tenho pronúncia do norte.
Pronúncia, por acaso fui buscar a inspiração ao grupo do FB "sou contra o acordo ortográfico".
ResponderEliminarClaro que sabemos perfeitamente distinguir as caralhadas dos insultos. É a pronúncia do norte.
Foda-se! Que filho da puta de posta! Aqui em Lisboa não se usa 1/10 dos palavrões que orgulhosamente vomitamos no Porto, e isso é estranho.
ResponderEliminarEu não sei, mas diria que este post foi escrito por uma pessoa indignada, vulgo fodida. ;)
Sara, nesse aspecto os lisboetas são um bocado merdas secas, não são?
ResponderEliminarÉs bem capaz de ter razão... Mas estou menos indignado que o paneleiro do PM a berrar pela esquerda radical no Parlamento...
Nunca mais venho ler as tuas escritas à noite porra!
ResponderEliminarÉ qu'isto de andar a abafar as gargalhadas é mau p'rá saúde!!!
Muito bem amandado, carago!
(é no que dá ter crianças - aprendemos a moderar os palavrões, especialmente quando não se está no Norte...)
Caríssimo, c'um grande falo! Muito bom. Existem frases aqui dignas de ficarem nos anais (!) da literatura lúdica portuguesa.
ResponderEliminarAgora, eu a ser armado em cabrãozito sabichão, a aspirina é ácido acetilsalicílico. Esse que falas é o aspegic... :D
Porta-te
O palavrão é libertador! Durante muito s anos não disse palavrões. Bem, merda e porra aqui no Norte não contam, por isso. Desde que descobri o poder curativo de um palavrão dito na hora certa é um ver se te avias! Só é pena os que tenho que dizer em pensamento porque parece mal, não é?? ;)
ResponderEliminarSDaVeiga, são apenas constatações de facto. Não é um texto explicitamente humorístico. Mas se faz rir, fico contente.
ResponderEliminarCat, lá estás tu a armar-te em técnico de saúde. Sei bem que o ácido acetisalicílico é a aspirina, e o acetilsalicilato de lisina é um composto feito a partir do primeiro. Não esqueças que tive química orgânica, ò esperto! Só acho que ácido toda a gente sabe o que é. Lisina já é outro caso.
ResponderEliminarQuanto às frases para os anais... Concordo... Há aqui algumas expressões, não frases, que usaria num bom anal.
Malena, um palavrão na hora certa não só é libertador como é revelador de bom senso. Gente que anda sempre deprimida diz poucos palavrões!
ResponderEliminarJá resolveste o caso do perseguidor?
espectacular.
ResponderEliminarDaniel, obrigado.
ResponderEliminarGrande Cirrus EC.
ResponderEliminarMuito bom !! ))
E só não disse 'Foda-se' porque aqui no Alentejo não dizemos palavrões... rsrsr
ResponderEliminarGrande texto!É caso para dizer que tiveste uma inspiração do caralho e sendo eu do norte tenho estima elevada por certas palavras!
ResponderEliminarUm beijo,
Maria
Obrigado, Maria. Nós aqui no Norte temos muita afeição por termos carinhosos, é um facto.
ResponderEliminarui, nem querias saber o que eu ouvi porque disse porra numa aula de inglês e a prof ouviu. que sermão sobre as origens dessa e de outras palavras (como chatice vê lá tu).
ResponderEliminarpara mim a malícia está na cabeça das pessoas e não nas palavras.
para mim porra já nada tem a ver com a sua origem.
e é como dizes, o palavrão é uma característica "das gentes" do norte. :P falo por mim pelo menos.
digamos que não seria eu se não me saísse um belo foda-se ou caralho a cada duas palavras numa frase :P
Ana, o palavrão raramente é um insulto. As pessoas não percebem que são interjeições puras. No entanto, isso também é fruto das diferenças linguísticas. Realmente no Norte o palavrão é corrente. No Alentejo quase tudo o que me sai da boca é palavrão...
ResponderEliminarEsqueci-me do Salvador, porra!
ResponderEliminarÒ Salvador, aí no Alentejo 95% das minhas palavras são palavrões!