Baco e Ariadne, Tiziano |
A Arte. Poucos conceitos serão tão evasivos com este. A forma como se pode apreender a Arte é diversa, tanto de época para época, como de cultura para cultura. Mesmo entre indivíduos diferentes se podem verificar interessantes discrepâncias quanto ao que se pode considerar ou não arte. Apesar de a História da Arte ser encarada hoje como uma parte integrante da História, e, portanto, e por si só, uma ciência, a verdade é que o objecto de estudo comporta outras dimensões que não as da ciência em sentido estrito.
Como tão bem descreve Mendieta Nuñez, a arte e o seu conceito prende-se com valores ou objectos que vão para lá do sensível e se entranham decisivamente no âmbito da filosofia ou do pensamento teórico. A arte prende-se com um conceito tão subjectivo como a beleza, uma vez que um dos objectivos primordiais é a produção de beleza. No entanto, aqui esbarramos novamente num conceito tão ambíguo e diverso como quantos o interpretam. A beleza não está compartimentada, e muito menos estandardizada a ponto de dizermos com segurança que determinado objecto é belo por si só.
Logo assim, tende-se a pensar a beleza objecto da arte como um processo e não um conceito. Um meio, como diz Nuñez, e não uma finalidade em si. Sendo que a interpretação artística é eminentemente subjectiva, pois cada observador tem uma opinião e interpretação dessa opinião diferente do próximo a observar o objecto, não é fácil, pois, assimilar o Belo como um conceito absoluto. O Belo, arriscar-me-ia a afirmar, não tem noção. Depende de tantos factores extrínsecos à produção artística que é virtualmente impossível classificá-lo definitivamente. Cada observador tem a sua noção de Belo, ainda que o não saiba ou consiga explicar. Para que tal aconteça, concorrem tantos factores de diversificação como a cultura, a experiência prévia ou até factores fisiológicos ou psicológicos. Aquilo que numa determinada altura nos pareceu belo, numa outra pode deixar de o ser. E note-se que aqui me refiro à experiência individual do observador.
Assim sendo, é mais fácil considerarmos a beleza na concepção do que na interpretação artística. O artista, o produtor de arte, e consequentemente do Belo artístico, assume a beleza da sua obra pela sua produção, não tanto pelo seu resultado, mas mais pelo processo a que tal levou. Subjectivo? Sem dúvidas, mas mais objectivo que considerar a miríade de observadores, cada qual com a sua visão particular de uma obra e sua beleza. Em última análise, assistimos, impreterivelmente, à ditadura artística, uma vez que o artista sabe o que expressou, revela-o através da sua obra e esta é interpretada de milhentas formas diversas. No entanto, apenas a visão do autor é a verdadeira, apenas essa é bela na sua essência, que é a do processo criativo e artístico em si. Quem não produz arte pode eventualmente interpretá-la, mas nunca ter a mesma visão determinada pelo artista e pelo processo artístico, uma vez que nunca passou por ele. Assim, a beleza é entendida mais facilmente como um conceito vago, mas entendível no processo, não raras vezes questionável no resultado final, pois este está aberto à interpretação de quem não faz parte do processo.
Uma das barreiras com que nos deparamos na interpretação do belo e da arte é a contextualização histórica, uma vez que em diferentes contextos e épocas históricas a beleza e a arte eram entendidas igualmente de formas diferentes, inclusivamente, serviam para exaltar valores diferentes. Se recuarmos aos tempos pré-históricos, não podemos deixar de sentir que a aquilo a que chamamos arte rupestre entra, com frequência senão com exclusividade, no domínio da magia e da representação prática desse mundo imaginário, através do qual se procurava atrair a sorte de uma caçada, tão importante para a vida de então.
Transpondo-nos para tempos pré-clássicos, a representação artística, que quase adquiria um sentido de ciência exacta, nomeadamente no Egipto, Suméria e Israel, não mudou grandemente o seu sentido mágico, embora num âmbito humanizante do plano teológico, o que não deixa de ser uma função artística que perdurará até ao final dos tempos. Os tempos clássicos trouxeram-nos a figura humana como humana, e não apenas a representação divina. Mesmo assim, a arte de então assumia um pendor mais utilitário que propriamente lúdico ou artístico.
Na Idade Média, a arte volta às suas raízes místicas, à sua dimensão quase estritamente religiosa. A representação dos Evangelhos ou dos Santos assumiu uma dimensão total. Mas é necessário aqui relembrar que a religião, em tempos medievos, era o âmago das vidas quotidianas de qualquer pessoa. O Humanismo e o Renascentismo conviveram de perto com esta realidade, mas mais uma vez, tal como nos tempos clássicos, a figura humana reaparece. Ajuda este reaparecimento da figura humana à ideia de antropocentrismo. Mais uma vez, uma corrente de pensamento, uma corrente filosófica, tem como coadjuvante a arte. Em último grau, a arte serve como testemunho do pensamento dominante da altura, como uma concretização desse pensamento. Mais uma vez, e como podemos verificar, voltamos ao conceito inicial de arte e de Belo, não como resultado final de uma obra, mas como processo artístico, que expressa um pensamento, ou uma corrente do mesmo, da melhor forma, ainda que a interpretação fosse diversa, até pelo poder vigente na altura, eminentemente religioso. Testemunhos disso são os fabulosos tectos da Capela Sistina, de um fervor religioso impressionante, para a Igreja. De um realismo e antropocentrismo acentuados para o autor. A obra permanece, as interpretações divergem. O processo criativo perpetua-se na obra como objecto pensado pelo autor e não na visão que dela temos ou que alguém possa ter. Daí, a importância científica da História da Arte.
Por outro lado, e como parece explanar de forma clara Huyghe, a Arte parece, em muitos casos, uma expressão de fútil beleza. Esta visão, não partilhada, obviamente, pelo autor citado, mas que parece ser de senso comum, particularmente nos tempos que correm, mais uma vez nos levam ao conceito de arte muito mais como o processo cognitivo que leva à expressão objectiva de um pensamento ou sentimento e não como o objecto em si mesmo. Mais uma vez me parece que esta noção pode ser considerada como redutora, ao reduzir efectivamente a arte ao âmbito do autor da mesma, retirando-a do domínio público, para a situar no do pensamento privado e único. Mas, por outro lado, de que forma poderíamos algum dia abarcar todas as concepções e observâncias exteriores diferentes?
Mas será, efectivamente, a arte, apenas uma expressão de fútil beleza, como diz Huyghe, a quem parece ser o pensamento dominante das pessoas em geral? Na verdade, a verdadeira essência da arte, e o seu paradoxo filosófico, é esse mesmo. Não tendo o conceito fronteiras definidas, não sendo absoluto, nem hermético, sujeita-se a que sejam consideradas expressões artísticas objectos (aqui no sentido lato) que, á partida, como tal não pensaríamos. Uma equação pode ser eminentemente bela para um matemático, e a sua resolução uma expressão artística sublime. E que feliz exemplo, que se me perdoe a modéstia, da noção de arte que defendi antes, pois o que é um resultado de uma equação senão um número. A Arte verdadeira, neste caso, estará no resultado final, ou antes no cálculo, no processo, no raciocínio criativo (ainda que sujeito às leis matemáticas) que a tal resultado levou? Uma obra de arte é um objecto, ou será antes um processo e, consequentemente, um pensamento, uma expressão do mesmo?
E sendo assim, até onde podemos levar a arte expressão do pensamento? A um indivíduo? A um grupo homogéneo? Será que o podemos elevar à dimensão de uma sociedade ou mesmo de uma cultura? Sabemos que tal foi possível no passado, ao nível civilizacional.
Mas, e ao nível pessoal? Poderá o homem viver sem arte? Poderá o ser humano subsistir sem criar? Não será a arte a expressão do que somos, intimamente? Mesmo o indivíduo menos imaginativo pode produzir arte a qualquer momento. No fundo, porque qualquer indivíduo vive a sua existência através dos processos e não em função dos objectos. Se isso é verdadeiro, o resultado óbvio de uma existência pode ser considerado como arte, ou seja, esta funciona como a expressão única da dimensão criativa do ser humano. Sem ela, o ser humano vive em função do objecto e não em função do pensamento. Pensar é produzir arte. Se esta se expressa ou não num objecto é decisão do seu criador.
Trabalho realizado no âmbito da disciplina Património Histórico e Artístico, Lic. em História
Cirrus: demorou...mas li tudo!E acho que a ARTE, como dela, tão bem falas, é um risco...Mas ,só assim será possível o Impossivel acontecer em nós...E acho que em todos nós existem capacidades artísticas! Precisamos de as encontrar ,no emaranhado da nossa personalidade...
ResponderEliminarVerlaine dizia ,de RIMBAUD:"Ele comandava os céus por cima dos telhados..."
É o que temos que fazer para sermos ARTE!
Schiller(1759/1805) dizia:" A ARTE é a mão direita da natureza...Esta deu-nos o SER...mas a Arte fez de nós homens!"
Desculpa por ter divagado...
Um abraço de
Mª ELISA
Maria, obrigado!
ResponderEliminarA vida é uma tela, e nos pintamo la com as cores que sentimos, com o estilo que vivemos e com a expressão de cada momento vivido.
ResponderEliminarA arte é fechar os olhos e sentir.
Maxx, belíssima interpretação. Penso que está muito perto do que quis transmitir.
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