domingo, 12 de junho de 2011

MÁQUINAS HUMANAS

Foto Bloomberg
Há no mundo países e depois há a Alemanha. Há no mundo povos e depois há o povo alemão. É assim que pensam os alemães. A certeza da superioridade do seu povo e do seu país é tanta que tendem a esquecer que, por várias vezes na história europeia e mundial foram responsáveis pelos maiores desastres humanos. A certeza da sua superioridade é de tal ordem que se esquecem que raramente tiveram motivos para se orgulharem da sua história, antes pelo contrário, têm todos os motivos para se envergonharem dela.
A Alemanha, mais uma vez, portou-se da única forma que sabe portar-se. Portou-se à altura dos seus pergaminhos históricos, à altura daquilo que melhor sabe e sempre soube fazer, provocar os outros, destruir o que é alheio e depois imputar as culpas a esses mesmos.
Diz-se muitas vezes que os países do sul da Europa são pouco rigorosos, pouco trabalhadores, pouco produtivos. Em contraponto, está a Alemanha, terra onde nasceu a maravilha política da idade moderna, o capitalismo. Um país de rigor, de seriedade, de sobriedade e de trabalho. Pode até ser verdade. Diria que Portugal, entre tantas vergonhas que tem escondidas no seu armário da história, tem outras tantas jóias de que se orgulha imensamente. Diria que não é só dizer-se sério e competente que é importante. É necessário sê-lo. E o povo português pode até estar longe disso, acredito. Mas estará o alemão mais perto?
Não é só dizer-se sério. É também necessário ser-se. Não apenas sério, mas também ser-se simplesmente. E para se ser, é necessário ter uma memória, é necessário ter-se um passado. Talvez por isso nós sejamos. E somos o que somos, talvez graças às imensas glórias que tivemos no passado, que nos fizeram um povo de recordações felizes e portanto feliz naturalmente. Somos o que somos também por esbanjarmos escandalosamente os recursos que essas glórias nos proporcionaram, e mesmo outros que tão bem soubemos desbaratar, mormente nos idos anos 80 e 90. Somos por isso um povo feliz e calmo, quase diria manso, com tiques de espertice saloia e falta de visão colectiva. Mas somos.
Contrariamente, os alemães não são. Eles têm memórias, e sabem disso. Tentam escondê-las no mais fundo e recôndito canto, bem reprimidas, pois a vergonha é um sentimento anti-alemão, tão anti-alemão que é o único que conhecem. E não são. Podem ser superiores a toda a gente, mas não são nada. São apenas máquinas humanas. Ao fim e ao cabo, os seus antepassados roubaram-lhes a vida há muito.
A Europa vai pagar as indemnizações aos agricultores vítimas da prepotência, do sentido de suprema superioridade que esconde a sua grande menoridade e da falta de higiene dos alemães. Vamos pois todos pagar por um erro alemão. Não está certo nem errado, é o que é. Diz-se que a Alemanha pagou tudo o que nós tivemos até agora, por isso será hora de retribuir.
Não esqueçamos, porém, que a Alemanha emergiu de duas guerras mundiais como potência fracassada. Foi graças à Europa que se ergueu de novo. A Alemanha reunificou-se. Foi graças ao chapéu de sol do mercado interno europeu que conseguiu combater as desigualdades no seu interior. A Alemanha prosperou como nunca graças à Europa. É altura de pensar, seriamente, no que é que a Europa favoreceu cada um dos seus estados membros, e quais destes mais lucrou. Numa altura em que vem à baila que a União Europeia paga a 200.000 portugueses para não plantarem nem semearem nada nas suas terras, o que nos pode vir à baila, assim de repente, é esta questão: PORQUÊ?

19 comentários:

  1. Um excelente retrato, equiparar os alemães a máquinas. É que são mesmo... welcome to the machine!

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  2. Pronúncia, andei por aqui às voltas, principalmente no estômago, para escrever um texto sobre a situação da E.Coli. Tanto nojo me meteu tudo isto que achei por bem mudar a minha perspectiva para um plano mais elevado, de contexto mais alargado.
    É que, caso contrário, ia sair uma peixeirada que nem imaginas...

    Obrigado.

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  3. Compreendo, essa é uma das razões pelas quais não tenho escrito... ando demasiado revoltada com demasiadas coisas e se as passar para o papel a peixeirada é inevitável. E não me apetece nada entrar em discussões estéreis e inúteis... ando numa de "um dia de cada vez".

    Quanto aos alemães, admiro-lhes algumas faculdades, a de planeamento e a capacidade de fazerem bem, mas ao mesmo tempo não consigo confiar em pessoas que se acham melhores que os restantes, pessoas desprovidas de emoções (ou que as escondem tão bem que parecem não as ter) e nem em pessoas que até programam o dia para a bebedeira... onde tudo lhes é permitido... isso é anti-natura.

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  4. Pronúncia, os alemães são humanos e não o nego. Assumem a sua faceta mais dura porque não conseguem encarar o seu passado. Daqui a 50 anos, tudo o que está a acontecer à Europa será de novo a eles imputado. Porque é culpa essencialmente deles, de novo.
    Logo, a pretensa forma de serem competentes e organizados é apenas uma boa fachada. Como vimos com este caso da E.Coli, são tão organizados e competentes como todos os outros.

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  5. Cirrus, parabéns pelo texto. quem é que agora vai puxar a orelhinha à chanceler por esta bacorada? Até dizia "Berlusconi" mas este tem os tomates reservados para outras aventuras :D

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  6. O recente caso mediático da E. Coli é uma demonstração cabal da arrogância da economia alemã.
    A Alemanha tomou de ponta os países periféricos-- é um facto.
    A igualdade e liberdade na UE é cada vez mais uma miragem.
    Na realidade a UE só pertence aos países ricos, pois os pobres são considerados preguiçosos e esbanjadores, e como tal relegados para segundo plano sob o olhar paternalista da Alemanha.

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  7. Cat, o Berlusconi??? Mas esse lá tem sequer noção do que aconteceu?! Depois da coça que levou hoje?

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  8. Maldonado, caro camarada, a Europa acabou, morreu, já fede e não sabe. Foi talvez um sonho de alguém que se esqueceu que todos os povos europeus são diferentes uns dos outros. O euro, então, é uma atrocidade que apenas favorece dois países e não será por acaso que Reino Unido e Suécia se mantiveram fora dele...

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  9. A Europa não morreu, nem acabou. A Europa sobrevive em pleno fogo cruzado de uma ou outra superpotencia. Como em tudo. No entanto, e na minha opinião fomos nós que nos deixamos monopolizar por elas. Temos tudo. Um pais a beira mar plantado, cheio de qualidades para nos destacarmos. Desmaiamos sem doença previa, simplesmente caimos. Porque? Porque o pais estava em pleno sonho cor de rosa. A Alemanha, pode ter a sombra de um passado, mas a sua frieza e indiferença originou uma grande riqueza.
    Se ajudámos? Claro que sim. Perante qualquer desgraça, damos a mao, mas como em tudo a memoria é sempre pequena e nunca somos reconhecidos.
    Quanto ao E.Coli , não me vou pronunciar...Fartei me. Já me basta lavar 4 a 5 vezes a salada, de seguida, sob o olhar do Bebuxo para que ele coma 3 garfadas de alface.

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  10. (Fiquei à espera que escrevesses sobre isto, embora esperasse que fosses mais contundente - li o que disseste à Pro)

    Porquê?
    Porque como tudo na vida, fazem-se as coisas para o momento e sem grande perspectiva ou planeamento. Depois é deixar arrastar e passados uns 20 anos apercebem-se da realidade e tentam inverter a situação, perpetuando-a no sentido contrário.

    Quanto à Alemanha, são o que são. E o facto de serem "grandes" permite-lhes disparatarem impunemente. Seria interessante um país mais pequena fazer a acusação que eles fizeram.

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  11. Se tivéssemos "tomates" para deixar de comprar BMWs e Mercedes, talvez os Herren e as Damen pensassem duas ou três vezes antes de menosprezarem os europeus "pobres"!!!

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  12. Concordo que a Alemanha esteve mal neste caso da bactéria E-coli mas sinceramente temos muito mais a aprender com os Alemães do que o contrário. Organização, planeamento, educação, etc

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  13. Maxx, o país deixou-se colonizar pela Europa porque houve um senhor que vendeu a nossa indústria e a nossa agricultura a pataco para poder construir estradas. Estávamos então em pleno pesadelo laranja. Mas a questão nem está nas cores, está na natureza da própria Europa. Uma organização desigual, onde os interesses dos países mais fortes são salvaguardados à custa da sobrevivência dos mais fracos, à força de subsídios. Vê-se o resultado. Morreu e não sabe. Mas não demora muito a sabê-lo.

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  14. Noya, precisamente aquilo que respondi à Maxx. O mal não está em seis anos de governação ruinosa. Vem do momento da nossa adesão e da alienação de tudo o que era produto português.
    Os alemães são como são, é certo. Nunca houve alguém que tivesse lucrado com uma associação aos alemães... Mas "eles" lá sabem.

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  15. Malena, não temos. Nem tomates nem falta de dinheiro, porque quem compra BMWs e Mercedes ainda não está em crise...

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  16. Garcia, não me lembro, sinceramente, de alguma coisa em que a Alemanha se tenha portado bem... Tu lembras-te? Temos muito a aprender com eles? Provavelmente também eles terão muito a aprender com outros. Este caso da E.Coli provou e tem vindo a provar que, de facto, os alemães são extremamente organizados e competentes. Vão acertar até na origem do surto, com certeza - como todos os dias dão um palpite novo, eventualmente acertarão, não é...?

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  17. Cirros,
    acabo de chegar de 2 semanas na Alemanha.... sobrevivi ás bactérias...nem eu sei mm como... mas de facto, e apesar de vir completamente rendida c/ algumas 'maravilhas' k vi na Alemanha.... o teu texto está fantástico!!! Mt bem!! N podia concordar + ctg!
    :)
    Bem, e se kiseers ver as fotos da minha viagem, elas estão a aparecer no meu blog:

    http://manuworldnews.blogspot.com/

    Hugz,Manu

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  18. Manu, muito obrigado.

    Lá passarei.

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  19. :) thks.
    Lá te espero.
    Beijinho e optm fim de semana.
    :)

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