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Ilustração Marco Joel Santos |
Trabalho escrito
para a disciplina de História do Islamismo, Licenciatura em História, Minor em
Cultura e Religião
É bem verdade, como Borau afirma, que a
abertura da fé islâmica a outras fés e, por conseguinte, da sociedade a outras
sociedades, não existe, uma vez que a fé islâmica é entendida pelos próprios
como absoluta em si mesma. Assim sendo, o que leva a esta situação? O que faz
da fé islâmica uma fé sem poder de encaixe ou sequer grande tolerância? Será o
poder da religião em si, ou do seu aparelho? Ou antes o poder conferido pelas
crenças e dogmas fundamentais do islamismo, bem como a sua prática?
Na verdade, e respondendo às dúvidas
suscitadas, não se pode atribuir a solidez – e rigidez – da sociedade islâmica
à existência de qualquer classe clerical, no mesmo sentido que entendemos o
clero no Ocidente. Seria, ao fim e ao cabo, negar o próprio dogma fundamental
islâmico, como veremos. Assim sendo, a segunda hipótese é de facto a mais
plausível. Mas que crenças e dogma são estes? E que prática hermética é essa,
que une tão profundamente a comunidade?
Comecemos pelo dogma. Qualquer religião
começa por um dogma, ou o tem nas proximidades temporais e teosóficas da sua
génese. A questão é fácil de entender, se atentarmos que a religião é, antes de
mais, baseada na fé, e não tanto no racionalismo. Logo assim, há que ter e
responder a uma questão fundamental, uma questão cuja resposta seja absoluta e
definitiva, aceite como verdadeira acima de qualquer dúvida, e dessa resposta
nasce a fé. Logo assim, o dogma é o cerne de qualquer religião.
No islamismo, a força do dogma não é
diferente daquela que podemos verificar em outras religiões, como o
cristianismo. Mas, ao contrário deste, o dogma islâmico é simples, directo e
fácil de entender. Os mistérios existem, mas ficam para uma segunda análise,
talvez da Leitura. Deus é uno. Não só e apenas único, mas antes único e indivisível,
e não admite intermediários na sua relação com os fiéis – explicada está a
pouca preponderância da escassa hierarquia islâmica. Ou seja, o dogma islâmico,
face ao cristão, por exemplo, é simples de entender – e por conseguinte muito
mais fácil de apreender e venerar. A mensagem penetra de forma simples mas
extremamente eficaz no subconsciente dos muçulmanos. Ao passo que os cristãos,
por tantas voltas que dão ao dogma da Santíssima Trindade, de um Deus que é
único mas triplo, apesar de indivisível, se acham facilmente perante as maiores
dúvidas, do ponto de vista da Fé.
Teosoficamente, o dogma muçulmano não
passa de um decalque simplificado dos dogmas fundamentais das outras religiões
do Livro – a Bíblia. O que se entende se se atentar no contexto histórico da
génese islâmica. Na cidade de Meca, havia muitos séculos que existia a Caaba,
local santo para centenas de fiéis e religiões diferentes, onde existia,
inclusivamente, uma Virgem com o Menino ao colo. A Caaba sempre foi ligada a
Abraão, pai dos árabes e dos judeus, e patriarca também dos cristãos, por
analogia. Logo assim, é natural esta influência. O dogma, por conseguinte, não
só une os que acreditam como, pela sua simplicidade, é compreendido
profundamente, ao mesmo tempo que é tão absoluto que não abre espaço a diferenciações.
A Lei deriva, directa ou indirectamente,
de duas fontes: o Alcorão e os Hadith. O Alcorão, a Leitura, foi supostamente
revelado a Muhammad, vulgo ocidental Maomé, directamente por Allah, vulgo
ocidental Aquele que É, ou, nas palavras de Moisés, o Senhor Deus. Foi um
processo moroso compilar o Alcorão, dado o analfabetismo de Maomé – o que não
quer dizer nada acerca das suas inteligência, capacidade e educação,
comprovadamente elevadas. As palavras transmitidas por Deus a Maomé foram
ditadas por este e escritas por terceiros, companheiros de fé. Mais uma vez, a
simplificação islâmica surpreende. Ao passo que a Bíblia, que os muçulmanos
consideram como o Livro, é um livro de origens mais ou menos obscuras, embora
supostamente de inspiração divina, o Alcorão é emanado directamente de Deus. Ou
seja, adquire um estatuto divino, imutável, inquestionável. É um guia, um
manual de modus vivendi. A sua interpretação é tanto o isolamento de um
versículo, que nem por se extrair do seu contexto perde a sua força de lei
divina, como o contrário, a integração de diversos elementos diferentes num
determinado contexto fechado. Assim, representa, quer se trate de uma ou outra
forma de interpretação, um manancial completo para a conduta e a fé islâmicas.
Não precisa de ser complementado, nem explicado. Apesar de o ter sido, por
exemplo, por Maomé.
E são as explicações de Maomé sobre
passagens do Alcorão que, em grande parte, formam os hadith – os ditos do
Profeta. Juntamente com os seus comportamentos, estes formam uma Lei nunca
escrita. É uma Lei essencialmente dita. E se o Alcorão é eficaz pelo seu
carácter inquestionavelmente divino, os hadith têm uma função extraordinária, e
que são bem reveladores da maneira de pensar islâmica. Como já referi, são uma
lei oral. Como tal, o seu ensinamento é passado de geração em geração,
notavelmente sem grandes corrupções – embora se admitam algumas deturpações.
Isso, em si mesmo, é um factor de união extraordinário. Ou seja, a fé islâmica
é reavivada, por esse mundo fora, todos os dias. E porquê esta diferença de
tratamento entre o Alcorão e os Hadith? Relembremos que o Alcorão é obra de
Deus, os hadith são a vida de um homem. Escolhido por Deus, mas nada sendo
senão um homem – Maomé.
Os cinco Pilares do Islão são, no fundo, mais
uma forma de fortalecer a fé por comunidade. São simples actos que formam uma
prática comum, facilmente reconhecível e aceite por todos. Começa na profissão
de fé (shaháda): “Não há outro Deus senão Deus, e Maomé é seu enviado”. Da
unicidade de Deus. Mas também da humanidade de Maomé, até porque outros profetas
houve, sendo um dos mais importantes Jesus Cristo. A profissão de fé é a
entrada para o seio dos crentes. Basta afirmá-la para que sejamos nele
acolhidos. Parece simples, e é. Mais uma vez. Mas ao mesmo tempo marca uma
predisposição muito vincada contra o politeísmo e contra qualquer outra fé. É
fundamental para a coesão da fé. A oração (çalát) não é apenas a oração. Não é
apenas recitar ou rezar. É santificar, é purificar pelo ritual, e é um ritual
que, não obrigatoriamente, mas preferencialmente, mais uma vez, se deve
processar em comunidade, sem ninguém a professar ou celebrar, mas com alguém
apenas a dirigir. A santificação ou purificação estende-se à esmola (zakát).
Esmola mais no sentido de obra que propriamente no de caridade. Um modo de
vida, portanto, que revela os ensinamentos e une os fiéis. O jejum (çawm) é
talvez a parte mais exegética do Islão. Deriva dos jejuns judaicos e cristãos,
tendo Maomé jejuado e depois instituído o jejum como prática comum. Durante o
mês de Ramadão, e durante o dia, jejua-se. Mas é consentida e incentivada a
compensação nocturna, daí as festividades desse mês. Mais um elemento agregador
– o convívio – proporcionado pela fé. Por fim, a peregrinação (hajj). Trata-se
igualmente de um decalque de anteriores peregrinações, como a judaica a
Jerusalém. Não só é uma viagem, como uma convergência. Uma reunião imensa de
fiéis. Nada pode ser melhor para a consolidação da Fé.
Desde cedo, porém, e pouco após a morte
de Maomé, em 632, que as diferentes acepções sobre o seu legado (e o poder do
califado) separaram os muçulmanos em dois ramos preponderantes (não os únicos):
sunitas (os que acreditavam na eleição do poder) e os xiítas (os que
acreditavam na herança com base na linhagem – no caso, do genro de Maomé, Ali).
Foi a politização do Islão e, ao mesmo tempo, a separação, mais ou menos
sensível, entre muçulmanos árabes sunitas e muçulmanos não árabes xiítas
(embora tal não seja linear). O facto de os próprios religiosos terem
reservado, de alguma forma, um espaço muito particular de exegese e, por vezes,
de deturpação das leis, não ajudou a que a fé islâmica fosse determinante nos
jogos e disposições políticas, a não ser episodicamente. Mas, na verdade, com
tantos factores de união social e religiosa, quem precisa de política para ver
na fé islâmica as suas facetas principais: união, coesão, rigidez? Altivez,
mesmo. E isto por uma razão simples: os seus conceitos são simples demais para
poderem ser negados. São a verdade. Não precisam de complementos. A fé islâmica
afirma-se absoluta pela sua simplicidade.
Bibliografia:
·
Delumeau, Jean – As Grandes Religiões do Mundo. Lisboa: Presença, 1997. 2ª Edição,
ISBN 972-23-2241-9
·
Vázquez
Borau, José Luís, As religiões do Livro,
Lisboa, Ed. Paulus, 2008
Não há qq corão de mauméé, nem pode haver.
ResponderEliminaro islam apenas activa usa e intensifica os instintos mais bárbaros e primários do animal humano com a agravante de ser muito hábil a enganar tolos parolos e ingénuos.
Caro amigo,
EliminarTrata-se de um trabalho académico e não de uma opinião pessoal. No entanto, há por aí alguns equívocos que convém desfazer.
Não é corão, é Alcorão. Não é mauméé, é Muhammad ou Maomé. Não é islam, é Islão e é uma religião que me merece tanto respeito como, provavelmente, a sua. Se por tolos, parolos e ingénuos se refere aos muçulmanos, não se acanhe. Eles provavelmente nutrem o mesmo ódio por si.
Dito isto, e como agnóstico, um abraço.
Tens a certeza que não é "mauméé"?? :P
EliminarTenho.
EliminarLamento ter que corrigi-lo. Islam tambem se usa. No Brasil usamos Islam, nao usamos Islao. O livro sagrado dos muculmanos se chama Corao (em ingles, Koran). O "Al" e apenas o artigo definido que corresponde ao nosso "o". De um admirador igualmente agnostico.
EliminarNão lamente, é para aprender que vivemos. No entanto, em português utilizado em Portugal, não existe a palavra Islam nem a palavra Corão. A transliteração do árabe para o português deve ser feita incluindo o artigo Al, o que constitui uma das regras de ouro dos termos portugueses derivados do árabe, que conservam sempre o artigo. É por causa dessa regra que dizemos alcáçova, Alcácer, Almodovar, Almada, etc.
EliminarNão tendo qualquer pretensão a ser mais perfeito que os outros, é necessário atender que este texto foi apresentado para um trabalho universitário. Tive o cuidado de usar os termos académicos indicados no ensino oficial português. Evidentemente que no Brasil se podem utilizar formas diversas.
Obrigado pela pronta resposta. Tens razao sobre a incorporacao do artigo "al" as palavras de origem arabe. Tens razao mas nao um alqueire cheio! Talvez uns dez alguidares de razao! Tenho alguns argumentos no almoxarifado a favor da forma "Corao". Deixemos pra depois!
EliminarFeliz Natal e bebamos algo do alambique.
Já não posso dar-te a mão, cheguei tarde
ResponderEliminarEntre ruinas procuro o sentido, a razão
Já não canto aos deuses, não rezo
Já esqueci o sabor do desprezo, não desprezo
Tracei um círculo de solidão
Ausente do meu nome está o chamamento
Jazem mudas as folhas de silêncio
Errantes brumas ao sabor do vento
Percorri um longo e tortuoso caminho
Moro numa casa da memória no topo da saudade
Prodígios de mil cores espalhei pelo caminho
Pintei almas, mentiras, girassóis e singelas verdades
Boa semana
Doce beijo
Bem, não sei bem se se enquadra no post, mas obrigado na mesma.
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