Desta
época do ano quase todos dizem o mesmo. Que é a mais feliz do ano, que é a
época da esperança, que é a época da paz. Em suma, quase toda a gente é
candidato a Miss Universo mas sem desfile em biquíni. Não importa, o que
importa é mesmo a intenção. Ainda que desses quase todos nem todos sejam lá
muito bem-intencionados nos seus votos de Natal. Acho que hoje devem falar o
Cavaco e o Passos.
Seja
como for, o Natal é essencialmente uma época de mitos. E se bem que quase todos
os ocidentais conheçam os mitos de Natal, é bom tentar descodifica-los um
pouco. Comecemos pelo princípio, ou seja, pela bela história do Menino Jesus. E
sim, poderíamos ir um pouco mais atrás, aos solstícios de Inverno em
Stonehenge, mas convenhamos que a história do Menino é mais gira.
O
Natal serve de festa de anos a Jesus Cristo. Que todos os anos deve ficar
piurso, pois nunca lhe dão a apagar as velas no bolo-rei. Convenhamos que 2011
velas em cima de um bolo-rei também ia ser exagero. 2011 porque o JC,
aparentemente, nasceu três anos depois de começar a sua era. É mais ou menos
como marcar um golo a faltar cinco minutos para começar o jogo, e bem diz o
presidente do Sporting que tal é possível, se os presidentes do Porto e Benfica
se juntarem à esquina. Eu é mais aos noventa e dois. Ora, JC nasceu de uma mãe
virgem e pai incógnito, numa manjedoura no interior de um estábulo, com um
burro e uma vaca ao lado. Para além do burro e da vaca mesmo. Além disso,
nasceu com uma estrela por cima, que devia ser o equivalente do séc.I ao nascer
com o cu virado para a lua de hoje.
Convenhamos,
é uma belíssima história. As religiões, normalmente, têm uma imaginação
prodigiosa para inventar coisas deste género. Mas há que reconhecer que os
cristãos são dos mais criativos. São tão criativos que ainda hoje se venera o
S.José, principal suspeito de encornanço na história. Para além disso, ainda
havia o Herodes, o mesmo do ou chupas ou te fazes sexo, que tinha medo que o
filho do carpinteiro José lhe tirasse o trono. Sabendo que JC não era de facto
filho de José – e sabe-se lá quem o encornou – podia até ter razão. Sabe-se lá
se não foi o príncipe Carlos a emprenhar a Maria? Quem aguenta sexo com a
Camila está por tudo.
Na
noite de Natal, logo à meia-noite, é dito que o Menino Jesus vai a todas as
casas pôr prendinhas no sapatinho – ou na meia, no caso dos protestantes. Ora,
meias e sapatos eram coisas que não assistiam à população palestina da altura. Aquilo
era mais sandálias e calos. Mistério dos mistérios é o meio de transporte do
Menino Jesus. Não esquecer que é filho de Deus, por isso deve usar
teletransporte à Startrek.
O
Pai Natal é outro figurão do Natal. Vestido de vermelho pela Coca-Cola, trata-se
de um velhote de barbas brancas, com o saco de prendas às costas, que na noite
de Natal, sensivelmente à meia-noite, passa por casa de todos os meninos para
deixar prendas e emborcar copinhos de leite morno com bolachinhas e uma eventual
sandocha de leitão, quando deixa prendas na Bairrada. Ou seja, deve terminar a
noite completamente obturado de bolacha Maria e leite Gresso, cheio de
colesterol, diabetes e em condições de amamentar os pigmeus todos que trabalham
no Pólo Norte… Pulula de casa em casa a bordo de um trenó puxado por renas
voadoras com nomes sugestivos, normalmente de velhas glórias do FC Porto.
Não
sei, sinceramente, qual das histórias é mais ridícula. A verdade é que os putos
comem a história mal contada pelos pais. Até uma certa idade. A partir dos seis
ou sete anos, começam a desconfiar que são filhos adoptivos, pois os presentes
são todos do Pai Natal ou do Menino Jesus, e os pais, calões do camandro, não
lhes dão nada. Aos oito começam a adorar os pais, porque já sabem que são eles
que lhes dão as prendas. Aos dez, já sabem que os pais lhes dão os presentes
para os calar por não os verem mais que dez minutos por dia, e aos doze começam
a extorquir os pais com os segredos que vão descobrindo e que ameaçam contar ao
outro progenitor. Na última fase de vivência em casa dos pais, aos 40 anos, já
visitam o padre de vez em quando, não vão ter de fazer algum funeral. Enfim,
outros 500…
Mesmo
que o Natal seja tão usado por toda a gente para disfarçar as misérias de
carácter que revelam ao longo do ano, a verdade é que até tenho alguma sorte. Na
família, nos amigos, no trabalho, pouca gente que conheça é mal-intencionada. E,
assim sendo, sei que quando me desejam um Feliz Natal, não me estão a desejar,
na realidade, um salto cósmico da minha taxa de colesterol ou que desenvolva
cáries dentárias. Também sei que, e não pretendo que seja de outra forma, não
me estão realmente a desejar uma quadra natalícia feliz. Na realidade, estão-se
marimbando para a minha quadra natalícia, excepto a família, claro, que vai ter
uma quadra igual à minha. Mas sentem-se, eles próprios, felizes e isso é bom,
porque partem do princípio que eu também me estou marimbando para a noite de
Natal deles, mas também me sinto feliz.
A
verdade é que todos temos grandes memórias das noites de Natal. Os doces, a
família toda junta (como no Carnaval, na Páscoa, nos Santos, no Verão, no
S.Martinho…), a árvore de Natal, as bolas reluzentes, as luzes que derretiam ao
fim de dois dias de funcionamento, o presépio com o menino Jesus, a vaca e o
burro, além dos animais, com uma estrela a indicar o local do nascimento, os
reis magos a chegar de camelo, e a banda filarmónica lá da terra alinhada por
detrás do estábulozinho feito com musgo ainda com minhocas. Foi também numa
noite de 24 de Dezembro que o meu pai sofreu um AVC. Tudo memórias. Hoje tudo é
diferente. Excepto tudo o que está igual que, diga-se de passagem, é quase tudo
menos o meu pai à mesa.
Por
isso, meus amigos, não precisam de me desejar Feliz Natal. Sintam-se apenas
felizes, se conseguirem. Eu tentarei pela minha parte. Não é feliz quem quer, é
feliz quem está. Na certeza, porém, de uma prendinha certa no sapatinho de
todos nós: mais impostos para o próximo ano. Rica prenda… Já agora, façam-me um
favor e não liguem a TV quando falarem a múmia e o burro do presépio – e não me
refiro ao S.José.