sábado, 13 de agosto de 2011

VENCEDORES


   Já, por certo, passamos por sessões de formação. O que é positivo, uma vez que podemos aprender até ao fim da vida – e, aliás, se assim não for, a vida esgotou-se rapidamente para nós. Neste momento da minha vida, dedico-me ao trabalho a 100%, tentando fazê-lo o melhor possível, dentro daquilo que é esperado por quem me paga. Mas também à formação. Passei agora para o segundo ano da Licenciatura em História, Mestrado em Cultura e Religião. Nas férias da escola, meti-me a tirar duas formações corporativas, da companhia. Daquelas que nos ajudam de facto no dia a dia: Escuta Activa e Apresentações Eficazes. Não páro porque parar é morrer.
    No entanto, há as outras formações. As formações de motivação. Aquelas em que nos ensinam técnicas para motivarmos os outros, para nos motivar-nos a nós próprios ou então simplesmente para nos motivarem sem nos darmos conta do que isso é. Adoro essas formações, porque é sempre uma galhofa imensa, mesmo que não pareça. Dou por mim a olhar para a cara dos outros formandos e a imaginar o que lá vai por dentro. E surgem-me fotos mentais do género “Que perda de tempo”, “Porra, estava melhor a nanar” ou mesmo “Se fosses para a p*** que te pariu e me pagasses mais cem euros é que eras esperto”.
    Há diferentes concepções de motivação para cada pessoa. Se para um alto executivo de uma empresa, assumir mais responsabilidades era dado como uma motivação certa no meu tempo de Universidade, hoje isso é altamente discutível. Pelos exemplos portugueses, querem é dinheiro. Mais. Nisso assemelham-se aos operários de base, os tais do nanar e do vai para a pqp, pois a sua principal motivação mesmo é ter mais cem euros para comprar comida para a família. As necessidades são diferentes, mas a motivação é a mesma. Dinheiro. O resto é conversa.
    Estas formações são dadas recorrendo a lindas frases dos mais respeitados gurus, gestores, economistas, financeiros... Toda a escumalha que arruinou este mundo e se prepara para arruinar o próximo. Como gestor, não abona a meu favor, bem sei. Não interessa, as verdades são para ser ditas, mesmo que doam, e mesmo que nos doam particularmente. O objectivo da formação é motivar pelo exemplo. Qual o exemplo? O dos “Vencedores”.
    Vencer é tudo. Nada é mais importante na vida. Vencer. Ter um grande ou vários grandes empregos, ter muito dinheiro, ter um grande carro, ter uma bela casa de mais assoalhadas que parentes vivos tem o dono. Ter um cônjuge igualmente vencedor, ter filhos lindos de morrer com alergias ao ar que respiram, que frequentam os melhores colégios e infantários do país. Ter uma ou mais casas de férias espalhadas pelos pontos mais nevrálgicos do país: Algarve, Alentejo, Douro... Vencer. Há que vencer. Há que ganhar. Há que singrar.
    O facto de haver um vencedor quer dizer que há, não um, mas vários perdedores. O que me preocupa verdadeiramente não é o facto de haver um vencedor, nem que esse possa ter roubado e matado metade dos que conheceu durante a vida para que pudesse vencer. O que me preocupa é haver perdedores. Uma sociedade que divide as pessoas que a compõem em vencedores e perdedores é o que me preocupa. Não procuro uma sociedade com vencedores ou perdedores. Procuro uma sociedade de dignos. Procuro uma sociedade de justos. Procuro uma sociedade em que todos tenham as mesmas oportunidades, não de vencer na vida, seja lá o que for essa pura ilusão, mas sim de ganhar aquilo que mais distingue o homem dos animais: o respeito. Por si e pelos outros.
    Vencer a todo o custo é animalesco. É irracional, é a lei da selva. Claro que há formas de nos dizerem o contrário. Um vencedor é respeitado, dirão. Até pode ser, se conseguir ganhar o respeito de quem destruiu pelo caminho. Exemplos como o Comendador alentejano são escassíssimos e nunca mo deram numa formação de motivação. Porque será? O homem é até dos mais ricos de Portugal, e no entanto não é referido como tal. É referido como um homem justo, que respeita os outros e que se alegra imenso quando caminha pela sua fábrica de Campo Maior e ouve os seus trabalhadores cantarem. Não é exemplo para os motivadores. Não faz sangue.
    Depois há a lengalenga do win-win, situação em que todos ganham. É possível? É, quando para ganharem ambas as partes, ambas se comprometem a perder algo em troca. A cedência, a negociação construtiva. Isso não é vencer. Isso é encontrar soluções. Isso não faz de nós vencedores, faz de nós negociadores preocupados com as necessidades de ambas as partes. Faz de nós pessoas justas, dignas e respeitadas.
    Já o disse hoje por uma vez, e volto a dizê-lo: a minha vida não se mede pelo sucesso que tenho, mas antes pela dignidade e verticalidade com que a poderei viver. Com certeza serei lembrado mais vezes dessa forma. Uma das formações que estou a tirar agora, e no que se refere ao medo cénico nas apresentações, refere: "Não sinta medo. Afinal, daqui a uma semana, ninguém se lembrará do que acabou de dizer e apresentar, e apenas será retida uma vaga ideia do que quis dizer".

PS: O vídeo mostra como uma motivação pode ser bem mais simples do que se pensa e não implica sempre o “Vencer!” a todo o custo. Chama-se Cler Achel. Quer dizer “Água é Vida”. É uma música de uma banda composta de combatentes, terroristas para a comunidade internacional, que resistiram ao governo de Bamako pelo controlo da água no deserto do Saara. Chamam-se Tinariwen e a sua grande motivação na vida, além da luta armada entretanto acabada e da música, é dar de beber aos filhos. Pensem nessa “vitória”.

12 comentários:

  1. Há pequenas vitórias que são bem maiores do que muitos julgam! :9

    E, já agora, eu gosto de ser gazela, ainda que haja muitas leoas.

    ResponderEliminar
  2. Malena, mais do que vitórias, as pessoas esquecem-se de celebrar a própria vida. E isso é triste.

    ResponderEliminar
  3. "a minha vida não se mede pelo sucesso que tenho, mas antes pela dignidade e verticalidade com que a poderei viver".
    No fim da vida será interessante olhar para trás e pensar se o que fiz foi em prol de criar uma sociedade melhor. Não obstante a necessidade de vencer todos os dias pequenas batalhas no sentido de providenciar as melhores condições possíveis aos meus pequenos, isso não invalida um trabalho honesto e recto.


    PS: post divino.

    ResponderEliminar
  4. Vencer é bom mas não é o mais importante. Não deve ser visto como o principal objectivo do dia-a-dia, do tipo... atropelar o máximo de pessoas, dá mais pontos?
    O ser humano caracteriza-se pela vida comunitária, e esta é reconhecida pela entre-ajuda, e não pela vontade de comer tudo e todos.

    ResponderEliminar
  5. Cat, se criares os teus filhos de forma saudável, já estarás a contribuir para isso. No entanto, não é apenas aquilo que se faz. Conta e muito aquilo que se tentou fazer.

    ResponderEliminar
  6. D-Man, bem vindo. Concordo inteiramente, a inteligência do ser humano acabou por o tornar um animal social. As ideias liberais de hoje tendem a bestializá-lo novamente. Tão simples quanto isso.

    ResponderEliminar
  7. Gosto bastante dos Tinariwen. É incrível como conseguiram alcançar algum sucesso e visibilidade mas não põem de parte as suas raízes. E no deserto que são felizes, é dali a sua cultura. Já fizeram uma colaboração com uma banda norte-americana e, para que esta andasse para a frente, foram os americanos que tiveram de vir gravar com eles ao deserto. Mais do que o sucesso, é esta verticalidade que eu admiro.

    ResponderEliminar
  8. Concordo em absoluto com as criticas às novas práticas de gestão, ando há já algum tempo a falar também sobre isso. Muito mais que os economistas, foram os gestores que conduziram o mundo a este estado. Que saudades de Peter Drucker! Menos mal que ainda temos Mintzberg para dizer as verdades.
    Quanto ao comendador Alentejano não acredite em tudo o que vê ou lê. É fácil parecer muito generoso numa terra que nada tem, o pouco é melhor que o nada. E nem tudo o que luz é ouro...

    ResponderEliminar
  9. André, bem vindo. Já li, igualmente concordo com o que escreve.

    Quanto ao comendador, pode não ser tudo o que se diz, e a terra até nem ter mais nada - facto que só abona a seu favor, pois sem ele nada teria efectivamente - mas é o único que tem a empresa certificada socialmente. E não podemos esquecer que a empresa se espalha por todo o país, não havendo queixas de quem para ele trabalha. Basta comparar com Belmiros e Santos e companhias para se ver a diferença. Acredito que nem tudo sejam rosas. Mas que é o melhor que temos, tenho poucas dúvidas.

    ResponderEliminar
  10. Sara, são uma banda excelente!

    Mas nessa história de que a banda norte-americana é que teve de ir ao deserto para tocar há uma coisa que deves saber: os Tinariwen não tinham, na altura, autorização para se deslocarem aos EUA. Não sei se hoje a situação se mantém. Pelo menos pela Europa têm andado - muito de vez em quando...

    ResponderEliminar
  11. Excelente texto, mas isso já sabias porque já to tinha dito.

    Quando eu digo que gosto de ser vencedora, é mesmo no contexto que aqui abordas, no de nos sentirmos felizes, motivados com as nossas pequenas conquistas, mesmo que essas sejam aos olhos dos outros um autêntico fracasso... mas eu meço as minhas pelas impressões que me deixam na consciência, e se essas forem as do dever cumprido e a certeza de que fiz o que tinha de fazer, sem prejudicar ninguém, então está tudo bem e eu venci.

    Outra questão (sobre a qual já andei em tempos para escrever) é o mérito... nem sempre o seu reconhecimento passa apenas pelo dinheiro a mais no fim-do-mês. Um elogio, um obrigado, podem fazer milagres pela produtividade e pela motivação da pessoa que o recebe. Pena ser uma característica que tantas vezes é preterida para outras, algumas das quais que em nada abonam a favor de quem as prefere... enfim!

    ResponderEliminar
  12. Pronúncia, na questão das vitórias estamos conversados, há muito que trocamos impressões sobre isso.

    Na questão do mérito, há essa questão que identificaste, e que eu aflorei no texto, mas há ainda uma outra, que temo vir a ser a mais corrente no futuro, que é não a das recompensas, mas sim a dos castigos. Isso é outra história e atempadamente lá irei.

    ResponderEliminar

LEVANTAR VOO AQUI, POR FAVOR