Ilustração de Marco Joel Santos |
Escrever é um acto de liberdade. É um acto que expõe a nossa liberdade perante o mundo, mas, mais que isso, nos liberta de forma pessoal e íntima. É um desabafo, é uma catarse que nos limpa a mente. Escrever é, em última análise, aquilo que nos distingue dos animais, pois combina a organização da nossa comunicação com a capacidade de raciocínio. Uma civilização que não deixou escritos os seus pensamentos não é conhecida ou valorizada.
Após este preâmbulo mais ou menos filosófico, eis-me de volta à escrita, e esperaria eu e quem possa ler estas palavras que quem assim escreve tem por missão, numa altura em que vemos as ameaças pairarem sobre o horizonte, dar alguma esperança e validar a vida. Mas a verdade é que venho escrever sobre morte, e não sobre vida. É inevitável escrever sobre a crise. Há aqueles que defendem que há vida para além da crise. Acredito que tenham essa visão algo ingénua de que podem passar incólumes perante a tempestade que se avizinha. Acredito que essas pessoas acreditam nelas próprias, ao pensarem que alguém, um alguém que ainda não descortinamos, um qualquer D.Sebastião renascido dos nevoeiros das planícies africanas os salve, quando não o país e quando não até o mundo inteiro. D.Sebastião, contudo, está morto e não sabemos se está enterrado, mas esperemos que sim, pois as moscas não distinguem putrefacção real da putrefacção plebeia. E a crise também não contemplará mais os realistas que os optimistas, e não vale a pena chorar constantemente, mas a verdade é que nem isso fará com que os que sorriem sejam tratados de forma diferente. Eu não choro, mas também não tenho a displicência de sorrir e sonhar com melhores dias. Eles não virão. Virão piores, e é melhor que disso estejamos todos certificados.
As “ajudas externas” prestadas a Portugal e outros países europeus não são ajudas. São tentativas de alavancagem financeira, de modo a que estas economias deficitárias possam recuperar a prazo. Os países “intervencionados” têm de pagar a “intervenção”, e com juros caríssimos. E a verdade é que não conheço qualquer caso, no mundo inteiro, em que uma “intervenção” do FMI tenha resultado em qualquer benefício, seja ele qual for, para qualquer desses países “intervencionados”. O problema é que não são acautelados os interesses nacionais. Não há decisões de florescimento económico. E falo em florescimento e não em crescimento.
Poucos se dão conta que o crescimento económico global está a condenar-nos definitivamente como espécie. Não se pode crescer sempre. Por uma razão muito simples – não há recursos naturais suficientes. Isso basta. Mas não chega para explicar tudo. A globalização abriu fronteiras e, enquanto fomos nós, os países desenvolvidos, a aproveitar o facto para escoar os nossos excessos produtivos (Portugal não será um caso paradigmático), tudo correu bem, pois a miséria ficou do lado de lá das fronteiras. Agora, que os miseráveis aproveitam da mesma forma as fronteiras abertas, queixamo-nos de que estamos a perder competitividade. Obviamente. A equação tem dois termos, e nós estamos inseridos apenas num. E nem nos apercebemos de que o equilíbrio é inevitável.
A acrescer a isto, há as apostas milionárias nos casinos. E esses casinos, a que alguns iluminados ousam chamar mercados, reclamam as perdas. São casinos, não são mercados. Mercado é um local salutar, onde se trocam bens por outros bens ou por moeda baseada no valor em bens que representa. Não vos passa pela cabeça o que se aprende em disciplinas como Gestão Financeira, onde perdemos por completo a decência de querer fazer negócio e adquirimos compulsivamente a ideia de querer “fazer dinheiro”. Lavagem cerebral completa, e nas nossas universidades! Instrumentos como warrants ou opções são puras apostas e não precisam de regulamentações para serem colocadas ao serviço da ideia de “fazer dinheiro”, que é em tudo diferente de “ganhar dinheiro”. A primeira é um roubo puro e simples e seria em tempos idos castigada com as galés. A segunda é a nobre ideia de garantir a subsistência através do trabalho e da produção de um bem ou serviço. Os bancos perderam as apostas, não têm como pagar. Os Estados não deixam cair os Bancos e emprestam-lhes dinheiro para cobrir as suas ruinosas apostas. Para tal, os Estados deixam cair por terra os compromissos que firmaram com os seus cidadãos. Estes acabam por provir o dinheiro que os bancos perderam, que já era deles! E se caírem os bancos? Voltaremos à economia real, àquela em que se compram batatas no mercado, ou se trocam nabos por costeletas? Quem tem medo disso? Acabará o mundo? Por certo não, mas acabarão alguns mundos, e provavelmente o das apostas, os dos casinos, esses sim, tenderão a acabar. E também o das empresas que não conseguem criar riqueza por si, mas antes apenas com estruturas de débito na ordem dos 90 ou 95%, como é o caso das maiores empresas portuguesas.
Preservar um sistema que privilegia a finança à economia é fingir que tudo está bem, enquanto os que cobrem os buracos financeiros proveem para aqueles que perderam as apostas, mas que não estão dispostos a pagá-las. Paguemos nós, então. A finança, como o nome diz, não é um instrumento de geração de valor, a própria palavra indica a sua função: dar um fim aos fundos gerados pela economia. Confundir finança com economia é o grande mal dos economistas de hoje em dia. Na realidade, são financeiros, mas não economistas. Por outro lado, puseram de forma descarada a finança a substituir a economia como geradora de fundos e rendimentos. Logo assim, esquecem o mais importante: é preciso comprar melões para que o que os compra valha alguma coisa. O que quero dizer? Simples, não há um décimo de dinheiro real, baseado no seu valor facial com correspondência económica, do dinheiro virtual, criado pelas operações financeiras. Simplesmente não há. Não há valor no mundo inteiro que cubra o valor de dívida que anda por aí. O sistema só tem uma solução: implodir. Não há outra solução, não há outro caminho para o mundo inteiro senão fazer implodir o sistema financeiro. Porque este sistema não existe, simplesmente. Não tem consubstanciação económica, não tem valor agregado aos pseudo-valores gerados em computadores. E quem acredita que virão uns contentores com notas de BCE para Portugal, no valor de 78 mil milhões de euros é mais parvo que um financeiro. Esse dinheiro nunca chegará a ser circulado. Simplesmente porque não existe. São números num computador. E se cada um chegar ao mercado (o real, onde efectivamente se trocam mercadorias por moeda ou outras mercadorias) com um computador a dizer que temos não sei quantos zeros na nossa conta bancária, o mais provável é que alguma peixeira do bolhão nos dê com um robalo na tromba enquanto indaga gentilmente pela massa.
O sistema vai implodir, e disso podemos ter a certeza. Os números catastróficos de países que receberam “ajuda” externa dão-nos um vislumbre do que virá a acontecer. A Grécia entrou no caos, a Irlanda tem números tão maus que não se prevê que nem daqui a 20 anos os irlandeses retomem o seu nível de vida em 2008. Nós seguiremos o mesmo caminho. A Itália, a Espanha e até países tão insuspeitos como a Áustria estão com taxas de juro recorde, que não pararão de subir. O castelo de cartas vai ruir. E vai sobreviver o valor, esse valor económico, que é o do trabalho. E esse é o grande valor que temos, o único de que podemos sempre dispor, e o mais atacado pelos casinos. Os casinos irão com os porcos, o trabalho ficará. Estão preparados?
Nem mais, andamos a sustentar um sistema que apostou o que não tinha, perdeu, e agora exige que outros lhe suportem as perdas... o dinheiro que hoje circula não vale o papel onde está impresso.
ResponderEliminarA base era o crescimento constante e ilimitado, gastou-se ontem a contar com os lucros de hoje, só que esses não chegaram, porque nada pode crescer eternamente, todos sabemos isso... menos o sistema financeiro.
O que me chateia é que na sua derrocada e agonia final muitos são os que estão a ser arrastados com ele e muitos mais serão nos tempos mais próximos... que morra de vez, mas morra sozinho, ou acompanhado por aqueles a quem sempre serviu, mas não, até ao último suspiro há-de sorver também o último fôlego daqueles de quem se alimentou em vida...
Os tempos estão difíceis e estão a mudar, a mudar muito e demasiado depressa...
Pronúncia, o que está impresso até nem me atrapalha as ideias. O virtual é que está a virtuar também a situação e não há correspondência no mundo inteiro com os valores que nos querem fazer crer que existem. Aqui há dias, fechei duas contas paradas na CGD e levantei os saldos, que tinham uns 3 ou 4 mil euros. Foi uma tragédia! Não havia dinheiro em Espinho!! O crescimento ilimitado é uma utopia, e preparemo-nos para restringir, de uma vez por todas, a evolução demográfica, caso contrário...
ResponderEliminarTudo isto vai arrastar muita gente é certo, mas talvez o mexilhão se segure bem à rocha e o peixe grosso acabe na rede...
Cirrus,
ResponderEliminarQue porcaria é esta?! Não há dinheiro nas agências da CGD?! Porra que já me estragaste o dia. Vou encher colchões com dinheiro, já não confio nos bancos! Fuck!
muito bem.
ResponderEliminarDylan, a sério que já comecei a equacionar essa possibilidade. Não sei se teremos os nosso dinheiro nos bancos futuramente. Custa-me a crer que tenhamos.
ResponderEliminarDaniel, agradecido.
ResponderEliminarO problema é perceber que esta crise é o momento ideal para impor os retrocessos civilaziocionais que o dinheiro e seus adoradores queriam há muito... Trata se de uma crise programada e controlada pelos biderbergs e outros . E ou os povos se levantam ou então camihamos para o sec 19...
ResponderEliminarlamentável é que, entretanto, sofram mais aqueles que se limitam a trabalhar e a viver apenas do fruto desse trabalho!
ResponderEliminarO país? Esse está em cuidados paliativos, até deixarem de financiar os medicamentos!
Tripalio, sem dúvida que a crise é uma boa oportunidade para fazer isso. A minha dúvida é se não terão ido demasiado longe. Eles próprios estão a cavar a sua sepultura.
ResponderEliminarMalena, não é lamentável, é simplesmente a realidade. O povo português quis isto. O povo português optou por empobrecer, vivendo assim melhor. Incongruente? Sim, mas ninguém pensa nada.
ResponderEliminarSobre os recursos naturais discordo (recomendo a leitura de "Common Wealth" de Jeffrey Sachs), estes são suficientes, mas não mal geridos como até aqui, o que é diferente.
ResponderEliminarQuanto ao resto estou totalmente de acordo. É completamente ridículo querer criar dinheiro a partir de dinheiro. Com os instrumentos que a especulação utiliza para obter lucro só retira liquidez à economia real (a das comodities e dos bens transaccionáveis). Ora é claro que tem que estourar.
Há muito que fomos avisados, os grande teóricos da Gestão, como Drucker ou Minzberg, fartaram-se de alertar para onde as modernas técnicas de gestão nos conduziriam. Mas malta liga mais aos teóricos da economia, que por ironia é mais influenciada pelas práticas de gestão do que o inverso... O resultado está à vista.
André Miguel, é nessa perspectiva que penso que o sistema terá de ruir. Os niveis de riqueza virtual são tais que ultrapassam largamente o PIB mundial, se é que podemos chamar ao PIB mundial a totalidade de produção. Não é possível encontrar fundos para pagar as dívidas artificiais, criadas pela alavancagem de juros muito acima do crescimento.
ResponderEliminarPor outro lado, e quando me refiro a recursos, refiro-me à explosão demográfica e ao esgotamento da capacidade de produção mundial. Obviamente está a ser mal gerida, e na verdade nunca o foi bem. Mas o ponto de ruptura é inevitável, senão hoje, numa data próxima.
Africanices planálticas ou peneplaniciadas?
ResponderEliminaro trabalho numa sociedade de serviços está altamente dependente do capital birtual
mai um licenciado de évora ou da covilhã....
sem capital...zimbabué ou haiti
desemprego 60 ou 70%
é que fazer agricultura em 500 metros quadrados só dá trabalho (ou seja capital na nova moeda)
eu dou-te 50 quilos de laranjas
ou 2 toneladas tanto faz
e o sistema de valor que aceito é em lérias?
ou em pedaços de papel que dizem valer 2 horas de trabalho
estão preparados para o colapso económico do sul da europa?
já têm barco?
ou vão remando em cima de um pneu?
o Atlântico tá frio este ano
e com este tempo pró ano vai haver mais trigo de importação
Já agora ó drunfo As OBrigações papel virtual existem desde o século XVI
se vais fazer de Nostradamus sobre a virtualidade de assignats ou de papel moeda ou electronico
estás 500 anos atrasado
é para 2012 ou 2013?
Caríssimo Planícies,
ResponderEliminarTem uma opinião que respeito plenamente. A diversidade de visões é salutar.
A forma como se me dirige a mim fica consigo. As palavras definem quem as profere, não quem as lê.
Já agora, e estando a licenciar-me pela segunda vez, e desta vez em História, actualize as suas fontes. As obrigações existem desde o séc.XI, não XVI. Parece que anda adiantado 500 anos.