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Ilustração Marco Joel Santos |
Costuma dizer-se, pelas esquinas dessas cidades e vilas,
aldeias e lugarejos, que Portugal é um jardim à beira-mar plantado. Eu discordo
inteiramente. Jardins plantados junto ao mar não vingam, a água salgada
mata-os. Ainda se fosse um mangal à beira-mar plantado, percebia melhor, pois
os mangais são resistentes à água salgada. Além disso, seria mais digno de um
povo que elegeu o manguito como gesto nacional. Além do mais, se Portugal fosse
um jardim, os governantes de Portugal seriam, por consequência, jardineiros. Ou
pelo menos pessoas que não têm o mínimo jeito para podar bonsais mas insistem
em torturar plantas.
A verdade é que já há muito tempo que não somos
governados por nenhum jardineiro. Desde D. Dinis, amante de pinheiros bravos e
poesia cancioneira. Também não somos governados por poetas, mas que eles se
ajeitam com a letra, há que convir. Aliás, nos últimos anos, qual nação positivista,
saída directamente de um qualquer exaltado sonho de Auguste Comte, temos sido
governados por técnicos. Por cientistas, quase. Por, como lhes simpaticamente
chamam, tecnocratas. Um par de engenheiros, outro par de economistas, e um par
de lagostas a cada um que nem fazem falta ao cardápio.
Um dos mais renomados economistas portugueses e europeus,
quiçá do mundo e mesmo do submundo para aquém vida e além morte (é preciso
nascer duas vezes), e do submundo do crime organizado também, é o nosso excelso
presidente Cavaco. Foi nosso ministro das finanças dois anos, nosso primeiro-ministro
dez, e prepara-se para ser nosso presidente da República mais quatro, ameaçando
constantemente os mais argutos com o cumprimento dos dez anos de sentença a que
foram votados. Ora, perfaz isto um total de 18 anos no governo da Nação, e de lá
sairá, com alguma sorte para os demais, com apenas 22 anos de governo.
Um jornaleco malicioso, um tal de Jornal de Notícias,
veio na edição de ontem fazer uma série de insinuações sobre a honorabilidade
do nosso excelso presidente enquanto supostamente ligado às actividades
mineiras do BPN, Banco de Políticos Nefastos. Tal como urgia, Cavaco não
demorou a emitir um comunicado, através do site da presidência – a sua – a “endireitar”
alguns factos que esses perigosos esquerdistas do Porto ousaram deturpar em
prejuízo do homem que está sempre certo e que nunca se engana. Podem ler O Comunicado da Presidência aqui.
Ora, eu li o comunicado, pois sou uma pessoa muito
interessada nestas coisas, bem informado e até posso dizer que, sem desprimor,
perco tempo a mais com estas coisas. E há alguns pontos que quero ressalvar, e
que penso que dizem muito sobre o homem mais honesto de Portugal, o excelso
presidente Cavaco. Depois de afirmar que o presidente nunca teve qualquer relação
com o BPN, não lhe fez compras nem vendas, nem sequer tinha qualquer tacho no
Banco de Políticos Nefastos, o ponto 1.4 é deveras incomodativo. A certa altura
pode ler-se “Contrariamente ao que tem sido
afirmado, as aplicações feitas pelo conjunto dos bancos das poupanças do Prof.
Cavaco Silva e de sua mulher não se têm traduzido em ganhos, mas sim em perdas…”. Começa a perceber-se como é
que Cavaco não tem dinheiro que chegue para as despesas, mesmo com a parca
reforma de 11.000 euros. O homem ainda anda a pagar as perdas que ele próprio e
a desvairada da Maria sua esposa andaram, ao longo dos anos, a coleccionar em vários
Bancos!
Depois, mudando a
agulha para o ponto 2, ficamos a saber que a Coelha, afinal, é um negócio perfeitamente
lícito e nada teve de anormal. A não ser… Surpresa! Pois é, afinal, o negócio
da Coelha, a residência de férias do presidente no Reino de Sua Majestade
Allgarve, não só não tem nada de mafioso por parte do nosso honestíssimo e
excelso presidente, como ainda este ficou a perder no pagamento da Sisa! Pode
ler-se “O Prof. Cavaco Silva está mesmo
convencido que pagou mais do que lhe competia pagar, …”. Ora porra. As Finanças
enrolaram o presidente! Mais ainda, Cavaco “…
tem seguido, até aqui, a prática de não reclamar das liquidações feitas pela
Administração Fiscal.”. E é aqui que a coisa descamba para o pornográfico. Não
só enrolaram o Cavaco… As Finanças f*deram-no bem e ele nem abriu o bico!
O que dizer de
tudo isto? É triste. O homem anda ainda a cobrir perdas de investimentos
financeiros que fez, e isso até é aceitável para mim, que sou economista
amador, ao estilo do tipo que tortura plantas mas não percebe da poda. Mas para
o mais renomado economista português, da Europa, quiçá de todo o Boliqueime? É deveras
triste. Ainda por cima, está sempre certo e nunca se engana. Excepto quando é
para perder massa, aí é um mãos largas! Além do mais, pagou Sisa a mais. Mais uma
vez, um homem tão esclarecido e ainda por cima tão honesto como Cavaco, que tem
um grau de honestidade intransponíbal, pois temos de nascer duas vezes para lá
chegar – nós, os vulgos mortais que se enganam e que às vezes não estão certos –
não podia exigir de uma instituição pública o mesmo grau de honestidade? Não,
calou-se bem caladinho, quiçá com medo que as Finanças o julgassem, do tipo “Ai
é? É assim? És espertinho? Já vais ver como mordem os cães das Finanças! Vomita
para cá as últimas 91 declarações de IRS que entregaste!”.
Eu, na realidade,
já sabia que Cavaco é um desastre ambulante. Uma nulidade armada em tecnocrata
que governou com imensa ignorância um país banhado, não pelo mar junto do qual
se plantou o jardim, mas pela bonança dos fundos europeus, e os esbanjou
ingloriamente, desperdiçando a oportunidade de fazer evoluir o país. Já o
considerava o mais danoso governante português, por duas razões: pela que já
escrevi atrás e porque é o mais duradoiro e aquele que sem dúvida teve mais
tempo e oportunidade de fazer estragos. Sérios estragos. Mas nunca pensei que
fosse burro o suficiente para admitir a sua incompetência em termos
financeiros num comunicado oficial da presidência. Está bem que é a sua presidência,
e dali esperam-se bovinos disparates, mas nem tanto. E o modo como se sente
burlado pelas Finanças e se calou bem caladinho… Deve haver por aí muita gente,
que afirma que duas pessoas juntas já são uma manifestação (um casal com a
esposa grávida é um comício) – e a este assunto voltarei, podem estar certos –
que pensa que ele fez bem e todos devemos fazer o mesmo, a bem da paz e da coesão
social…
Aníbal, o
Intransponíbal, afinal, é um cepo. Passou de eminente economista a gajo que
perde dinheiro nas jogadas dos bancos. Passou de pessoa que está sempre certa e
que nunca se engana a vítima de bullying das Finanças… Salve-se a sua estatura
moral, a sua honestidade. Salve-se Cabo Verde e as Caimão, e por certo até ele
se perdoa por passar por estúpido na Nação de que é a primeira triste figura…