Ilustração Marco Joel Santos |
Ultimamente tem-me dado para pensar mais em motivos
religiosos. Não sei se é algum surto de fé ou simplesmente porque já há muito
tempo não havia um bom escândalo religioso, como o do Banco do Vaticano ou o
mordomo indiscreto. Afinal sei e é pela segunda razão.
Lembrei-me daquela questão da idade de entrada no paraíso
em conversa privada, e em nova conversa privada surgiu a questão dos Santos
Populares. Ora toda a gente sabe quem é o santo popular de Lisboa, o Santo António,
toda a gente sabe quem é o santo popular do Porto, o S.João e toda a gente sabe
quem é o santo mais popular de Portugal, o Messi. Para já, é clara discriminação
que o santo lisboeta seja tratado pelo nome completo, Santo António, e o do
Porto seja só “são”. É por o outro ter ido jogar para o estrangeiro, para o
Parma, ou quê?
Bem, toda a gente sabe quem são os padroeiros de Porto,
Lisboa e até de Braga (para quem não sabe, é o João na mesma - ou melhor, parece que é o Geraldo, mas é ao João que ligam - ok agora, Maria?). Mas pouca gente
sabe quem é o santo padroeiro de Coimbra. Até porque não é um santo, é uma
santa. E é um caso curioso de promiscuidade político-religioso-hospitalar. Político,
porque era uma rainha. Religioso, porque se diz que fez milagres. Hospitalar,
porque ainda está em excelente estado de conservação, ao contrário dos
desaparecidos António e João…
A Rainha Santa, a célebre Isabel de Aragão, casada com
D.Dinis, é a padroeira de Coimbra. E porquê, perguntarão? Porque está lá o seu
corpo, em Sta.Clara-a-Nova, e porque foi em Coimbra que ela reinou. Recordo que
Portugal só teve três capitais, e muita gente desconhece quais são essas três
cidades. Na altura em que Dinis era simultaneamente agricultor, poeta e rei,
Coimbra era a capital do reino. Pronto, só restam mais duas cidades capitais de
Portugal para adivinharem…
O milagre das rosas é o mais conhecido de Isabel de Aragão.
Consta que um dia a rainha saiu da Alcáçova para alimentar os pobres de Coimbra
com o regaço do seu vestido cheio de pães. O rei, aqui retratado não como
agricultor nem poeta, mas como português apenas, vai de seguir a excelente
senhora e surpreende-a com a valiosa carga envolvida nas saias. Ordena-lhe que lhe mostrasse o que levava e Isabel, com uma calma olímpica, desce a saia e dela
caem rosas. “São rosas, senhor, são rosas”. Note-se como uma esposa se dirigia
ao seu marido, coisa moderna.
Imaginemos agora a Maria a fugir de Belém com o regaço
cheio de algo para os pobres. Improvável, eu sei, mas imaginem. E agora
imaginem o Aníbal a surpreendê-la. Aqui não é preciso qualquer esforço de
imaginação, não é? O que diria o Aníbal? “Maria, mostra-me os euros que aí
levas para distribuir pelos pobres de Lisboa, e que me fazem falta para pagar
as contas da luz e da água, pá!”. E com uma calma olímpica, Maria baixaria a
saia e diria, enquanto caíam: “São só panfletos do IEFP, senhor, apenas
panfletos do IEFP!”
Imaginemos a Laura Coelho a sair de S.Bento com o regaço
cheio de algo para os pobres de Lisboa. E o Passos, preocupadíssimo, a surpreendê-la
na rua: “Laura, querida, então estás a dar dinheiro a estes calaceiros que
ainda por cima têm a oportunidade de uma vida pela frente? Assim estragas-me o
esquema, olha o que eu me esforço por teres pobrezinhos a quem dar sopinha lá
nas traseiras da copa do Palácio!”. E Laura, com outra calma olímpica, deixa
cair o conteúdo do regaço na rua e clama:”São acções de penhora, senhor, apenas
acções de penhora!”.
Bem, a verdade é que se a Maria saísse de Belém com a
saia arregaçada até ao pescoço, duvido que encontrasse alguém na rua. Já a
senhora esposa do senhor primeiro sinistro poderia captar outro tipo de acções
que não as de penhora… Mas isso sou eu a imaginar. Já agora, vão pensando em
que 3ª cidade, além de Lisboa e Coimbra, Portugal teve capital…