Ilustração Marco Joel Santos |
Durante
muitos anos, Miguel Esteves Cardoso foi para mim um referencial de fina ironia
no tratamento das mais diversas questões, o que só me fez nutrir uma sincera
admiração pela sua forma de estar e de, aparentemente, ser. Tanto que, vendo
num qualquer escaparate um dos seus últimos livros, o comprei sem grandes
hesitações. O palavrão na capa, admito, fez-me aguçar um pouco mais a
curiosidade. Li o livro de forma interessada, sempre esperando aquele registo
de humor fino e inteligente, de pura ironia roçando o elegante sarcasmo, com
que tantas vezes havia identificado o autor nas saudosas Noites da Má Língua.
Em vão. Deparei-me com um livro introspectivo, sim, mas pouco interessante e
com um tratamento pouco imaginativo dos pensamentos e alusões do autor. Pensei
eu que era apenas uma fase má e que tinha tido o azar de o apanhar num mau
momento – e ainda penso assim, pois o momento do livro não era dado a grandes
lirismos.
Os
artigos de opinião de Miguel Esteves Cardoso sempre me passaram ao lado. Ou por
irrelevância quanto ao que se passa neste mundo ou simplesmente, acredito, por
irrelevância para aquilo que eu penso. São coisas diferentes que convém
distinguir, e provavelmente a menor das culpas será do autor visado. No
entanto, este artigo é diferente. E é diferente não porque me vise
particularmente, mas antes pelo exercício de boçalidade estéril a que se
entrega MEC. Deixo ao critério de cada um procurar saber se está certo ou
errado, pois nem isso é o mais importante.
O
importante é como estas figuras, que amiudadamente nos entram pela vida dentro
com as suas opiniões, são seguidas acolitamente por muitos outros seres humanos
por aí espalhados, que também eles fazem das palavras de um MEC as suas
próprias, que apregoam aos quatro ventos como a mais pura das verdades. Ora, no
caso vertente, MEC compara os fumadores e utilizadores de telemóvel das
esplanadas com terroristas. É o meu caso, e para muitos milhares de acólitos da
igreja Mecana, não só para o MEC.
Aqui
estou, então, para assumir a minha culpa como terrorista. Eu, terrorista, me
confesso. É verdade que sou pessoa dada a algum recato e aprecio a calma e
pacatez do passar dos dias. Por essa razão, vejo sempre como dúbia a
possibilidade de descansar ou descontrair numa esplanada de Verão. Mas MEC,
quando quer descontrair, quando quer paz e sossego, vai para uma esplanada de
Verão. Note-se, de Verão. Não de Inverno ou de Outono, quando estes sítios são
de facto aprazivelmente sossegados e contemplativos – pelo menos os que
permanecem abertos – mas sim de Verão, quando estão pejados de locais,
turistas, emigrantes veraneantes, moscas, cães abandonados que farejam uma
magra refeição e ainda de fumadores e portadores de telemóveis.
Não sou
portador de telemóvel nestas ocasiões. O telemóvel é ferramenta de trabalho e
pouco mais. À família não se fala pelo telemóvel, visita-se. Aos amigos não se
fala pelo telemóvel, convive-se. Se bem que pode dar jeito para combinar
qualquer uma das coisas. Falar ao telemóvel em público, no entanto, não é mais
prejudicial que falar simplesmente. Ou seja, se estiver numa esplanada posso
estar acompanhado – o mais certo - e naturalmente falo. Por que razão MEC se
sente intimidado ou incomodado pelas conversas de telemóvel dos outros é para
mim um mistério. Logo se juntou uma trupe por essas redes sociais fora a
aventar a possibilidade de se legislar o silêncio em esplanadas de Verão e (não
sei bem porquê) transportes públicos. Ou seja, passaram estes locais a ser equiparados,
por muita gente, a igrejas, hospitais e tanatórios.
Quanto a
fumar, sim, sou terrorista. Porque fumo. E fumo quando muito raramente me sento
numa esplanada. Dantes podia-se fumar em todo o lado, agora não se pode fumar
em lado algum que tenha tecto e seja de acesso público. Percebo a lógica e
ainda bem que assim é. Quando me perguntam à porta do restaurante se quero ir
para “fumadores” ou “não-fumadores”, e onde existe essa possibilidade, escolho
sempre “não-fumadores”. Porque estou ali para comer e não para fumar. Para
fumar, posso sempre ir à esplanada do restaurante – se a tiver. A menos que o
MEC lá esteja. Caso contrário tenho de passar de fininho para não incomodar o
silêncio sepulcral requerido pelo senhor e ir fumar para o distrito adjacente,
pois a distância entre mesas é insuficiente para o olfacto apurado dos
buscadores de paz e sossego.
É caso
para dizer que têm tristes casas, estes buscadores. Pois é lá que encontro,
normalmente, a minha paz e o meu sossego. Mas somos todos diferentes, e eu até
sou terrorista. Não me preocupa estas pessoas me apelidarem de terrorista. É
para o lado que durmo melhor. Preocupa-me a febre restritiva que paira nestas
cabeças. Preocupa-me o facto de um dia, querer sair de casa e não conseguir
fazê-lo sem infringir meia dúzia de leis. Preocupa-me a saúde financeira das
operadoras de redes móveis, quando não se puder falar ao telemóvel. Preocupa-me
que as pessoas que não querem um fumador na mesa adjacente vão para as
esplanadas de Verão de carro, mas não eléctrico.
Enfim,
preocupa-me que estas pessoas vão para o raio que as parta, porque eu não quero
que vão. Porque elas são iguais a mim, e eu igual a elas. Com a diferença de
elas não serem terroristas.
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