Ilustração Marco Joel Santos |
Só no
Cairo, e antes desta vaga de refugiados acontecer, já vivem, na Cidade dos
Mortos e arredores, cerca de seis milhões de refugiados, entre palestinianos,
iraquianos ou libaneses. Convenhamos que numa cidade com vinte e dois milhões,
é obra. Na Jordânia, e antes da guerra na vizinha Síria, já viviam um milhão e
meio de refugiados iraquianos e palestinianos. Num país com sete milhões de
habitantes. De Jerash vi Deerah, a cidade que viu começar a guerra civil síria.
Um ano antes desta começar.
Por tudo
isto, a ideia de ter duzentos ou trezentos ou até meio milhão de pessoas a chegar
à Europa não me choca muito. Como dizia Harrison Ford nos Salteadores, sou um
cientista, nada me choca. Mas é mentira. Há coisas que me chocam profundamente,
não amiudadamente, mas assim como que de vez em quando. E choca-me
profundamente a enorme campanha feita pelos defensores e pelos detractores dos
refugiados. Distancio-me de ambas as posições, porque sou o que sou: um
agnóstico que apenas reconhece pessoas – boas e más – e não religiões ou “raças”.
A Europa,
principal culpada e instigadora de uma guerra fraticida que destruiu por
completo a parte oriental da Síria e aparenta vir a destruir o resto, não pode
sacudir a água do capote. Tem culpas, enormes culpas, como tem culpas, enormes
culpas, no que se passa na Ucrânia, na Líbia, na Tunísia e por esse mundo fora.
Colhe agora o que semeou, na sua ganância por mercados e produtos. Mas também
não pode, neste momento, deixar de filtrar os que nela querem entrar. É bem-vindo
quem vem por bem. E o que é isto de vir por bem? Bem, para mim, é qualquer
muçulmano que entenda que me estou literalmente cagando para o que disse Maomé.
Pronto, é assim, simples e direitinho. Estou-me cagando para o que diz o Corão,
como me estou cagando para qualquer fantasia que envolva naves espaciais,
ressurreições do mundo dos mortos e demais contos da carochinha – sim, também
essas historinhas de fadas que vêm na Bíblia. E conheço-as muito bem, foram a
minha escolha para finalizar o curso – Religião e Cultura. Ora assim se evitam
problemas futuros. Lembrem-se do local onde estão e tudo correrá bem. Comecem a
querer viver de acordo com a Sharia e a coisa corre muito mal.
Os defensores
dos refugiados não entendem que basta que no meio de meio milhão de boas pessoas
apareçam meia dúzia de radicais para que a segurança de todos nós esteja em
risco. Se já com os nossos é o que é (lembram-se do alto e loiro Brejvik?), não
precisamos de mais problemas com maluquinhos que acreditam em homenzinhos
verdes como o do TGV de França. É preciso registar, é preciso investigar, é
preciso despistar. E temo que nada disto venha a ser feito. Para os defensores
dos refugiados, apenas interessa o lado humano. Mas esquecem-se que eu também
tenho um lado humano, a minha família tem um lado humano e bem, até eles
próprios, apesar de nunca terem precisado de distinções dessas (bom sinal),
também têm um lado humano. E estes lados humanos são para preservar na nossa
santinha paz de cantinho à beira mar plantado.
Já os
detractores dos refugiados são outra história. Há-os, pelo que me foi dado ver,
de dois tipos, que se aliaram numa causa perigosamente comum. Uns são os
extremistas religiosos, mormente evangelistas e demais protestantes, mas também
bons chefes de família católicos. E há os de extrema-direita – uma fatia
considerável da nossa população, cerca de 40%, embora ninguém queira admitir
tal facto. Apareceram as mais díspares notícias sobre os refugiados, a maior
parte deles vindas de sites religiosos, anti-semitas (os árabes são semitas) ou
de extrema-direita. E tudo foi comprado como verdadeiro, quando na realidade
nem 10% seja verdade. Até a notícia de que os refugiados traziam telemóveis –
como se o telemóvel fosse um aparelho do demo vindo de outro mundo ou
simplesmente um artigo de luxo que seria impensável encontrar num país árabe. Desiludam-se,
os árabes são malucos por tecnologia, particularmente por telemóveis. Estranhamente
parecidos com os portugueses.
Vêm
também com uma conversa de que se não ajudamos os nossos sem-abrigo não podemos
ajudar os refugiados. Até percebo a lógica. Se não há para os nossos, não há
para os outros. Aparentemente tudo correcto. O problema é quando vemos pessoas
que nunca fizeram uma ponta de um corno para ajudar fosse quem fosse, quanto
mais um sem-abrigo, falar assim à boca cheia. Se se enchessem de moscas elas
não notariam diferença em relação ao que em que costumam pousar.
Depois a conversa de que aqui querem mesquitas e lá não
deixam construir igrejas e outras do género. Porra, é-me indiferente ser
acordado pela vozinha irritante do muezin a chamar para a oração ou pela merda
dos sinos das igrejas que não se calam (e aquelas aldeias que têm o hino de
Fátima a tocar a cada hora?). Por mim, era tudo arrasado, e bem razão tinha o
velho Karl quando disse que a religião é o ópio do povo. Mas devo dizer que nos
países árabes onde estive, os maiores edifícios das grandes cidades são igrejas
(cristãs, também católicas, como em Tunis, mas essencialmente coptas, como na
Jordânia, Síria ou Egipto). Aqui em Portugal é que só há uma mesquita. Salvo
erro.
No fundo,
o que quero dizer com esta lengalenga toda é que quem vier para a Europa deve
adoptar plenamente os valores europeus. Conheço mulheres que na Jordânia nunca
usaram sequer um véu e que quando foram morar para os EUA começaram a usar
burqa. Por outro lado, não são 3500 refugiados que vos vão tirar empregos (para
isso temos um milhão de desempregados prontinhos) ou o pão da boca ou até as
vossas ridículas crenças em fantasmas e espíritos do além. Quando acabou a
guerra colonial levamos com dois milhões de retornados, uns mais esclavagistas
que outros, e não se passou nada. Esta gente é mesmo de um Portugal desconhecido…
Por fim,
dizer o seguinte: se a merda que governa a Europa fosse decente, nada disto
estaria a acontecer. Como ninguém se mexe para correr com a merda da banheira,
agora aguentem que é serviço.
PS: e
sim, a foto do miúdo afogado chocou-me. Podia ser o meu filho ali. Podia ser o
vosso. Pensem nisso e não digam mais merda a esse respeito, por favor. Deixem,
pelo menos, as pessoas sofrer em paz.
...e está tudo dito!
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