terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A TRAGÉDIA GREGA

Ilustração Marco Joel Santos

Desgostam-me estes actos a que estamos sujeitos, por parte de uma certa comunicação social nojenta que temos de tolerar, que mais não procura que denegrir aqueles que eles próprios acham nojentos. O governo grego está entre os nojentos eleitos pelas comunicações sociais neo-liberal e fascista que, num dado momento no tempo, que é agora, acharam os seus objectivos alinhados. Igualmente me desgosta a comunicação social de alguns sectores esquerdistas que encaram o mesmo governo grego como o salvador de uma Europa moribunda.
            Na realidade, penso que nenhuma destas correntes tem sequer razão para existir.
            Os comentadores de direita sentem-se ameaçados por algo que não conhecem, mas que também não desejam conhecer. Os comentadores de esquerda passam por cima de um facto que deviam conhecer, mas que fazem por esquecer, quando tanto se esforçaram por o recordar: a Grécia está de rastos, não só e apenas pelo resultado da austeridade cega a que foi sujeita, mas também pelas irresponsáveis políticas anteriores por parte dos principais actores políticos de então, os socialistas e os de centro-direita (já não sei que nome hei-de chamar a estes bois, pois sociais-democratas já há muito não são).
            Não há milagres, penso que todos já percebemos isso. A única proposta realista que vejo por aí a circular é mesmo a do nosso PCP, que quer discutir e preparar uma possível saída de Portugal da zona euro. É um cenário que, agrade ou não a quem quer que seja, é possível e, em face dos acontecimentos mais ou menos graves que se podem vir a desenrolar nos próximos dias e semanas, tem um grau de probabilidade que não pode ser menosprezado. Tudo o resto ou são tresloucados ataques à memória grega e ao seu papel na Europa ou então radicalizações que só fazem sentido como ponto de partida para as cedências durante uma negociação.
            O problema parece ser que todos têm medo do que possa acontecer com a Grécia. Os acólitos do Governo Alemão (e por conseguinte, de Passos Coelho) têm um imenso medo que o Syriza consiga melhorar a condição grega porque isso desautoriza – em absolutamente TUDO – o governo português (aliás, como o espanhol, o italiano e outros mais, mormente o alemão). Além disso, seria a esquerda portuguesa (a extrema esquerda, o BE e o PCP) a capitalizar nas urnas os possíveis sucessos do Syriza, o que poderia inviabilizar aquele que agora parece ser o grande sonho dos socialistas e dos de centro-direita e extrema-direita (PS, PSD e CDS), um gigantesco “consenso” chamado Bloco Central.
            Por outro lado, muita gente dentro de uma certa esquerda pouco popular mas bastante instruída teme o fracasso do Syriza pelas mesmas razões, ou pelas razões inversas: a legitimidade cada vez maior das políticas de austeridade e a impossibilidade de deter o seu próprio ocaso eleitoral.
            No meio disto tudo, está, afinal, a Grécia. Um país. Não é um continente, nem uma federação de países, é apenas um país. Mas que faz parte de um projecto maior, o europeu. É triste vermos alguns tristes comentadores politiqueiros denegrirem todo um povo apenas porque os seus interesses materiais e políticos estão em causa. A esses, devíamos apenas ignorar, porque a liberdade de expressão lhes dá o poder de opinar.
            A Grécia é o berço da civilização europeia. Foi quem deu nome à Europa. Esqueçam a Democracia, isso só surgiu depois, em Atenas. Primeiro surgiu a própria designação do continente, e foram os gregos que a inventaram.
            Conta a lenda que Europa era uma princesa de rara beleza oriunda do Levante, da cidade de Tiro, que era, à altura, governada por seu pai, Agenor. A moça seria tão bela que Zeus lhe apareceu sob a forma de touro branco e a terá iludido a montar o seu dorso, após o que a terá raptado, levando-a para a ilha de Creta, terra natal de Zeus. Europa terá ficado tão apaixonada por Zeus que terá esquecido a sua forma de touro e, ainda antes de este ter assumido a sua forma natural, se lhe teria entregado, daí surgindo o famoso Minotauro. Mais tarde, teriam tido mais dois filhos, um dos quais Minos, o lendário rei de Creta.
            Esta lenda era contada na tradição oral grega ainda os outros europeus nem sequer existiam. Relembremos que a Europa como a conhecemos foi formada essencialmente depois das Invasões Bárbaras, mormente o centro da Europa. Apenas romanos, etruscos e algumas tribos celtas por aqui andavam e já os gregos tinham escrito a Odisseia, a Ilíada e mais obras literárias de fino recorte poético. Também inventaram a tragédia e a comédia. E a sátira.
            Independentemente das raízes culturais gregas, muito ligadas ao que os Dórios encontraram das civilizações egípcia, minóica e micénica, a questão é que não se pode, não se deve, nunca, menosprezar o contributo de um povo para a História universal. Seja qual for o povo, pois todos eles foram importantes, em dada altura, para o desenrolar dos acontecimentos. Desprezar a herança grega não é só desprezar um povo e sua história, é desprezar a História Universal e em particular a História Europeia. Que isso aconteça pelo mais fútil dos motivos, como o de ser director de um jornal de extrema-direita, é ainda pior.

            Pelo enorme respeito que me merece o povo grego e a sua extraordinária herança histórica com que nem portugueses nem espanhóis nem italianos sequer, e muito menos franceses ou alemães, podem sequer sonhar, desejo apenas que o Syriza consiga com que esse extraordinário povo saia da sua miséria actual. Porque, se é bem verdade que devem ser os gregos que devem pagar as consequências do seu acto político de escolher o Syriza para governar, e essas consequências podem ser impostas pela Europa… o que mais lhes podem fazer? Enviá-los para Auschwitz e Birkenau?

2 comentários:

  1. Excelente texto :)

    Como não sou um gajo que adere a correntes politicas, mas a ideias, porque as boas ideias podem vir de qualquer quadrante politico, bem como as más, subentenda-se, olho com alguma curiosidade para a situação Grega.
    À partida acho muito bem que um povo queira tomar nas suas mãos o seu destino.
    Mas acho que o problema grego diverge bastante do que se passou nos outros paises.
    Sempre me surpreendi com o avanço da Grécia em relação a Portugal, levando em conta que partimos quase do mesmo ponto comum aquando da adesão à CEE.
    As diferenças fundamentais estavam nos padrões de vida que os Gregos começaram a ter e que eram impensáveis em Portugal. E, se formos ver bem, à conta dos fundos Europeus e do endividamento, eles atingiram padrões de vida impensáveis para o nosso país.
    No entanto, uma vez que fomos parar ao mesmo buraco ao mesmo tempo, aquilo que isto me dá que pensar é que pelo menos, por lá, houve uma distribuição mais equitativa (não necessáriamente bem feita, uma vez que os resultados acabaram por ser os mesmos) dos tais fundos que entraram à pázada.
    Isto quererá dizer eventualmente que em Portugal os fundos foram para alguns e não para todos, embora todos sejamos obrigados a pagar!
    Há também aqui uma questão de mentalidade. Aquilo que o actual governo da grécia quer é, do meu ponto de vista, meritório, sem dúvida. No entanto se olharmos bem para as politicas e estilos de vida que levaram a Grécia para o buraco, encontramos coisas muito ouco razoáveis num estado social que só poderia viver à custa do endividamento e que sustentava larga parte da população...
    ...e se pensarmos bem, Portugal acaba por ter o mesmo problema, numa escala menor, é certo, mas têm!
    Decisões como as SCUT foram excelentes trunfos eleitorais, mas foram ruinosas para o país, transferindo fatias enormes do dinheiro de todos nós para o sector privado. Olhando à distância no tempo, não se percebe como é que estado enterrou tanto dinheiro numa ponte Vasco da Gama quando esta deveria ter saído a custo zero...
    Há uma série de decisões ruinosas que todos aplaudiram na altura por serem convenientes mas cuja factura apareceu mais tarde, mas não se vê ninguém a ser responsabilizado por essas decisões!
    Na Grécia o problema é o mesmo, mas exponencialmente maior, e o facto de aparecer agora um D. Sebastião por lá não elimina os problemas base.
    Espero mesmo que eles consigam dar a volta, que as pessoas que lá estão sejam competentes e inteligentes o suficiente para descobrirem o melhor caminho para eles próprios, com ou sem a Europa que vimos já é um feudo e se submete cegamente às imposições do grande capital ao invés de impôr as regras a esse mesmo grande capital.
    Talvez a Grécia seja mesmo o principio do acordar de um gigante que se tornou cada vez menos relevante no mundo à medida que vê a rússia e a china por um lado e os estados unidos pelo outro a roubarem-lhe o protagonismo e a força dos capitais a tornarem-no obsoleto...
    ...e talvez esse acordar seja o primeiro passo para a tão sonhada, por alguns sectores politicos, federação...
    ...porque não se pode ter uma federação europeia com tão grandes disparidade de um território para outro, o que necessáriamente causa cisões entre os cidadãos, e onde a identidade europeia dos cidadãos é secundária à identidade nacional.

    Mas como eu disse um dia a um deputado europeu, se do outro lado do atlantica há os Estados Unidos da América, do lado de cá Há os estados desunidos da Europa, e não é facil passar por cima de milhares de anos de quisilias e guerras com todos os ressentimentos que lhes vêm associados...

    :)

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  2. Habituamo-nos a olhar apenas para o nosso umbigo e nem o cotão lhe conseguimos remover. A Grécia conseguiu uma viragem e está a tentar libertar-se do jugo ao qual nós estendemos o pescoço. Acreditar que existe uma Europa é ingenuidade. Existe, sim, um Continente Europeu cheio de assimetrias onde uma minoria tenta impor (alguns até conseguem) aos outros a sua política.
    Aguardo com expectativa o futuro Grego. Oxalá tivesse a mesma expectativa quanto ao futuro de Portugal!

    Um abraço, Cirrus! :)

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