Marco Joel Santos, "Amanhecer no Campo" |
O horizonte. Perscrutando o horizonte. Mais que uma
dimensão, mais que uma ocasião. O horizonte de horizontal pouco leva da
palavra. O horizonte é mais que horizontal, é mais que uma planura ou uma
paisagem. O horizonte é algo comum a todos, algo omnipresente em cada dia que
acordamos. Pena não acordarmos todos os dias.
Da estafa do trabalho, olhamos o horizonte, para ver se
chove amanhã. Mas não o perscrutamos. Da vertigem da festa saímos, de olhos
enfumarados e gostos estranhos na boca. E o Sol nasce no horizonte, e já é dia,
e vemos, mas não perscrutamos. Da cama saímos, e abrimos as janelas para deixar
entrar a luz, e não vemos que a luz não precisa de entrar, porque ela existe
quer a queiramos deixar entrar ou deixar lá fora. Depende de nós deixá-la
entrar, mas ela existe, emana do horizonte que insistimos em não perscrutar.
O horizonte de horizontal leva pouco da palavra. O horizonte
não é horizontal, não é plano, é íngreme, é vertical. E estando na nossa
frente, não o perscrutamos. O horizonte é aquilo que não queremos perscrutar. Mas
da vida levamos o dom da morte e nada ou pouco mais. O melhor não está para
vir, está no ir, está no que já foi. Nada do que passou retorna e o horizonte
mete-nos medo. Medo da verticalidade, medo da inclinação.
Medo de perscrutar o horizonte. Nunca o perscrutamos
porque sabemos que ele nos fala, e nos diz aquilo que não queremos ouvir. Ouvir
o horizonte. É um exercício sádico. Mas é uma catarse, e só ouvimos o horizonte
quando, por fim, serenamos. E quando por fim encontramos aquilo que somos e
fomos, porque não sabemos se seremos, é quando perscrutamos o horizonte. E não é
um vácuo, é mais que isso. É um vórtice, é uma vertigem de possibilidades, é
uma passagem para outra dimensão, uma viagem. O que resta dela.
Engraçado. Cada vez que nos aproximamos de uma montanha,
maior e mais vertical ela fica. E depois trasnpomo-la, e a montanha dá lugar ao
vale, a novos horizontes. Mas o nosso horizonte é sempre distante. Nunca se
revela, nunca muda de tamanho, esperamos sempre transpo-lo, alcançar o seu cume
e descansar no vale. Mas se descansássemos no vale, deixaríamos o nosso
horizonte. Não é possível, esse negro e lúgubre horizonte, para o qual
caminhamos avidamente, sem escolha, é imutável até ao fim dos tempos.
Nunca o alcançaremos. Mas continuamos a caminhar e a percorrer
o caminho para o horizonte. Não chegaremos lá nunca, e quando chegarmos não
saberemos que o fizemos. Mas viajamos para ele, viajamos por ele. E sem saber,
lá chegaremos. Ou se calhar nunca o alcançaremos. Não interessa, de qualquer
forma. Interessa a viagem e não o destino. Interessa caminhar, não interessa
alcançar. Interessa tentar, não interessa conseguir. Interessa correr para
a meta, não interessa cortá-la. Porque, de tanto conseguir, qualquer dia,
conseguimos mesmo. E o horizonte é igual para todos. O melhor não está para
vir. O melhor é o que já foi e o que vai vindo, não aquilo que virá. Porque o
que virá é o que desejamos na cegueira do horizonte. O que vai vindo é a luz
que entra quando abrimos a janela.
Provavelmente vai-te parecer um comentário absurdo e fora de qualquer sentido mas... este texto comoveu-me até às lágrimas...
ResponderEliminarMantenho sempre a minha janela aberta!
O horizonte é uma miragem.
ResponderEliminar"Porque o que virá é o que desejamos na cegueira do horizonte. O que vai vindo é a luz que entra quando abrimos a janela"... agradeçamos a luz...
Belíssimo texto
Este texto deixou-me com vários pensamentos, se o "horizonte" é o meu objectivo espero alcançá-lo; se for o fim espero que não tenha ainda de o perscrutar (pelo menos por agora). Entre outras várias ideias num dos melhores textos que li por aqui, friend pinkfloydiano.
ResponderEliminarTenho o meu horizonte pessoal como algo que se vai reinventado consoante a minha aproximação, transmutando as energias.
ResponderEliminarEste texto vem de um momento de introspecção? É diferente do habitual.
Abraço.
Malena, vê lá, não deixes entrar muito mosquedo...
ResponderEliminarNão percebo porque te levou às lágrimas...
Pronúncia, apenas é uma miragem porque assim o escolhemos, fugimos dele, recusamos olhá-lo nos olhos...
ResponderEliminarCat, este horizonte é um fim, sim, é O fim, com certeza. Mas também as metas, as metas que tão abnegadamente queremos atingir nesta vida, não percebendo que as metas não têm qualquer valor. Pelo contrário, as metas fazem da nossa vida um inferno constante.
ResponderEliminarD-Man, a Malena diz que sim, que veio de um momento de introspecção. Asseguro que não. Veio de um momento em que apenas parei para pensar um pouco.
ResponderEliminarÉ uma miragem, porque o horizonte não é fixo e é mutável.
ResponderEliminarDo meu alpendre o horizonte é o local onde o monte se encontra com o céu. Posso alcança-lo, basta-me seguir pelo caminho que há até ao topo do monte, mas quando lá chegar, o meu horizonte já não é o mesmo, afastou-se e agora são os montes que rodeiam a cidade.
Além disso, enquanto me aproximava do horizonte em frente ao meu alpendre, afastei-me do horizonte que estava atrás de mim enquanto caminhava para o que estava à minha frente.
Há muitos horizontes, enquanto nos aproximamos de um, afastamo-nos de outros, os que ficam para trás, os que estão dos lados. Não fugimos, apenas nos aproximamos daquele que encaramos nos olhos e escolhemos como sendo esse que queremos alcançar.
Mas todos são miragens, porque à medida que nos aproximamos deixam de ser horizontes e um outro horizonte vai surgindo na nossa frente.
Há apenas um horizonte imutável, aquele que por mais que fujamos dele (e a maioria de nós é isso que faz) está-nos destinado desde o dia em que vemos pela 1ª vez a luz... e com esse todos temos um encontro marcado, é a única certeza da vida. Chama-se... morte.
Cirrus, eu não escreveria este texto, no entanto toca-me de um modo muito peculiar.
ResponderEliminarO horizonte significa para mim o inatingível, no entanto, durante demasiado tempo acreditei que poderia tocar o horizonte, como representação das coisas que me proponho a fazer mesmo sabendo que são demais para mim.
Mas, se não colocasse a fasquia demasiado alta, se calhar também não alcançaria o que alcanço, descansaria olhando para a montanha sem me dar ao trabalho de ver o vale.
Se por um lado querer alcançar o horizonte encerra parte das minhas frustrações também é responsável pelos meus sucessos. O importante é saber gerir de modo equilibrado as frustrações e os sucessos.
E saber, que ainda que não se atinja o horizonte, vale sempre a pena desejá-lo, nem que mais não seja para atingir mais e mais além...
Obrigado à Malena, pois reencaminhou-me para aqui ao publicar um pequeno trecho deste profundo texto.
Beijo*
Pronúncia, obviamente cada um terá os seus horizontes. O meu texto, admito-o, é genérico mas ainda assim demasiado pessoal para me permitir responder ao teu comentário com a isenção que mereces indubitavelmente. Só por isso. Mas percebo e aceito as tuas observações. São de facto pertinentes. Como é hábito.
ResponderEliminarCatarina, bem vinda,
ResponderEliminarÉ precisamente essa visão que me não é particularmente grata. Penso que hoje em dia toda a gente quer viver o limite, todos querem exceder-se, muitas vezes sem perceberem que exceder-se quer apenas dizer que já não somos capazes de mais. E a sabedoria humana não está em saber voar, está em saber caminhar. Mas como disse à Pronúncia, o meu texto ainda assim é demasiado pessoal para ser objectivo quanto às suas observações. pertinentes, de facto. Estaríamos horas à conversa com este tema. Mas eu não sou liberal, sou marxista, logo a minha visão é mais realista e científica...
Obrigado pela visita, espero que volte mais vezes!