Ilustração Marco Joel Santos |
É cada vez mais comum dar conta das mais diversas
contradições na comunicação social. Nada que seja novo, uma vez que a
comunicação social nos dá as notícias que, por um lado, pensa que queremos
saber, e aquelas que lhe dão para nos dar a nós. Tal é assim desde o princípio
da imprensa, e nunca há-de mudar. Mas nada melhor que ter um governo demagógico
e ultra-liberal, como este que temos na União Europeia, para que as coisas
assumam contornos ridículos.
Lembro-me que aqui há uns tempos, se dizia que países
desenvolvidos, como a Holanda, não tinham TGV nem dele precisavam para nada. Agora,
pelos vistos, na Holanda, um comboio fantasma, como aquele d’Os Cinco, embateu
num comboio normal e fez uma catrefada de feridos. Era fantasma porque era um
TGV e estava na Holanda e a Holanda não precisa de TGV. Duas questões
assaltam-me à mão armada: como raio um comboio fantasma faz feridos, e como é
que um país que é do tamanho do Alentejo precisa de um TGV, ainda que fantasma?
Dir-me-ão que a Holanda, apesar de pequena, é um país
rico e pode, de facto, ter um TGV. Aliás, tendo em conta que tem um aeroporto
muito grande em Amesterdão e um porto enorme em Roterdão, o TGV faz todo o
sentido, pois pode transportar pessoas e passageiros para fora da Holanda, ou
seja, para a Alemanha. Evidentemente que o aeroporto de Frankfurt e o porto de
Hamburgo são apenas para enfeitar.
A Holanda foi o país que mais alinhou nas críticas contra
a Grécia, Portugal, Itália e Espanha, pela boca do seu primeiro ministro Mark
Rutte, por serem países de malandros que não querem trabalhar e cujas famílias
se endividaram de uma forma escandalosa. E, em abono da verdade, pelo menos no
segundo caso, quem pode dizer o contrário?
Agora que se descobriu que as famílias holandesas são as
mais endividadas da Europa, e que o défice afinal é igual ou maior ao dos países
do sul malandros e gastadores, e que o primeiro ministro holandês, um liberal
de meia tigela já foi com os porcos, é caso para dizer que bem podiam meter o
moralismo num sítio onde o sol não brilha e só não entram moscas por causa do
esfíncter.
Por outro lado, é de certa forma interessante que países
que antes não sentiam a austeridade da forma que impuseram a outros, seus correlegionários,
afinal, na desgraça da agiotagem internacional, a sintam agora. Não, não é um
sentimento de “com o mal dos outros posso eu bem” ou, pior ainda, “já que estou
mal, que todos estejam pior”. Oxalá nenhum holandês se tenha de humilhar, na
sua dignidade, como os portugueses e gregos têm feito. Oxalá não seja nunca
necessário um Programa Contra a Fome na Holanda, como parece que vai ser
implementado em Portugal.
Mas aquilo que não posso esquecer é que grande parte dos
agiotas que têm levado milhões de famílias à miséria em Portugal, na Grécia e
na Espanha é, precisamente, holandesa. E outra coisa surge disto tudo.
Ninguém nega as cavaladas, as imensas incompetências, a
irresponsabilidade dos governantes portugueses, mormente Sócrates e Cavaco. Um,
o pai das PPPs e o outro o que mais as usou. Um, o pai do crédito para a
torradeira e o outro o do crédito para o aspirador. Um, o pai do monstro, o
outro o que o alimentou. Mas convençamo-nos de uma coisa: esta crise é
europeia, senão mundial. E a culpa não é outra senão a ambição, a ganância,
a negação da sociedade, a apologia do individualismo, ao invés da sociedade, dos objectivos sociais, que somos todos nós.
Diz o esfarrapado ao roto: estás nu, pá…
O grande problema é que não há esfarrapado nem roto! Estão ambos nus!
ResponderEliminarMalena, eu penso que sim... Mas nem todos os holandeses estão nus...
ResponderEliminarPalputa -me que outras careças se irão descobrir além da Holanda! Vou aguardar pacientemente no fundo do poço.
ResponderEliminarAguarda Marco, aguarda. Mas não pacientemente. Elas vão começar a saltar...
ResponderEliminarE, com poucas palavras, conseguiste descrever de modo brilhante e acessível a crise em todo o seu esplendor e como ninguém lhe está imune, por muito alto na burra que esteja.
ResponderEliminarBoa semana Cirrus!
SDa Veiga, quem me dera poder fazer isso!!! A crise é bem mais complexa que aquilo que possa escrever em poucas linhas. A sua causa, no entanto, isso sim, posso descrever até numa única palavra: ganância. Pura e simples.
ResponderEliminarBoa semana para ti também, mas esta já começou mal...
Chegou à Espanha, será resgatada ( já estão em negação) e vai chegar aos paises que tinham a mania que eram superiores... E só chegando a esses é possivel a mudança!
ResponderEliminarTripalio, ou a mudança ou... um novo começo!
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