Ilustração Marco Joel Santos |
Há uns dias, escrevi um post que pretendia, de algum
modo, explicar o epíteto dado ao nosso governo de neo-liberal. Não talvez
explicar porque razão o governo é liberal ou não, mas antes explicar o que é o
liberalismo e porque se pode considerar que o nosso governo se encaixa nessa
corrente política ou não.
Expressei a minha opinião acerca desse assunto, e não
tenho grande pejo em afirmar que sim, o nosso governo é liberal. Nos ideais, é
claramente liberal. E só não é mais liberal porque, como é compreensível, o
liberalismo é uma tão grande utopia como foi o Leninismo, ou seja, nunca foi
implementado um sistema liberal na Europa ou em qualquer outra parte do Mundo
que funcionasse como pretendido pelos seus fundadores ideológicos Locke e Smith.
E provavelmente será impossível implementá-lo, por razões hoje tão óbvias que
nos chocam todos os dias.
Muitos preocupam-se em negar o cariz ideológico das medidas
deste governo, assumindo que o destino do país está num tal de memorando de uma
tal troika, que tanto o PS, como o PSD, aceitaram implementar em Portugal. Ora,
na verdade, quem leu o memorando? Quem sabe o que é o memorando? Quem avaliou
esse documento e sob que ponto de vista?
Eu li o memorando, nas alturas em que saiu para
conhecimento público. Parecia que estava a ler um tratado de governação de
Locke, ou um escrito de Smith ou ainda uma qualquer palestra de Max Weber ou
Landes. Só que com muitos números à mistura. O memorando é um tratado liberal. Perguntar-me-ão
então porque foi assinado por dois partidos que não são liberais? Bem, pelo PSD
é óbvio que seria sempre assinado, porque a corrente do PSD actualmente não é a
social-democracia “levemente de esquerda”, como Francisco de Sá Carneiro a
definiu na origem do partido, à imagem da social-democracia nórdica de Palme. A
actual corrente ideológica do PSD é o liberalismo. Quanto ao PS, há muito que
este partido meteu o socialismo na célebre gaveta. Com um ressurgimento medroso
nos tempos de Guterres, o PS optou descaradamente pelo liberalismo de Sócrates.
Será abusivo caracterizar o PS, actualmente, como partido de esquerda? Não sei.
No tempo de Sócrates, o PS era um partido liberal, logo assumidamente de
direita. Não por acaso surgiram dissidências importantes dentro da ala mais à
esquerda do PS. Actualmente, quem souber o que é Seguro e o que pretende este
obscuro líder de juventude partidária, me envie um e-mail, de forma a ficar
elucidado. Não foram só o PS e o PSD que assinaram o memorando. O CDS também
assinou. Mas esses já todos sabemos que são de extrema-direita. No mesmo
sentido em que chamam extrema-esquerda ao BE e ao PCP, evidentemente.
Para quem não sabe o que é, ainda, o liberalismo, e o
confunde com libertarismo ou mesmo com liberdade, Passos Coelho deu um exemplo
muito claro esta semana. No debate quinzenal no Parlamento, o governo escolheu
como tema as “medidas para o crescimento económico”. Quem levou Passos para o
Parlamento? O cada vez menos ministro Álvaro? O super-ministro, o Gaspar? Não, levou
a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz.
Porque raio um primeiro-ministro, no seu perfeito juízo,
levaria a ministra da Justiça para falar de medidas de apoio à economia para o
parlamento? É uma pergunta perfeitamente legítima, do ponto de vista da nossa
democracia peninsular e sulista-europeia. Mas relembro um dos primados mais
importantes do liberalismo: a redução do Estado à legislação, que deve
facilitar a economia. O liberalismo não acredita na intervenção do Estado na
economia. Por duas razões: porque o Estado, no caso o governo, quase sinónimos
para o liberalismo, não existe como corpo administrativo. Segundo, porque o único
regulador dos mercados são os próprios mercados, ou seja, apenas vigoram as
leis de mercado na economia. De que forma pode o Estado, ou o Governo, influir
na economia? Através da justiça, único regulador que pode ficar nas mãos do
estado, segundo o liberalismo, para além do poder legislativo puramente
facilitador da actividade económica.
Eis porque Passos Coelho levou Paula Teixeira da Cruz ao
parlamento para anunciar medidas “de crescimento económico”. Passo Coelho
assumiu, perante o país e perante quem quis ver, que é um liberal de corpo
inteiro. Depois há todo o reverso da medalha, que devia ser erradicado e não é,
que é a mama que o estado constitui para o sector privado, que levou este país à
ruína.
Noutros países, aproximações mais ou menos imperfeitas ao
liberalismo, o problema deste sistema político é sempre o mesmo: perante o
primado da economia e, ultimamente, da Finança, o estado tem de intervir
constantemente para evitar que o excesso de iniciativa privada enjeite uma
massa cada vez maior de pobres apanhados pela engrenagem. Assiste-se a isto, constantemente,
nos EUA e na Grã-Bretanha, bastiões mais aproximados ao liberalismo. Em Portugal,
o problema é outro. O problema para o liberalismo em Portugal prende-se com a
acefalite que afecta a iniciativa privada. Como as ideias para por a economia a
funcionar, pela parte do sector privado, são menos que um zero absoluto (0ºK,
ou seja, -273,15ºC, o que convenhamos, é frio comó caraças), apenas regular
pela legislação e justiça, apesar de Passos assim o desejar, é infrutífero. As reacções
dos “empresários” portugueses assim o indicaram. Não acreditavam, nem podiam
acreditar no que estavam a assistir! Pois, o liberalismo é giro, mas não
depende exclusivamente do facto de o Estado vender empresas a um sector privado
que as não sabe rentabilizar, inventando formas contratuais, posteriormente,
para poder compensar os prejuízos que esses iluminados obtêm dessas empresas. Mais
ainda, remunerar o seu mau desempenho à frente delas, garantindo
rentabilidades! Pois é, o liberalismo não é isso, caros amigos “empresários”. Isso
é só Tachismo.
Concordando em absoluto com o teu post, na minha perspectiva ele só vem reforçar aquilo que eu há muito digo... as ideologias acabaram, o que existe hoje, é ganância levada ao extremo.
ResponderEliminarA mim, sempre me ensinaram que quem contrai dívidas tem é que as pagar, Foi um dos nossos problemas. No entanto entre pagar o que se deve e a agiotagem vai um abismo... e este maldito acordo (que também li cruzado) sempre me pareceu isso mesmo... pura agiotagem.
Quanto ao liberalismo levado ao extremo (e a ganância por inerência) talvez aches interessante este documentário:
http://www.youtube.com/watch?v=GMuLSM8fojc&feature=share%27%2C%29
E a Justiça, ao contrário do que se crê, não é cega, principalmente quando aliada ao poder!
ResponderEliminar(De repente, lembrei-me tanto da Sra. Tatcher!!)
Pronúncia, não discuto ideologias, mas talvez discuta valores.
ResponderEliminarTens imensa razão no que concerne às dívidas. É preciso que quem as fez as pague. Só não sei o que tem a ver com isso o povo português. Talvez entenda se referirmos o sector empresarial privado português, incluindo Bancos - que inclusivamente já pegaram no financiamento da Troika para comprar mais dívida externa portuguesa. Estranho fado este de termos uma economia que todos sabem não gera nada a não ser offshores nas Caimão.
Malena, neste caso, não é cega nem inocente. Mas, atenção, não sei se é o que transparece no post ou não, mas Passos Coelho, pela primeira vez, portou-se à altura do que é. Num país liberal é assim que se estimula a economia.
ResponderEliminarReferia-me à Dívida pública.
ResponderEliminarE essa quem querias tu que a pagasse?! Os (des)governantes que as fizeram? Isso é que era... e gostava muito eu de ver e assistir, mas há muito que deixei de acreditar no Pai Natal...
Pronúncia, fosse todo o mal de Portugal a dívida pública e estaria tudo menos mal... Infelizmente, 70% da dívida não é pública...
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