domingo, 7 de fevereiro de 2010

NINGUÉM É DONO DA SUA PRÓPRIA VIDA

Imagem Google

Foi assim mesmo que Bento XVI se dirigiu a todos quantos quiseram ouvir, durante a celebração Angelus. O Papa aludia principalmente à eutanásia, visto estar a decorrer o primeiro aniversário sobre a morte medicamente assistida de Eluana Englaro. A notícia está aqui, e a história de Eluana pode ser consultada aqui. Mas referiu-se também ao aborto.

A questão eutanásia não é fácil, sendo uma daquelas questões fracturantes que dividem os povos. O direito a uma morte digna e ao termo do sofrimento colidem com as reservas morais daqueles que estão mais próximos da religião. Admito que a minha opinião nesta questão é clara e vai de encontro ao que penso ser o espírito humanista. Enquanto muitos desejam que os cuidados paliativos sejam cada vez mais eficientes, e embora seja evidente que eu próprio penso que tal é fundamental, tal melhoria não devia, na minha opinião, colidir com o direito ao suicídio.

Não entendo o suicídio como uma forma razoável de se terminar uma vida. Nesse aspecto, estou inteiramente de acordo com os cânones religiosos. Penso que a vida é demasiado valiosa para que se possa pensar em terminá-la. No entanto, entendo que há muitas pessoas que não pensam isso, e que encaram o suicídio como sinal de demência ou sofrimento, o que não deixa de ser verdade. Mas o caso da eutanásia é diferente. Há efectivamente pessoas a desejarem terminar com anos, por vezes, décadas, de sofrimento indescritível. E esse direito, por ser apenas seu, deve ser-lhe proporcionado. E acreditem-me, ninguém recorrerá à eutanásia de ânimo leve.

Quanto às palavras do Papa, reflectem tão somente a política oficial do Vaticano em relação a esta questão, e em nada me chocam. É apenas a outra face da moeda. No entanto, o modo como as coisas são ditas conta muito. Para mim, contam mesmo muito. E, mais uma vez, Bento XVI foi infeliz. Raramente este Papa é feliz quando abre a boca, diga-se de passagem. A maior parte das vezes diz alarvidades do tamanho deste mundo. Mas como já é de provecta idade, temos de lhe dar um desconto. Este "ninguém é dono da sua própria vida" é arrepiante. Não porque não tenha razão quando se dirige aos crentes, pois os crentes católicos (alguns deles, evidentemente) entregam todas as desgraças que lhes acontecem nas mãos de Deus e do Diabo, por forma a serem desculpados de todas as atrocidades que presenciam e pelas quais muitos são responsáveis. É uma forma interessante de encarar a vida, pois torna-os quase completamente irresponsáveis perante a sua própria existência, já que foram criados por Deus, viveram segundo as cruzes que Deus lhes deu e morrem por vontade de Deus. Logo, a sua responsabilidade nesta coisa toda que é a vida é muito limitada.
Mas Bento XVI diz "Ninguém". É evidente que tem razão, se olharmos para tudo o que nos pode fazer o simples azar, as coincidências, a sorte ou a própria natureza, coisas contra as quais podemos fazer pouco. Mas, em última instância, em última perspectiva e sendo dono das minhas faculdades mentais, queira desculpar-me, sr.Papa, mas a minha vida pertence-me e dela farei, sempre que as circunstâncias o permitirem, o que muito bem entender. A minha vida não é de Deus, ou do Diabo, nem mesmo da sorte ou do azar. Isto porque as primeiras são desculpas de mau pagador e as segundas fazem-se, trabalha-se de forma a evitar o azar e a conquistar a sorte.
Penso que estas palavras são de cariz medieval. Nessa altura, as vidas dos servos eram dos senhores, as dos senhores eram dos Reis e as dos Reis eram da Igreja e do Papa. Acordem Bento XVI, penso que ele está a sonhar com os gloriosos dias negros da Inquisição. Desde que entrou para Juventude Hitleriana, pelo menos e senão ainda mais cedo...

19 comentários:

  1. Belissimo texto. É um tema muito complicado situa-se na fronteira entre a vida e o sofrimento, entre o continuar de uma angústia ou o términus da mesma. O problema é que nunca se sabe se essa vida em sofrimento pode ou não recuperar e nós pensamos sempre que isso pode acontecer quando estamos de fora. É uma decisão muito pessoal que não creio que alguém se possa referir à dos outros, embora este Papa seja uma figura que não gosto penso que o objectivo será o de não se terminar a vida duma forma leviana. Talvez seja isso.

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  2. "Raramente este Papa é feliz quando abre a boca". Nem mais! Quanto à eutanásia, é um tema complexo, sobre o qual tenho reflectido bastante no meu pós-exame de Ética. É complicado, muito complicado! Se por um lado entendo perfeitamente quem considere que a vida é demasiado preciosa para acabar com ela voluntariamente, imagino-me também numa situação desesperada, sem qualidade de vida ou sequer condiçoes de fazer seja o que for (incluíndo suicídio) e ter que depender de outros até para acabar com a vida de sofrimento a que não posso escapar.*

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  3. Forte, precisamente. Admito perfeitamente ser um dilema interessante em termos éticos e nada fácil de decidir.

    Quanto ao nosso amigo, ele fala como se todos lhe devessem obediência, mas devia lembrar-se que isso da Igreja ser universal já foi chão que deu uvas. Mesmo assim, admito que tenha sido de boa-fé.

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  4. ADEK, eu penso ser triste quando se chega a um ponto em que nem o suicídio é possível. Deve ser o derradeiro beco sem saída. Nem me quero imaginar numa situação dessas, mas acredito plenamente que, se estivesse verdadeiramente lúcido, optaria pela eutanásia. Mas a questão não é sermos a favor ou contra, a questão é ela ser permitida ou não. Penso que é daquelas coisas que deviam depender apenas do próprio.

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  5. É tão digno viver como querer morrer.

    Um filme que retrata a maneira de ver a eutanásia é "Mar Adentro", de Alejandro Amenábar:


    http://www.youtube.com/watch?v=PxXb_YZ-CQI

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  6. Cirrus

    um desafio para ti lá no Continuando assim...

    bj
    teresa

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  7. Mais um texto fantástico.
    Em relação à eutanásia não a comparo a um suicídio propriamente dito, porque quem a ela recorre, fá-lo após anos e anos de sofrimento devido a doenças ou incapacidades permanentes e não porque apenas não lhe apetece continuar a viver... É um assunto delicado pode ser visto de diversos prismas.
    Em relação ao nosso "querido" bento, o que ele diz realmente em nada me afecta, já deve ter passado do prazo de validade... a reforma deve (ou devia) estar para breve... ahahahahah se fosse isso possível...

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  8. Dylan, não concordo inteiramente contigo, pois depende do contexto. Neste contexto, o da eutanásia, tens inteira razão. Já conheço o filme.

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  9. Teresa, vou inspeccionar...

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  10. Ana, é evidente que a eutanásia é um tipo de suicídio, mas num contexto totalmente diferente da maior parte dos suicídios. É o cenário da impotência total e o do sofrimento excruciante. Não me choca. Pelo contrário, penso que em alguns casos é mesmo a última e única saída.
    Quanto ao Bento, continua a achar que todos lhe devem obediência. Nem todos são católicos nem sequer religiosos. Para esses, pode falar como bem entender. Para os outros, que também existem neste mundo, podia ter um pouco mais de respeito.

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  11. Não tenho medo da morte, mas tenho um enorme pavor de um dia ter que depender dos outros para poder fazer as coisas básicas da vida.
    Por isso, compreendo perfeitamente quem defende e pede para si a eutanásia.

    Se deveria ser legalizada?! Sim, devia!
    Seria uma opção para aqueles a quem apenas a morte pode aliviar o sofrimento...

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  12. Pronúncia, tocaste num ponto muito interessante e que até aqui ficou em branco: e os outros? Será que o fardo não se multiplica?

    Sim, claro, estamos a falar de legalização e não de estarmos a favor ou contra. Penso que em teoria somos quase todos contra. Na prática, e acontecendo connosco, deve ser reconfortante saber que o poderemos fazer.

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  13. Cirrus, respondendo à tua pergunta. Analisando friamente, sim, o fardo multiplica-se. Mas se analisarmos pelo ponto de vista sentimental, há quem prefira esse fardo à perca do ente querido.
    Logo, a multiplicação do fardo é subjectiva. Depende muito de quem trata e de quem é tratado.

    São escolhas difíceis, que afectam imenso quem têm que as fazer e quem têm que as aceitar. Diria que quem toma essa opção é porque é a favor, mas quem assiste a ela é naturalmente contra...

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  14. Pronúncia, eu diria que não obrigatoriamente. Ninguém fica contente com uma situação destas, obviamente. Mas penso que os familiares destes doentes, muitas vezes, sentem que o melhor é acabar com o sofrimento do ente querido. Acabam por ceder à sua vontade. E normalmente compreendem e aceitam bem esse facto. Isto apenas porque estão diante do sofrimento e sabem.

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  15. raio de janela para comentários.... tens de meter isto em pop-up ou algo do género, ainda não consigo comentar nos posts se for a primeira.... :/

    quanto ao desafio amanhã respondo... :P

    só uma coisa, tb tnh medo de alturas e aranhas... mas agora tu, cirrus, ter medo de um bichinho tão pequenino... :P

    eu sou gaija ainda se compreende... :)

    eu sei, eu sei, é irracional... :)

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  16. Ana, já podes experimentar. Quanto aos medos, são irracionais. Não me ponho em fuga sempre que vejo uma aranha, mas não lhes tenho particular afeição. As alturas... Adoro vistas largas de sítios altos, desde que não olhe para baixo. Congelo de imediato. Já voar não representa problema, desde que dentro de um avião ou heli.

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  17. Cirrus, não confundir o credo com a instituição. Eu considero-me com bases Cristãs (entre outras) mas sou totalmente a favor da Eutanásia.

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  18. Garcia, com bases cristãs fomos todos criados. Isso não invalida que não sejamos cristãos no sentido em que Bento XVI quer que sejamos. Penso que nem tu nem eu fomos feitos para isso. E este é um excelente exemplo. Como podemos ser bons católicos se numa questão destas discordamos inteiramente do que diz a Igreja e o Papa? É que se instaurou, aqui há anos um conceito vazio de significado, que é o de "católico não-praticante", coisa que obviamente não existe, equivale a dizer que somos, por exemplo, vendedores de carros sem nunca termos vendido nenhum! Por isso digo, e reafirmo, que Bento XVI pode e deve afirmar que nenhum católico é dono da sua vida. Aceito, embora ache discutível. Não pode é aplicar a mesma receita a todos.

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  19. Cirrus, sem dúvida que isso acontece, por isso ressalvei que cada caso é um caso e depende muito dos intervenientes... o que para uns pode ser um fardo para outros poderá não o ser!
    Questão muito delicada e que diz muito respeito ao foro mais íntimo de cada um. São sentimentos o que mais está em causa e daqueles que quase não deixam lugar à razão...

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