quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A RAPOSA

Foto Google
A raposa é um animal. Não é uma pessoa. Mas pessoas há que são como as raposas. Ao contrário do lobo, que caça em matilha e caso não tenha as costas quentes, pouco ou nada sabe fazer, com uma inteligência limitada àquilo que consegue caçar para sobreviver, a raposa caça só. Não precisa de ninguém. É independente, e aproveita todas as oportunidades para melhorar o seu pecúlio. A raposa, dada a sua graciosidade e beleza, consegue fazer uma coisa extraordinária: consegue roubar e mesmo assim parecer bela, nobre, quase apreciada no roubo. 
O pacote de medidas apresentadas pelo Governo que estarão presentes na sua proposta de Orçamento para 2011 é uma obra feita por lobos esfaimados e encurralados, cujo raciocínio é toldado pela desespero. Foi apresentado, no entanto, pela sua prima direita, a raposa, canídeo de direito que, já se sabe, tem uma graciosidade diferente. Impressionante a forma como os lobos se mantiveram encurralados depois de baterem com o focinho na trave e nada conseguir comer, e a raposa, que comeu que se fartou, ameaça escapar incólume. E mais, com a sua figurinha bem realçada, pois toda a culpa da confusão na capoeira foi da alcateia esfaimada.
Quando, há cerca de 3 meses (!) foi anunciado o chamado PEC 2 (já tinha sido apresentado um PEC 1, que na prática não era nada), tanto o PS como o PSD convenceram o país de que as medidas então tomadas eram absolutamente necessárias para a sobrevivência da capoeira. É de lembrar a atitude do lobo, que então pediu desculpas às galinhas por as devorar. Pois bem, passados 3 meses apenas, o PEC 2 não serve, a OCDE veio a Portugal a mando do FMI ( OCDE - Organização Começo Do Enrabanço; FMI - Foste Mesmo Inrabado), mandou uns bitaites e vai disto, a raposa anuncia as medidas que levarão à recessão e à diminuição do nível de vida de cada português. Não sei se as galinhas vão ser devoradas com ou sem cacarejos, sei que serão devoradas de qualquer maneira.
É bem verdade que os mercados não perdoam dívidas. E a nossa capoeira tem a dívida que tem e não outra. É bem verdade que o poder não está na finança, pelo contrário. O poder alimenta-se apenas dela. Poder não é poder comprar, mas sim decidir o que o outro deve ou não, pode ou não, comprar. Isso é poder. Não confundir com o instrumento do mesmo, a finança. Por esta altura, é óbvio para toda a gente que o sistema falhou. Falhou. Não por ser como é, mas por ser manipulado como foi. Não há sistemas maus, há pessoas más. Com poder. E quem pode manda em quem não pode. E porque razão é que quem pode havia de dar algum poder a quem não pode? Por caridade? E porque é que há galinhas que pensam que este sistema, dominado pelas raposas deste mundo, é óptimo e continuam a apoiá-lo resolutamente?  Se não pagarmos a dívida da capoeira, que nos acontece? Penhoram o país? Pois, com certeza... Não, provavelmente teríamos de viver apenas com o que produzimos internamente. Mas como produzir ovos se vendemos as galinhas todas? Como quer a capoeira sobreviver quando todos os dias há galinhas que deixam de pôr ovos e se tornam apenas concubinas do caseiro?
Privatize-se. A água, a energia, tudo o que dá lucro. Nacionalize-se as coisas boas, que necessitam de protecção, como o BPN. Aliene-se toda a receita do Estado, dê-se tudo, vendam-se as galinhas que põem os ovos de ouro. Depois, exija-se que esse mesmo Estado tenha dinheiro para pagar as suas despesas. E se não tem dinheiro, que se endivide. E que corte na despesa. E corta-se. Desçam-se aos médicos, professores, militares, técnicos de toda a espécie que trabalham no Estado, 10% dos seus salários. E dêem vivas aqueles que não trabalham no Estado. Por pouco tempo. O mesmo vai acontecer a todos os outros. Porque o privado segue as indicações do estado. Particularmente quando é para descer. Menos dinheiro, menos compras. Menos compras, menos negócio. Menos negócio, menos empresas a sobreviver. Menos empresas a sobreviver, menos impostos a cobrar. Menos impostos a cobrar, menos cobertura da despesa, menos cobertura da despesa, mais cortes...
IVA a subir, preços mais caros. Com menos dinheiro ao fim do mês, e preços mais caros, menos compras, menos, menos, menos... IVA incomportável, mais fuga ao pagamento do mesmo, menos receita, menos, menos, menos... Mais impostos, menos dinheiro na carteira, menos consumo, menos poupança, menos financiamento interno dos Bancos, mais financiamento externo, mais dívida, menos condições financeiras, menos, menos, menos... Mais impostos, menos dinheiro, menos consumo, menos negócio, menos empresas, menos emprego, menos dinheiro, menos consumo, menos, menos, menos... Espantoso este ciclo, acaba sempre em mais cortes. Mas nem todos estão tristes. Alguns estão contentes. Aqueles que ninguém ousa enfrentar, aqueles que levaram a esta situação desde 83, desde a última intervenção do FMI. Neste tempo de democracia, 36 anos de Governos, distribuídos por 20 anos de esquerda rosa e 18 de direita laranja, o que ganhou este país? Ganhamos uma coisa em quantidade industrial: aposentados de luxo. Muitos governos, muitas reformas, muitos altos funcionários do BP, enfim, nisso, pelo menos, somos recordistas. Mas nisso ninguém tem a coragem de cortar...
Voltando ao zoo e à capoeira, a raposa veio hoje apresentar o início da degola do resto das galinhas que ainda sobreviveram. Mas ao mesmo tempo, o seu encanto não desaparece, pois o culpado é o lobo. O lobo, que evoluiu rapidamente para a condição de asno, caiu na esparrela. E vai continuar a cair. Não percebeu ainda que, ao contrário da raposa, que captura discretamente na capoeira uma galinha de quando em vez, a sua gula, que ousou anunciar, e que o leva à limpeza da capoeira de uma vez, o leva a parecer o culpado pelo crime. A raposa leva a sua parte, afasta-se discretamente, deixa os lobos encurralados na capoeira. A culpa é dos lobos! E é. Mas não só. É culpa da astúcia da raposa e da gula do lobo. E se o lobo cai em si e rejeita a sua natureza e não limpa a capoeira, a raposa reaparecerá, depois de fazer de morta durante uns tempos, para pilhar uma galinha de cada vez. E até vai cuidar dos ovos, pois sabe que só pode alimentar-se indefinidamente com novas galinhas, bem criadas e gordas. E o lobo continuará a penar.
A pergunta impõe-se: onde anda o cão de guarda que possa pôr as raposas e os lobos fora da capoeira de vez? Porque não canta o galo?

16 comentários:

  1. Sabes o que é que mais me entristece?!

    É saber que até tínhamos a galinha dos ovos de ouro, mas alguém a resolveu matar, porque lhe apeteceu... canja!

    (A ouvir Pigs?!... não podias ter escolhido melhor)

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  2. Pronúncia, nós tínhamos muitas galinhas dos ovos de ouro. Privatizámo-las todas.

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  3. Quanto ao Pigs, duas razões, que já sabes bem quais são...

    ;)

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  4. Cirrus, não me referia só às galinhas que foram privatizadas. Referia-me às que foram sendo desmanteladas e às poucas que ainda vão restando, e não sendo privatizáveis vão penar, ou melhor vão ficar depenadas!

    Duas boas razões ;)

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  5. Pronúncia, pois... Mas alguém pagou a alguém para que mandasse alguém desmantelar essas galinhas, para que alguém na terra de alguém pudesse ganhar dinheiro com alguém... fiz-me entender?

    Sim , são boas e não são musicais. Essa seria a terceira...

    ;)

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  6. Friend, a vaselina deve estar isenta de IVA, quase de certeza.
    Não sei o que dizer, o desânimo é tal que só me apetece adjectivar e conjurar.

    Quanto ao cão de guarda, temo que seja, dos canídeos, a espécie mais ameaçada.

    Abraço.

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  7. Cat, seremos todos atingidos, mais tarde ou mais cedo. Tu... és mais cedo...

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  8. Sugeria o Bobby do Pinto da Costa, mas lembrei-me que o gajo é ligado ao partido da Raposa.

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  9. Olha.... nem sei que dizer...
    ando tão farta disto tudo que só me apetece desistir de estudar para poder ir trabalhar...
    vou levar uma cacetada enorme na bolsa, já para não falar que o aumento do custo de vida vai provocar em muita gente, eu incluída, um desespero muito grande.
    a minha sogra tem 70 anos. viveu no período do pós-guerra. e diz que nunca se viu em tal situação como a que vive hj... e eu tnh de concordar que ela está certa.
    o problema, cirrus, é que pessoas desesperadas não levantam ondas, porque têm medo de perder o pouco que têm. eu penso que o maior poder não está nas finanças mas no medo que raposas e lobos provocaram nas galinhas... pararam todas de piar...

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  10. Esta galinha cacareja há tanto tempo que já está rouca, mas espero que comecem mais a juntar-se - pode ser que acordem o cão, seja ele quem for, e o façam "cantar de galo"!!!

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  11. Anne, não diria tanto. A tua avó está a ser exagerada. Quando ela tinha 20 anos, vivia, com toda a certeza, pior do que agora. O problema é que agora tem 70...
    De qualquer forma, começa a regressão. Até onde, ainda não sei.
    E sim, se vires o que está escrito no texto, o poder não está na finança, está no acto de controlar vontades.

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  12. SDaVeiga, está a entrar no espírito. Aconselho-a vivamente a ouvir o Animals. Verá que o que está escrito há 32 anos se cumpre agora.

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  13. Cirrus, perfeitamente... basta atenção e conseguimos distinguir um alguém do outro alguém.

    Sejam então 3 razões...

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  14. Salvador, isso então seria juntar a fome à vontade de comer...

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  15. cirrus, não acho que a minha sogra esteja a exagerar. porque realmente estamos a passar por momentos extremamente maus...
    a pobreza de agora é diferente que a pobreza de antigamente. no entanto, não deixa de ser pobreza, cirrus.
    e eu posso dizer que, em 10 anos e apesar de já ter passado por mt, nunca me vi numa situação tão má como agora.
    pode ser exagero para ti, mas para ela ter de deixar de tomar os seus medicamentos para a diabetes porque não tem dinheiro para os comprar é porque realmente a situação está para além de má.
    ela podia viver pior no sentido de que hoje há mais comodidade, mas isso não significa que não existam problemas talvez com uma dimensão e gravidade maior. uma coisa é certa, antigamente, bastava um pouco de terreno que se conseguia cultivar algo para comer.
    hj em dia, se não tens dinheiro não comes...

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  16. Anne, é uma verdade. Não quis desmerecer a senhora. Mas lembra-te que quando ela tinha 20 anos, não tinha diabetes. E lembra-te que essa conversa do terreno e plantar umas couves e tal também é verdade. O problema é que antigamente ninguém tinha um terreno para plantar couves, os terrenos tinham donos, e eram invariavelmente poucos e sempre os mesmos.
    A situação é grave, é. Ninguém diz o contrário. Mas não comparemos aquilo que não tem comparação. Antigamente havia fome em Portugal. Hoje também há? Não duvido. Mas não duvido que antigamente havia muito mais.

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