quarta-feira, 27 de abril de 2011

MAIS SOCIEDADE


A proposta do grupo Mais Sociedade é interessante. Este grupo de reflexão, através do qual o PSD (Partido Sem Direcção) deseja ver definido o seu programa de governo, tem tido de facto ideias muito boas. A última, a de se deduzirem as prestações de subsídio de desemprego às futuras (?) pensões, é uma proposta interessante.
Não vou negar evidências. Há pessoas que estão no Fundo de Desemprego não porque se recusem a trabalhar, mas sim porque infringem a Lei ao trabalharem, para além de estarem no referido Fundo. Ou seja, aproveitam a oportunidade de receber, ao fim e ao cabo, dois ordenados com um emprego. E também há, sejamos justos, gente que simplesmente ganha mais no Fundo de Desemprego que a trabalhar, e por isso se escuse a fazê-lo.
O perigo da proposta é considerar, logo à partida, que um desempregado está numa destas duas situações, e não que está desempregado porque, simplesmente, ficou sem trabalho e não consegue encontrar outro. Ou seja, um desempregado é um alvo a abater, não uma pessoa a ajudar. Compreendo que as prestações de desemprego sejam um peso considerável nas contas do Estado e da Segurança Social. Sou pela redução do tempo de subsídio e até posso aceitar, dentro do meu julgamento e opinião, arranjar espaço para a redução progressiva do montante a subsidiar, particularmente em casos de gente mais jovem. Até compreendo e aceito a redução das prestações no seu montante, que não deveriam ultrapassar o ordenado mínimo nacional, já que se trata de uma ajuda numa situação excepcional e não de um meio de subsistência com o qual se deva contar indefinidamente. Concordo ou aceito tudo isso.
Concordarei, inclusivamente, que o tempo passado no Fundo de Desemprego, para além dos seis meses, possa não contar como tempo de trabalho para efeitos de reforma. Posso aceitar, na minha opinião, que os montantes auferidos nesta situação não entrem para o cálculo de pensão. Tratar-se-ia, aqui, e essencialmente, de medidas correctivas, duras por certo, mas indubitavelmente justas e incentivadoras do “faz-te à vida”, que muitas vezes é inibido pela situação de desempregado com subsídio. Tudo isto são ideias que não me repugnam. Mas será que tudo isto tem em conta que o desemprego actualmente já não é, infelizmente, uma situação excepcional? Por outro lado, não será perigoso implementar um sistema que incentivaria cada vez mais os empregados a trabalharem sem efectuar os devidos descontos?
Mas há outras questões a considerar. Proporia, desde já, que qualquer licenciado numa Universidade do Estado, caso esteja a trabalhar numa função que não exija as suas qualificações, e seja resultante da pressão originada pelo desemprego, lhe veja devolvidas todas as despesas de educação havidas com a sua formação superior. Este valor seria integralmente suportado pelo Estado, e progressivamente pago pelo empregador ao referido Estado, numa razão de 20% ao ano. Se, ao fim dos cinco anos, o licenciado continuasse a trabalhar em função que não requeresse formação superior, o valor reverteria integralmente em favor do mesmo. Caso contrário, e comprovando-se o seu aproveitamento para novas funções mais qualificadas (e consequentemente mais bem pagas, digamos num mínimo de 175% do ordenado mínimo, restituiria o valor, à mesma razão de 20% ao ano, ao empregador. Porque defendo uma proposta destas? Para impedir que propostas como as que aceitei lá mais acima obriguem toda uma classe profissional qualificada a aceitar sem reservas qualquer emprego proposto por qualquer empregador. Dar valor a quem o adquiriu com o seu esforço. Ou há valorização do mérito, ou então comemos todos!
A proposta de diminuir as pensões futuras consoante as prestações recebidas pelo Fundo de Desemprego é, no entanto, completamente imoral. Um desempregado que tem direito ao Fundo já descontou para a Segurança Social. Conquistou esse direito com o seu trabalho, ninguém lhe está a dar uma esmola, estão apenas a ajudá-lo a encontrar novo emprego, e não a fazer qualquer tipo de favor. Podem ser valores mais baixos? Penso que sim. Menos tempo? É provável. Além disso, a situação de reforma nada tem a ver com o desemprego, uma vez que supostamente um reformado é uma pessoa que deixa de ser válida para o mercado de trabalho (e ao contrário do que se diz, deixa mesmo), e um desempregado é uma pessoa válida que vale a pena reinserir no mercado de trabalho o mais depressa possível.
Proporia igualmente que qualquer beneficiário que fosse comprovadamente fraudulento (trabalhasse e recebesse Subsídio simultâneamente), fosse obrigado a devolver todos os subsídios à Segurança Social e integrado, por um período de não menos de três meses, nos quadros de pessoal da sua Junta de Freguesia, onde prestaria trabalho no mínimo vinte horas semanais, sem qualquer vencimento, embora com direito a que lhe prestassem subsídio de refeição estipulado pela Lei; as quatro horas remanescentes do dia teriam de ser comprovadamente passadas a procurar emprego, e em caso de sucesso, deixaria de ter a imposição de se apresentar na Junta. A entidade ou entidades que tivessem empregado ilicitamente o trabalhador em causa, não lhe retendo impostos nem descontos para a Segurança Social, sabendo ou não que este usufruía de Subsídio de Desemprego, seria obrigada a pagar ao Estado o montante correspondente à máxima remuneração estipulada por Lei (Presidente da República) e referente ao período de incumprimento, que se deduziria sempre ser desde o início das prestações. Justo? Penso que sim. É que toda a gente pensa nos tais desempregados que têm afinal emprego e recebem o subsídio ilicitamente. Ninguém pensa que alguém está a meter dinheiro ao bolso ao pagar-lhe esse ordenado. E não é pouco, é mesmo muito.
Porque não avançar com medidas moralizadoras? Avance-se. Mas avance-se para a sociedade. Fazer-se do desempregado e do empregado o alvo a abater terá, inexoravelmente, o efeito contrário ao desejado. Teremos cada vez mais uma sociedade amorfa, sem ambição, apenas com medo, apenas pressionada a sobreviver e não a viver uma vida que é a sua, condenada a viver de restos. E restos, meus amigos, não são comprados nem vendidos. Restos não fazem funcionar uma economia. Uma economia precisa de retribuição para ser saudável. Sem consumidores, não há economia. E por muito cliché que seja dizer isto, não é do consumo dos ricos que vive uma economia de um país, seja ela de que tamanho for.

Eusébio Santos

10 comentários:

  1. Bonito, mas muito estranho. Uma realidade dura. Nesse sentido já deixei de resmungar ou até mesmo de tentar entender. Os subsidios, o fundo de desemprego hoje em dia é como tudo. Quem mais precisa nada tem. Desculpa, mas este tema é no minimo frustante para mim.

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  2. Maxx, acredito que sim. Também eu já passei pelo Fundo de Desemprego. No entanto, julgo que seriam propostas construtivas. Houvesse vontade de introduzir alguma justiça no sistema.

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  3. JJ, não percebo estrangeiro...

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  4. Num país em que muitos aceitam fazer seja o que for por um vencimento de miséria, em que sobra mês à maior parte das pessoas, a preocupação com este detalhe parece-me,no mínimo, absurda...

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  5. Malena, não me parece absurdo. Há abusos que urge extinguir. E não é uma sociedade com sentido cívico, bem pelo contrário. Por isso me parece ser importante moralizar os sistemas.

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  6. É uma questão complicada, porque cada caso é um caso. Não acredito que a maioria das pessoas que se encontram a receber o subsídio de desemprego o façam por gosto, antes pelo contrário, mas que os há, também há...

    O limitar o tempo de subsídio é uma medida com a qual não concordo, quando aplicada àquelas pessoas que são demasiado novas para se reformarem e demasiado velhas para conseguirem facilmente outro emprego.

    Não concordo com a medida que aplicarias aos licenciados a trabalharem fora da sua área de licenciatura. Por duas razões:
    - o custo de um licenciado não é só o que o próprio paga para se formar... especialmente nos cursos tecnológicos, o custo real da formação de uma estudante é muito superior ao que ele paga;
    - as pessoas têm que ser responsáveis quando escolhem este e não aquele curso. Há cursos muito giros e tal, mas que são um bilhete de ida (sem volta) para o desemprego. Aqui o Estado tem a sua quota de culpa por permitir que determinados cursos continuem abertos.

    Associar reforma e desemprego parece-me no mínimo imoral.
    Eu apostaria mais fiscalização, e quem fosse apanhado a prevaricar ter que pagar caro e bem caro a prevaricação... as pessoas sempre pensavam duas vezes antes de tentarem enganar o sistema.

    Grande verdade a parte final do teu post... sem consumidores não há economia... é o mesmo que tentar fazer omeletes sem ovos, mas há quem insista e continue a tentar...

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  7. Pronúncia, o custo de um curso é superior ao que se paga, é bem verdade. No entanto, é o que se paga que sai do bolso, não mais nem menos. O resto, como sabemos, é dos nossos impostos que sai.
    Quanto aos cursos, depende do que estejas a falar. Se me disseres que um curso de História da Arte é um bilhete para o desemprego, até posso concordar. Mas não devia, não é? O Estado tem culpa, sim senhor, mas de não dinamizar esses sectores. Não são as pessoas que têm culpa. Por outro lado, a valorização curricular nunca fez mal a ninguém. E todos têm direito, por enquanto à educação e formação. Não podemos forçar as pessoas a escolher cursos de que não gostam. Até porque dão maus profissionais. Não há lugar para elas trabalharem? Talvez, mas a culpa nem é delas nem do Estado no sentido de criar o curso. Devia haver.

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  8. No essencial concordo com, quase, tudo.
    Discordo apenas na devolução dos valores gastos na formação superior em caso da mesma não estar a ser aplicada. Seria mais uma intervenção do Estado, num país onde ele já intervêm demasiado, subsidiando a procura do emprego certo. Numa economia livre o mercado de trabalho equilibra-se pela oferta e procura, no entanto em Portugal temos uma economia mista, com os sectores chave (energia, banca, transportes e comunicações) a serem monopolizados pelo Estado, o que inibe esse mesmo equilibrio.

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  9. André, bem vindo.

    Discordo, com toda a certeza, da sua visão da intervenção estatal. Mas aceito-a. Temos de ser construtivos e nesta altura mais ainda.

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