A Europa, já sabemos, vive uma crise sem precedentes. E se é bem verdade que politicamente o projecto europeu nunca passou de uma crise permanente, configurando um cenário de recuo e avanço permanente, não é menos verdade que se fizeram progressos ao longo de um caminho por vezes tortuoso.
E mesmo faltando à Europa cumprir o seu projecto geopolítico, visando essencialmente manter o território no topo do desenvolvimento humano, não é menos verdade que a União funcionou, em termos económicos e ao longo dos anos, com alguma fluidez, a todos assegurando que o futuro se apresentava, se não risonho, pelo menos progressivamente melhor que o passado. Mas foi pura ilusão.
O desejo europeu de fazer parte do grupo dos líderes mundiais a nível económico depressa levou a uma cada vez maior envolvência em questões laterias de carácter financeiro, num jogo virtual da pirâmide, apontando sempre para cima, tendo como referência Wall Street e os seus loucos negócios virtuais em que o dinheiro movimentado, pura e simplesmente, deixou de ser real. A bolha rebentou nos EUA e estendeu-se de forma imediata a uma Europa cuja idade relativa parecia assegurar uma dose de realismo que, afinal, já não existia. A pirâmide colapsou porque os seus alicerces estavam fundados em princípios errados. E espera-se agora que a velha Europa, antes ajuizada e vetusta, tenha aprendido a lição que os adolescentes americanos parecem ter assimilado com mais ou menos profundidade.
Mas nem todos os erros europeus se cingem à política financeira. A política económica persiste no erro britânico do mercantilismo. A abertura de fronteiras entre os estados europeus levou, num assomo estonteante de liberalização, que se abrissem fronteiras ao resto do mundo. A globalização explica o facto, mas este também é explicado pela procura de novos territórios económicos, a procura de locais onde os europeus pudessem produzir os seus produtos a preços mais acessíveis, restando à velha metrópole o trabalho de gestão e distribuição de dividendos.
Depressa a política de deslocalização para países como a Índia, a China, os tigres asiáticos e outros similares mostrou a sua dupla face: deixamos nestes países o know-how, ao mesmo tempo que questões mais ou menos mesquinhas de política palaciana privavam as empresas europeias da exploração do seu investimento. Hoje, são esses países que ditam as leis da produção à Europa, a China e restantes países do extremo Oriente como fábricas do ocidente, e a Índia como o gigantesco call center mundial.
A solução encontrada pelos europeus não é de fácil execução. Na opinião da maior parte dos analistas europeus, e consequentemente dos seus políticos, há que cortar na despesa, seja de que maneira for, nem que seja à custa dos cuidados de saúde, da educação ou mesmo dos salários. É necessário aumentar a produtividade, aumentando tempo de trabalho, tanto semanal como de vida, diminuir regalias e salários, cortar nas despesas sociais. Temos no nosso país políticos que já acordaram para esta realidade. E a realidade, aos seus olhos, é simples: se a China produz e exporta os seus produtos com base no seu baixo custo, há que fazer o mesmo na Europa. Sendo assim, começamos a comparar-nos com países que todos os dias violam os mais vulgares direitos humanos. A solução não está na elevação da China e demais países que referi a um mais condigno nível de vida, nesta altura notoriamente sub-humano. A solução, para estes políticos, está em baixar o nível de vida europeu até ao chinês ou indiano.
E perguntar-me-ão se tenho solução melhor. Tenho, mas não seria a mais bem vista por muitos apologistas da globalização. E qual é ela? No fundo, e entre muitas intrincadas facetas técnicas que para aqui não são chamadas, é a resposta a esta pergunta: é a Europa obrigada a aceitar ser inundada por produtos produzidos através de condições de trabalho sub-humanas? E a resposta até é simples, na minha opinião. E sou de opinião de que não, não é obrigada. A Europa é um espaço de liberdade, mas também de abundância. Somos dos poucos espaços económicos no mundo que pode orgulhar-se de ser auto-sustentável. Não devemos obrigações a ninguém, muito menos a quem espezinha a condição humana até ao nível dos porcos nas pocilgas.
Tenham paciência, está quase a acabar. A Europa não parece convencida desta solução, a de fechar as fronteiras a todos os produtos que sejam produzidos com recurso a violações de direitos humanos ou atropelos éticos de toda a espécie. Contudo, há sinais de que as coisas possam estar a mudar. O Fundo Soberano Norueguês acaba de excluir uma empresa israelita e outra malaia por considerar que ambas cometeram ilegalidades ou imoralidades do ponto de vista ético. A primeira, por estar envolvida na construção de colonatos israelitas em territórios expropriados a palestinianos, acção que o FSN pensa ser contrário às resoluções da ONU e à Convenção de Genebra. A segunda, por potenciar o desmatamento a que as região de Sarawak e Guiana estão sujeitas, acção que o FSN classifica como violação extensa e repetida das regulamentações para o sector. O FSN gere 353 mil milhões de euros em participações e elimina, regularmente, destas participações, empresas cuja conduta moral e ética esteja abaixo do standard esperado.
E espero que seja este o caminho que a Europa tome. É necessária coragem? Sim, sem dúvida. Mas quem já passou pelas provações que este continente já passou, seria um passeio no parque.
Conhecem, por exemplo, as lojas de sapatos Catwalk? Trata-se de uma reputada marca de calçado. Os sapatos são produzidos na Índia e vendidos a preços altos, embora competitivos para os standards europeus, tendo em conta que se trata de uma marca de reputação sólida. Eis uma loja:
E agora, eis a fábrica, na Índia:
Pergunto a todos os que tiveram a paciência de ler este post:
É isto que querem para os vossos filhos?
PS: Foto Google, Fotos Catwalk gentilmente cedidas pela blogger Pronúncia do Norte. Obrigado
Bem... para quê ler a Visão, se o posso ler aqui? ))
ResponderEliminarA Noruega é farinha de outro saco, e a União Europeia devia seguir o seu exemplo. Mas que União Europeia é esta, que permite a falência da quase totalidade do têxtil do Vale do Ave, por ex, porque as suas empresas não conseguem competir com empresas dos Países que citou (e esse exemplo da fábrica da Catwalk é brutal). Mas mesmo dentro da UE temos esse problema: Roménia e Bulgária ainda trabalham mais barato do que nós, e as multinacionais, depois de receberem milhões de incentivos aqui, fecham as portas e vão para lá e acabam por receber mais milhões. Acredito que o modelo capitalista está condenado, e que ainda há-de surgir algo a meio caminho entre o Capitalismo e o Comunismo. E até poderia funcionar... afinal no meio está a virtude.
Não. não é nem nunca será esta a Europa que eu quero para a minha filha, muito menos o Portugal em que vivemos hoje.
ResponderEliminarNão podias ter escrito de forma mais concisa e clara e acabo por concordar contigo que só através de medidas duras e fundamentadas a situação poderá se alterar...
mas eu sou uma optimista por natureza, penso que apesar da tempestade que se avizinha, vamos sair mais fortes enquanto indivíduos. Teremos de nos relembrar da força que este país tem, daquilo que fomos mas, mais importante, daquilo que podemos ser. Não podemos depender mais das glórias do passado e sim triunfar no futuro, com uma sociedade mais justa, mais digna.
e só se consegue isso com muito trabalho, suor e acima de tudo, dedicação por nós.
bom post... :)
e já agora VIVA O BRAGA!!!! :P
Cirrus, há muitas coisas que os países nórdicos nos podem ensinar. Haja vontade em aprender.
ResponderEliminarO problema é que uma sociedade como a nórdica, aberta a este tipo de problemas e onde consideram que há muito mais vida para além do lucro, não se constrói de um dia para o outro... leva décadas.
Mas, penso que o único caminho que a Europa pode seguir é mesmo esse, proibir aquilo que é produzido sem o mínimo respeito pela condição humana, ambiental e, acima de tudo, pelas gerações futuras.
Mas será que quer? Não podemos esquecer que muito do que a China, a Índia, e por aí fora produzem dá imenso lucro a europeus sem muitos escrúpulos...
Quanto ao exemplo da Catwalk, é importante realçar que quem denunciou esta situação foi uma empresa de sapatos, a Shultz, que estava a pensar produzir os seus sapatos na Índia através da Carwalk, mas depois de ver a "fábrica", desistiu (isto a crer mo email que te reenviei, e que até acredito seja verdadeiro)
Nota final: as fotos não são minhas, recebi-as por email, como sendo uma denúncia da Shultz... por isso não mereço os créditos da cedência.
Salvador, obrigado!
ResponderEliminarA chamada terceira via terá de ser encontrada, senão pereceremos todos à regressão civilizacional que se aproxima. Ela já não existe? Nos países nórdicos, por exemplo...
Pronúncia, é óbvio que leva décadas a construir uma sociedade com empresários conscienciosos, pode até ser verdade. Leva poucos meses eliminar e riscar do mapa os poucos direitos das pessoas que ainda persistem. E é contra isso que luto todos os dias.
ResponderEliminarAnne, é o futuro que me mete medo. Quando vejo políticos da nossa praça (jovens ainda por cima) a pregar que é necessário termos condições destas para sermos competitivos, tenho medo. Muito medo.
ResponderEliminarInfelizmente, ainda temos muito para andar e não é com sapatos Catwalk que lá chegaremos!
ResponderEliminarMalena, é correcto dizer-se as duas coisas. Mas o caminho faz-se caminhando.
ResponderEliminarSou europeísta e tenho a certeza que os seus Estados saberão reencontrar o seu rumo como segunda potência económica mundial e segunda "terra da liberdade".
ResponderEliminarQuanto à atitude da Noruega, veremos também se terá a mesma cagança perante países como a Turquia...
Dylan, penso que essa distinção não faz sentido na actualidade. A Europa já é uma realidade tão acesa no nosso quotidiano que não vale a pena separar europeístas dos outros...
ResponderEliminarA Noruega já teve esta atitude perante empresas de todos os quadrantes, incluindo empresas turcas, é bem verdade. Não sei quantas foram, mas foram já várias. Mas também brasileiras, chinesas, coreanas, americanas... Não brincam em serviço. Excluem do Fundo várias dezenas de empresas por ano. Usei o FSN como exemplo de equidade, não para realçar a nacionalidade das empresas. E porque têm os tomates no sítio para fazer algo.
"A Europa já é uma realidade tão acesa no nosso quotidiano que não vale a pena separar europeístas dos outros..."
ResponderEliminarMeu amigo, lamento dizer-te, mas se ouvires o discurso do PCP vais ver essa distinção.
Ah, a Noruega tem tomates enquanto tiver petróleo e outros recursos naturais. Depois, logo se verá...
ResponderEliminarDylan, é bem verdade. Mas vê lá se eles não elegem os euro deputados lá para Bruxelas... E não serão os únicos, mas o que quero dizer é que não vale a pena haver essas distinções. Mas cada um pensa da maneira que quer e o PCP pensa de forma sui generis, como sabes.
ResponderEliminarQuanto à Noruega ter tomates enquanto tem recursos... Isso aplica-se a todos os países ou só à Noruega? Ah, pois, só a Noruega tem recursos...
Cirrus,
ResponderEliminarcomo deves saber, a Noruega é dos poucos países europeus senão o único a ter esse líquido precioso a jorrar quando quiser na quantidade que quiser. Isso reflecte-se no nível de vida norueguês, dos melhores do mundo. Acho que este recurso pulveriza todos os outros...
Dylan, continuo-te a dizer que não é o único. Outros países têm esse recurso. Além do mais, tenha ou não recursos, estão a ir pelo caminho certo e são um exemplo para o mundo, não o contrário. O facto de terem a economia como têm ainda mais reforça a sua posição, pois países há, como o nosso, sem esses tais recursos, que se deixam destruir por estas importações duvidosas. Eles não querem ser destruídos, claramente. Nem, como se faz em Portugal, procuram cada vez mais lucro e apenas e só isso.
ResponderEliminarOlá Cirrus. Bom, eu ando a pensar nu post sobre precisaente isto as não vou deixar de comentar. Há dias falava eu no msn com alguém que ficou chocado e me chamou racista quando lhe disse que achava que a China estava a dizimar a europa, com permissão desta. O grande problema é que NINGUÉM lucra nada com a entrada dos produtos orientais no continente tirando dois empresários: o chinês e o europeu que lhe encomenda. É que tirando esses dois é só a perder porque os produtos são baratos na sede mas chegam a nós caros como se fossem produzidos cá com os custos inerentes, os impostos que pagam são mais baixos a nível aduaneiro e tiram trabalho a europeus. E nós a vermos e a batermos palmas, e nós a apelarmos à melhoria das condições de trabalho e a sermos esmagados por produtos que são produzidos como sabemos, e nós a perdermos tudo montados numa utopia estúpida de abertura de fronteiras. Essas fronteiras deviam estar abertas para os países da UE, não para o mundo todo!!! Senão qual a lógica de ter uma UE? Estou muito triste, vejo as pessoas a acharem que se não disserem que são a favor de tudo que serão chamadas de racistas, de fundamentalistas, de fascistas... criou-se uma maneira de estar que é o porreirismo, ai sou tão boa pessoa que apoio todos os "pobrezinhos" como maneira de mostrar que sou solidário e de esquerda e muito avançado. Mas os pobres começamos a ser nós!
ResponderEliminarEu quero a europa e acredito nela mas não quero que não tenhamos emprego para estarmos a engrossar os bolsos de meia-dúzia. Não quero que o Sarkozi seja linchado por deportar ciganos que não foram para a França prooduzir e ser cidadãos mas antes mendigar e aumentar um lodo que a França já tem de sobra, a ~Roménia que se ocupe deles e lhes dê condições, não têm de ser os contribuintes franceses a levar com mais esses. Por isto sou racista? Não, diria o mesmo se fossem brancos. Não aceito é que as pessoas continuem a achar que a Europa é apenas um sítio em que tem de se levar com tudo e de toda a maneira baseados numa arrogante superioridade moral/intelectual que me parece ser apenas isso, uma demonstração de arrogância e utopia quando já era uma grande batalha conseguirmos ter uma europa com boas condições de trabalho e de vida. Era preciso terem sabido fazer uma coisa de cada vez e não se armarem em salvadores do mundo e exemplo mor do que quer que seja.
Menina Ção, é altura de a Europa perceber que vai perder se não se proteger. E, como diz, proteger-se dos que externamente a extirpam, mas também dos que internamente permitem o extirpamento. A procura incessante do lucro fácil só funciona porque nós europeus o permitimos. E incentivamos.
ResponderEliminarQuanto a Sarkozy, tenho sinceramente muitas dúvidas que a expatriação de ciganos não seja apenas uma medida eleitoral. Mais lhe digo, quando o vir a expulsar chineses, que atolam o seu país em mais miséria que os ciganos, concordarei que romenos e búlgaros sejam expatriados. Até lá, não me merece confiança, porque faz aquilo que a Noruega não faz, ou seja, escolhe apenas os mais fracos. E não, não me estou a armar em moralista ou bastião de uma esquerda fundamentalista. Apenas digo que não são os ciganos que afundam a economia francesa. São outros países, a China, a Índia, os países que tratam dos transportes para estes inundarem o nosso mercado com produtos a custo zero e preço normal, que retiram qualquer hipótese de mantermos a nossa forma de vida. Esses, sim, deviam ser deportados. A Noruega dá um exemplo. Assim a França e a Europa o sigam. E não sigam o exemplo daqueles que, em Portugal, pensam já na forma mais célere de nos rebaixar o nível de vida até encontrarmos o nível de vida chinês ou indiano. Não falta muito.