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Os últimos dias têm sido pródigos em acontecimentos estranhos e inverosímeis. Bem, na verdade, alguns são estranhos e inverosímeis, outros são previsíveis mas mesmo assim estranhos. O facto de o terrorismo ter chegado a um dos países que servem de referência em termos de desenvolvimento humano é estranho e inverosímil. E mais estranho ainda se torna quando o acto se reveste de aspectos pouco usuais. Estamos habituados a atentados terroristas em países longínquos, em circunstâncias particulares, como resultado de extremismos islâmicos, ou então em países mais próximos, mas com alvos perfeitamente definidos, como é o caso em Espanha e na Irlanda, mormente.
Não estamos habituados a terroristas de 1,90m e loiros, extremistas cristãos e de extrema direita. É uma verdade. Desabituamo-nos de ver estas pessoas como violentas, mesmo após o Holocausto, como exemplo longínquo, ou os crimes do Machado, mais perto e mais recentemente. A verdade é que estamos demasiado próximos, em termos de sistema económico (e apenas, por enquanto) das ideias desta gente para os vermos como extremamente violentos.
Considero o atentado de Utoya como o pior de sempre. Enganados estão todos aqueles que, sabendo das minhas inclinações políticas, se sintam eles próprios inclinados a discordar peremptoriamente. Considero-o como o pior por diferentes razões, e depois cada um julgue por si se tenho ou não razão. Não me é indiferente, mas não mudará, provavelmente, as minhas convicções. Mas isto são opiniões e estas são as minhas, e as minhas razões para catalogar este como o pior atentado de sempre:
- o confesso terrorista comportou-se como um caçador, percorrendo a ilha em busca de presas;
- o confesso terrorista diz-se consciente do horror das suas acções, e no entanto, estava convicto de que elas não só eram justificadas, como necessárias. Necessárias a quê? Isso é que me mete verdadeiramente medo;
- o confesso terrorista manteve uma calma absolutamente olímpica, enquanto abatia seres humanos como se de coelhos se tratassem. Colocar uma bomba é uma acto cobarde, por ser piedoso a quem a põe, pois não vê o sofrimento das vítimas. Abater caça humana indefesa é monstruoso. Um bombista suicida não encara a culpa, um caçador de humanos vê a sua culpa espelhada no terror da cara da sua presa;
- o atentado dá-se num país com excelentes condições de vida. Imaginem-se, pois, os viveiros de terror que por esse mundo fora estamos a criar.
- Já aconteceu por diversas vezes nos EUA, mas um atentado deste tipo na Europa era até aqui impensável. Um europeu fazer uma coisa destas contra o seu próprio povo é a prova de que o extremismo, seja ele de que cor for, tem um caminho lógico que leva à violência. E ao contrário do laicismo, a religião, que afirma a sua supremacia sobre todas as outras, tem esse caminho lógico perfeitamente definido, até pelo carácter irascível de grandes partes dos seus Livros Sagrados;
Não há palavras para descrever um acto destes, e é provavelmente o mais importante sinal da mudança dos tempos que se avizinha rapidamente. Mais uma vez, sem surpresas, verifico que o povo português decidiu virar a cara a um acontecimento extraordinário, que por mais horrível que seja, devia preocupar-nos de forma decisiva. E falo do povo mais esclarecido, o povo que navega por essa web fora, que procura informação, que sabe, que está minimamente informado. Ter-se dado a preferência à morte de uma pseudo-estrela pop foi um escape perfeito. Virar a cara é sempre mais cómodo. É o Humanismo da ignorância voluntária a funcionar. Em Portugal funciona efectivamente muito bem.