terça-feira, 20 de outubro de 2015

A CAVAQUEIRA

Ilustração Marco Joel Santos
O que retenho da noite das eleições legislativas são já apenas fogachos com uma intensidade pouco moderada, confesso. Lembro-me de todos se congratularem com a baixa abstenção, nas eleições legislativas mais abstencionistas de sempre. Lembro-me da festa amarela na sede da coligação, e derrota imensa de António Costa. São já sensações passadas que se apagam perante os resultados e, sobretudo, acontecimentos pós-eleitorais.
            Confesso que o meu nível de desencanto com os resultados eleitorais foi tal que me mantive apenas dormente e sem dar grandes opiniões sobre as deambulações de Passos e Costa para formarem um governo. Mas tenho uma opinião. E é apenas uma opinião e é minha.
            Enquadrando a opinião, tenho de começar por dizer que sou comunista. Sou marxista, embora pouco leninista. Votei nesta eleição como já votei em muitas eleições, na Coligação Democrática Unitária, liderada, como se sabe, pelo Partido Comunista Português. Não sou comunista porque é moda, nem porque me convém nem porque sou “comodista e não comunista”, como dizem algumas bestas fascistas que por aí andam. Sou marxista porque li Smith, li Landes, li Marx. E preferi, de longe, Marx. Por isso, sou comunista por convicção ideológica e não por qualquer capricho momentâneo da política portuguesa ou comportamento de cata-vento. Este é o enquadramento pessoal.
            Quanto ao enquadramento institucional, lembrem-se das palavras de Cavaco. Só daria posse a um governo maioritário. São palavras dele, não estou a inventar nada. SÓ dá posse a um governo estável e maioritário – relembro. Tudo o resto é o que conhecemos.
            Antes de mais, quem ganhou as eleições foi quem teve mais votos. A coligação Portugal à Frente, que deve ser chamada a formar governo (se consegue ou não formar governo maioritário, logo se verá). Quem perdeu as eleições foram todos os outros. Claro que isto dito desta forma parece a coisa mais simples do mundo. Mas não é. Na verdade, a coligação Portugal à Frente perdeu uma maioria clara que detinha antes das eleições (52%) e detém agora cerca de 38% dos votos e menos uma catrefada de deputados. O PS foi o principal derrotado das eleições, que seriam as mais fáceis de vencer desde sempre em Portugal. Não conseguiu vencer nem chegar perto sequer e, aliás, perderia para o PSD se este concorresse isoladamente. Mesmo assim, ganhou votos e deputados face às eleições de há quatro anos e meio. O BE perdeu as eleições mas duplicou tudo o que tinha ganho (ou perdido) há quatro anos. Ameaça tornar-se um partido de verdadeira vocação governativa. O partido em que votei manteve os deputados que já tinha e ganhou meia dúzia de votos.
            Perante este cenário, o que fazer? Bem, Cavaco não pode dar posse a um governo PaF. Devemos lembrar-nos que para se ser mais honesto que Cavaco tem de se nascer duas vezes. Se der posse a um governo PaF, fica afinal provado que Cavaco é apenas mais um desonesto, um mentiroso como muitos que grassam no seu partido, o BPN, ou outros partidos. Mas pode Cavaco dar posse a um governo de esquerda? Na minha opinião, pode. A um GOVERNO de esquerda, não a um governo do PS com acordos à esquerda. Isso seria o mesmo que dizer que hoje temos governo, amanhã pode ser que não. Lembram-se do irrevogável Portas? Pois, pode acontecer de novo, mas desta vez quem roer a corda não precisa de não ser irrevogável, pois não precisa, se não estiver no Governo, de ter um cargo mais importante do que o “daquela vaca loura arrogante de merda”. E neste caso pode não ser nem uma vaca nem loura nem arrogante de merda. Basta uma das três.
            O que vai acontecer? Na minha opinião, Cavaco vai dar posse ao governo minoritário de Passos Coelho. O quê? Faltar com a palavra? Quem, Cavaco? Pois, isso da palavra era antes das eleições e antes de saber que o Costa afinal é um bocado de esquerda a mais para os gostos cavaquistas. É que a ideia cavacóide era a de empossar um governo PSD/CDS/PS. Que é lá isso de BE e CDU?! A seguir, o governo cai no Parlamento, por força da maioria contra de toda a esquerda. Marcam-se novas eleições, ou agora ou daqui a seis meses, sem problemas. E Cavaco espera dar a maioria absoluta a Passos, com a conivência do burro povo português, que sempre teve e sempre vai ter peninha dos “que querem fazer mas não os deixam”. Vide Sá Carneiro, o próprio Cavaco ou até, em larga medida, Guterres e Sócrates…
            Ora, a esquerda, perante este caminho de destruição da validade eleitoral por parte da presidência da República, só pode avançar com a sua proposta de governo, não com uma proposta de governo PS apoiado pela esquerda, como já disse. Isto porque sabe que o eleitorado premeia quem cai com maiorias absolutas, principalmente o eleitorado mais idoso. E, adivinhe-se, há bué de idosos em Portugal. Só que Cavaco não dará nunca posse a um governo de esquerda que integre elementos do PCP. Do BE, ainda vá que não vá… Agora do PCP, que é lá isso?
            Os argumentos da direita portuguesa contra a presença do PCP num governo de esquerda são do mais engraçado que há. Primeiro, não são um partido democrático! Claro que não, são comunistas. Aliás, devem lembrar-se dessa grande comunista Manuela Ferreira Leite, a que ameaçou suspender a democracia por seis meses. Provado. Depois, os comunistas querem é o poleiro! Estranho, para um partido que foi acusado vezes sem conta de nunca assumir responsabilidades de governação… Aliás, acho peregrino que se diga que “o que Costa quer é ser Primeiro-Ministro”. Passos não quer ser Primeiro-Ministro. Nem sequer concorreram às eleições, nem nada. Além disso, os comunistas dão injecções atrás das orelhas aos velhinhos para eles morrerem. Os comunistas, toda a gente sabe, comem criancinhas ao pequeno-almoço! Ao almoço comem as mães das criancinhas e ao jantar, para não ser indigesto, comem os pais. Depois, se os comunistas estiverem no governo, com quem vão protestar os sindicatos? Ora, a preocupação com os direitos sindicais e laborais dos trabalhadores portugueses, por parte da direita, toca-me profundamente. Descobriram que afinal há sindicatos em Portugal!
            Sabem que mais? O Cavaco vai ter de engolir o sapo. Faça o que fizer, vai ter ou de voltar com a palavra atrás ou simplesmente empossar os inimigos de estado do Cavaquistão no governo. Ou simplesmente, terceira opção, fazer o que faz melhor, ou seja, uma ponta de um corno e o Marcelo que feche a porta, pois depois de ter assassinado o Rio, não lhe falta coragem. Quanto a mim, chega de cavaqueira. Já tenho uma criancinha no bucho, comi uma mãe pelo lanche e agora vou para a sobremesa comer um avô a quem injectei creolina por baixo do sovaco.