segunda-feira, 26 de setembro de 2016

AINDA HÁ DOIS ANOS ERAS RICO


Impostos são tão antigos quanto o sedentarismo, e tão certos como a morte. É daquelas coisas que nunca se desejam mas sempre acontecem. Dito isto, há que distinguir entre impostos bons e impostos maus, do ponto de vista do simpaticamente designado contribuinte. Assim, os impostos maus são aqueles que temos de pagar, os bons não existem. Já do ponto de vista da AT, impostos bons são todos os que se recebem, os maus não existem. Conciliar estas duas posições é impossível, e está assim provado por diversos estudos de académicos reputados que me escusarei a recitar ou sequer nomear. Mas devem existir ou, por falta de interesses que paguem os estudos, deviam existir. Se calhar não existem. Não sei, nem interessa.
                O anúncio de um possível novo imposto pôs o país político a ferro e fogo. O imposto sobre o património imobiliário cujo valor seja superior a um milhão de euros, ou meio milhão, ou qualquer outro número com muitos zeros. Indigna-me este imposto. Indigna-me que alguém pense em tributar património. Além do mais, considerar como rico alguém que tem uma casa de um milhão de euros é, nas palavras dos “desobrigados”, abusivo. Porra, qualquer um de nós tem uma casa de um milhão de euros! Toda a classe média portuguesa mora em casas de valor, pelo menos, de um milhão de euros. E isto de tributar a classe média tem de parar!
                Quer dizer, andam aqui pessoas a poupar dinheiro para um dia ter uma casa de um milhão de euros e agora ainda tem de pagar sobre o milhão que poupou? É uma pouca-vergonha, senhores – é o que é! Uma vida inteira de trabalho para se ter algum conforto e, logo a seguir, pimba, imposto! Não há direito! Como explicar ao homem do lixo, ao pescador, ao vendedor de castanhas, ao mecânico, ao recepcionista, ao jornaleiro, ao empregado de limpeza, ao pedreiro, ao estucador, ao cofrador, ao atendedor de posto de combustíveis, ao operário fabril, e a tantas outras pessoas de ambos os sexos que têm a possibilidade de juntar vários milhões de euros ao longo da vida, que o milhão de euros que pouparam vai ser tributado na forma de imposto sobre a sua casa, não própria nem de férias (uma 3ªcasa, portanto)?
                Haja, pois, pessoas que defendam estas pessoas que juntam ao longo da vida uns escassos milhõezitos de euros, esses pobres de classe média portuguesa, que além de tudo descobriram o milagre da multiplicação dos peixes e pães que dizem ter sido preconizado por Jesus Cristo, gente engenhosa que consegue de salários de 500 euros fazer vários milhões! Haja quem defenda estas pessoas – e há. Provavelmente aquele que há uns dois anos defendia que outras pessoas, os ricos, com patrimónios acima de um milhão de euros, pagassem mais impostos – palavras que o vento levou, pois coragem para isso sempre faltou, ou de outra forma choveu. Mas há dois anos, pessoas com um milhão de euros eram ricas. Hoje, são pobres de classe média e diligentes aforradores que toda a vida pouparam. Ou um outro capítulo da “desobrigação”.
E se fossem gozar com o membro sexual masculino, significação brejeira da palavra caralho, que antes designava o cesto da gávea das saudosas embarcações dos Descobrimentos?

sexta-feira, 24 de junho de 2016

EUROSÃO

Desenho Original de Marco Joel santos
A Grã-Bretanha vai sair da União Europeia. As consequências, dizem, vão ser tremendas para os súbditos de Sua Majestade. Piores serão ainda para todo e qualquer estrangeiro apanhado nas ruas britânicas. A União Europeia continuará o seu caminho impávida e serena perante este pequeno revés. Os bifes é que as vão pagar.
            As reacções de um lado e outro do Canal são do mais cómico que já vi. Tendo em conta aquilo que se escreve todos os dias por aí em jornalecos, e se opina frequentemente em canais televisivos de duvidosa índole, já me ri um bom par de vezes hoje. A verdade é que fui dormir com a vitória do tá-se bem e acordei com a vitória do fuck off.
            O UK, e que bela sigla é esta, votou pela saída da EU. Note-se – VOTOU. Não foi um processo decidido por nenhum político, nem sequer pela rainha de Inglaterra. Foi decidido pelo voto do povo. Que glorioso é o sentido democrático de todos quantos acham “triste”, “racista”, “precipitada” e outras coisas até bem piores, esta decisão do povo britânico. Que lindo, sermos nós a qualificar aquilo que um povo inteiro decidiu. Que superiores somos, que moral elevada temos, quão excelsa é a nossa opinião, o quanto somos os mais sábios dos mortais! Hoje, quase toda a gente esqueceu, neste país, que mora no cu da Europa, na latrina alemã, onde os alemães só aparecem para fazer merda, e que esta Europa, que ainda ontem era um massivo directório pouco franco – muito alemão, hoje é o paraíso na Terra e que os ingleses, afinal, é que são os maus da fita. Adivinhem: provavelmente estão-se marimbando para o que deles dizem. Nós é que somos os que estão sempre preocupados com o que de nós dizem os outros no estrangeiro, não eles.
            Qual o receio dos britânicos? Voltar a tempos antigos? Ao isolacionismo proporcionado pela sua insularidade? Que a sua economia baqueie e o reino mergulhe numa crise nunca vista? Talvez. Longe vão os tempos do Império Britânico, pelo que agora são só mais um pequeno país na pontinha de um pequeno continente chamado Europa. Desenganem-se. Assim tivesse Portugal um décimo da influência britânica no Mundo… e qual o receio dos europeus, afinal? Que tenha desaparecido da EU o único país europeu que sempre pagou para a Europa mas nunca recebeu? Ou que a economia britânica baqueie e arraste parte da sua? Desenganem-se, não há economia europeia, só há economia alemã. Não perceber que o projecto europeu falhou, que aprofunda diferenças, atiça ódios, lança radicalismos e tentar agora acusar os britânicos disso não é ingénuo. É, pelo contrário, de má-fé. Falhou. Move on.
            A legitimidade da decisão, como já referi, é do povo britânico. Não de uma comissão europeia comandada por um luxemburguês despedido por corrupção constantemente em estado etilicamente debilitado, em que ninguém votou e que ninguém conhece, colocado na função por jogos de conveniência. Não foi decidido por radicais de esquerda ou de direita, pois 52% de um povo não pode ser radical. O reino votou massivamente na saída, enquanto Londres votou para manter a City a funcionar e os escoceses votaram contra os ingleses. Nada de novo, vindo do país que está de olho no petróleo do Mar do Norte, pretendendo-o como propriedade exclusiva dos seus quatro milhões de habitantes.

Cada um tem as suas razões. Quem votou pela saída não votou por ser racista ou xenófobo, pois a zona com mais imigrantes votou pela permanência. Não votou porque lhe apeteceu agora dar um piparote na política europeia. Votou porque decidiu assim, votou de acordo com aquilo que tinham e sempre tiveram no seu país e que a UE paulatinamente tem vindo a retirar – serviço universal de saúde, pensões, etc. Mas, mais que tudo o mais, VOTOU! Quando foi a última vez que vocês, tristes profetas da desgraça alheia que não olham a calamidade que se vive no vosso seio, aqui, em Portugal, quando foi essa última vez que votaram para decidir o destino do vosso triste país? Grow up!

PS: texto para o desenho original de Marco Joel Santos

quarta-feira, 1 de junho de 2016

UM FELIZ DIA MUNDIAL DA CRIANÇA

Dia Mundial da Criança, dia 1 de Junho de 2016. Um dia celebrado por muitas crianças e mais ainda por muitos, demasiados adultos. A verdade é que os dias instituídos para nos sentirmos alegres, alerta, apreensivos ou qualquer outra coisa são dias de hipocrisia. Quem tem um filho pequeno não precisa que lhe lembrem que existe um Dia Mundial Da Criança. Mal vai se todos os dias não são dias da criança. Todos os dias são dias da criança.
O que faz com que os nossos filhos sejam especiais face às demais crianças é o facto, simples, de serem nossos filhos. Esquecemos que isso normalmente é norma corrente em todo o mundo, e seja o filho de um americano, de um português, de um russo, angolano ou sírio, esse filho é sempre especial aos olhos dos seus pais. O resto é conversa furada. As crianças, de forma geral, têm os mesmos comportamentos em todas as partes do mundo, aprendem todas a caminhar, a falar, a escrever, a correr e a jogar à bola – pelo menos os meninos.
Comemorar o Dia Mundial da Criança quando, por bestialidade humana, milhares de crianças – sim, dessas especiais, filhas de alguém, dessas que aprendem a caminhar e a falar e a jogar à bola – se afundam silenciosamente no Mediterrâneo, muitas vezes acompanhadas pelos pais, outras ainda na mais completa solidão da sua última viagem, com dois ou três anos de existência, por vezes meses… fica bem a qualquer europa. Por isso, tenham um excelente Dia Mundial da Criança.

sábado, 23 de abril de 2016

A RIDÍCULA PROPOSTA DO BLOCO DE ESQUERDA



Ilustração Marco Joel Santos
            Muito se falou da proposta do Bloco de Esquerda de mudar a designação do Cartão de Cidadão para cartão de Cidadania. Na verdade, muitos homens falaram. E muitos homens escreveram. Ouvi e li o que tinham a dizer sobre o assunto poucas mulheres. O que não deixa de ser interessante quando a proposta visa, essencialmente, não discriminar as mulheres. Se calhar devíamos, neste caso, ouvir mais mulheres. Sei lá, se calhar até têm opinião e a gente não sabia disso…

            Seja como for, a proposta é ridícula. Mudar a designação de um cartão não protege a identidade feminina ou masculina do seu portador ou sua portadora. A culpa é da língua. O português é uma língua difícil, arcaica, descritiva. O português, ou língua portuguesa, não vá alguma deputada do BE sentir-se ofendida por falar português, discrimina género em quase tudo. O inglês, por exemplo, não tem esse problema, pois um citizen feminino é igual a uma citizen masculina, ou vice-versa, que este assunto dá para confundir. A mesma palavra aplica-se ao feminino e ao masculino e designa, no geral, os adeptos do Manchester City.

            Ora acontece que, em Portugal, cidadão é uma palavra que, para algumas pessoas do BE, não se aplica às mulheres. Claro, têm razão. As mulheres são cidadãs. São diferentes. São cidadãos, mas femininos. Não são portugueses, são portugueses femininos, o que, logo, os torna algo especiais. Mesmo assim, tenho arrepios quando relembro a forma cínica que cavaco utilizava para começar os discursos, “Portugueses e portuguesas”, em vez da solenidade rígida mas empática do General Eanes quando começava com “Portugueses” apenas.

            Isto pode ir longe. Logo, assim de repentemente, lembro-me das Lojas do Cidadão. Nunca percebi porque se chamam assim, já lá fui algumas vezes e nunca consegui comprar um cidadão. Se calhar fui ao local errado e devia ter ido a uma qualquer sociedade de advogados. As Lojas do Cidadão terão de se chamar Lojas de Cidadania. O que piora as coisas. Se nunca lá tinha comprado um cidadão (ou cidadã), muito dificilmente comprarei cidadania, a julgar pela falta dela da generalidade das pessoas que lá se amontoam. Mas nem só de cidadãos vive o homem. E os beneficiários e beneficiárias? Também teremos de ter um cartão de Beneficiária. E cuidado com os mais iletrados, porque aí a coisa piora. Não é pouco usual as pessoas mais iletradas se referirem aos homossexuais como “homens sexuais”. Piorou, porque nunca lhes ouviram a expressão “mulheres sexuais”. Primeiro, porque para grande parte dessas pessoas uma relação homossexual entre mulheres é impensável e segundo porque, para queles que assim não pensam, é mais fácil dizer que “batem pratos”. Que é uma expressão extraordinária que não quer dizer absolutamente nada.

            Se pensarmos ao contrário, as coisas também podem ir longe. Não devemos poder mais dever dinheiro às Finanças, se formos homens. Queremos o direito a dever também aos Finanços. E se forem finados, melhor, pode ser que esqueçam a dívida. Cuidado com a palavra “pessoa”. É feminina e os homens podem querer não ser tratados por pessoas, mas antes como indivíduos. Assim ficaria pessoas para as mulheres e indivíduos para os homens. Os homens podem querer também não serem incluídos na Humanidade, já que a palavra é feminina. Obviamente, as mulheres podem não querer igualmente pertencer ao Homem quando a palavra é utilizada para designar a raça humana.

            Os livros de História têm de ser todos mudados. Não pode haver mais a referência ao Homem de Cro-Magnon, pois também devia haver mulheres de Cro-Magnon. O Homem não apareceu em qualquer altura da pré-história, pois a mulher também deve ter aparecido mais ou menos na mesma altura. Considerando os atrasos mais típicos das senhoras, deve ter aparecido dez minutos depois. Cuidado com expressões paternalistas como “os putos”. Pode haver meninas no grupo e quererem ser tratadas por putas. Nos hipermercados, teremos de ser mais criteriosos e pedir no talho 1 kg de carne de porco ou de porca, de vaca ou de boi, de peru ou de perua, de frango ou de galinha.

            É óbvio que a proposta é ridícula. Mas há 150 anos, uma mulher ter direito a voto era ridículo. Na verdade, em Portugal, só votava quem, nessa altura, tivesse suficiente fortuna pessoal comprovada, o que hoje seria ridículo. Há 50 anos apenas, era ridículo um preto entrar pela mesma porta do autocarro que um branco, ou sentar-se nos mesmos bancos, em países tão diversos como a África do Sul, Portugal ultramarino ou os EUA. Era ridículo, há quinze anos atrás, pensar que poderíamos publicar detalhes da nossa vida privada para um público de milhões de pessoas. Tudo isto era ridículo. Era ridículo, em Portugal, noutros tempos, falar de política em público, e até em privado. Era ridículo uma mulher conduzir, era ridículo uma mulher ser sequer advogada ou militar.

            Por outro lado, era usual, em Portugal, até há bem pouco tempo, atirar lixo para o chão, fumar em locais públicos fechados, bater em crianças que não nos nossos filhos ou não colocar o cinto de segurança.

            A cidadania faz-se de pequenos ridículos. Tudo o que fazemos hoje numa sociedade avançada pareceria ridículo aos nossos antepassados. Trabalhar pareceria ridículo a um aborígene, ter eleições pareceria ridículo a D.Afonso Henriques. Na verdade, tudo é ridículo. Mas nós fazemos isso tudo. Mais um ridículo não nos faz mal nenhum. Mas que é ridículo, é. Principalmente ridículo. Ridícula não sei se é, não ouvi ainda nenhuma mulher pronunciar-se. Mas também é certo que nós, homens, é que sabemos o que é bom para as mulheres. E isso não nos parece ridículo.