quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O PORTUGAL DESCONHECIDO

Ilustração Marco Joel Santos
           A mais que previsível crise de refugiados que varre as imediações do Mare Nostrum deixou-me, devo confessar, em estado de choque. Não pela dimensão, ou pela intensidade de chegada de navios à Europa. Os refugiados sírios, cerca de quatro milhões e meio deles, enchem desde há muito as ruas de Amman, do Cairo ou de Istanbul. A pequena minoria deles que ousa atravessar o Mediterrâneo ou o Bósforo para se aventurarem na Europa são isso mesmo, uma pequena minoria. A juntar aos sírios, há os nigerianos, somalis, sudaneses do sul ou malianos.
            Só no Cairo, e antes desta vaga de refugiados acontecer, já vivem, na Cidade dos Mortos e arredores, cerca de seis milhões de refugiados, entre palestinianos, iraquianos ou libaneses. Convenhamos que numa cidade com vinte e dois milhões, é obra. Na Jordânia, e antes da guerra na vizinha Síria, já viviam um milhão e meio de refugiados iraquianos e palestinianos. Num país com sete milhões de habitantes. De Jerash vi Deerah, a cidade que viu começar a guerra civil síria. Um ano antes desta começar.
            Por tudo isto, a ideia de ter duzentos ou trezentos ou até meio milhão de pessoas a chegar à Europa não me choca muito. Como dizia Harrison Ford nos Salteadores, sou um cientista, nada me choca. Mas é mentira. Há coisas que me chocam profundamente, não amiudadamente, mas assim como que de vez em quando. E choca-me profundamente a enorme campanha feita pelos defensores e pelos detractores dos refugiados. Distancio-me de ambas as posições, porque sou o que sou: um agnóstico que apenas reconhece pessoas – boas e más – e não religiões ou “raças”.
            A Europa, principal culpada e instigadora de uma guerra fraticida que destruiu por completo a parte oriental da Síria e aparenta vir a destruir o resto, não pode sacudir a água do capote. Tem culpas, enormes culpas, como tem culpas, enormes culpas, no que se passa na Ucrânia, na Líbia, na Tunísia e por esse mundo fora. Colhe agora o que semeou, na sua ganância por mercados e produtos. Mas também não pode, neste momento, deixar de filtrar os que nela querem entrar. É bem-vindo quem vem por bem. E o que é isto de vir por bem? Bem, para mim, é qualquer muçulmano que entenda que me estou literalmente cagando para o que disse Maomé. Pronto, é assim, simples e direitinho. Estou-me cagando para o que diz o Corão, como me estou cagando para qualquer fantasia que envolva naves espaciais, ressurreições do mundo dos mortos e demais contos da carochinha – sim, também essas historinhas de fadas que vêm na Bíblia. E conheço-as muito bem, foram a minha escolha para finalizar o curso – Religião e Cultura. Ora assim se evitam problemas futuros. Lembrem-se do local onde estão e tudo correrá bem. Comecem a querer viver de acordo com a Sharia e a coisa corre muito mal.
            Os defensores dos refugiados não entendem que basta que no meio de meio milhão de boas pessoas apareçam meia dúzia de radicais para que a segurança de todos nós esteja em risco. Se já com os nossos é o que é (lembram-se do alto e loiro Brejvik?), não precisamos de mais problemas com maluquinhos que acreditam em homenzinhos verdes como o do TGV de França. É preciso registar, é preciso investigar, é preciso despistar. E temo que nada disto venha a ser feito. Para os defensores dos refugiados, apenas interessa o lado humano. Mas esquecem-se que eu também tenho um lado humano, a minha família tem um lado humano e bem, até eles próprios, apesar de nunca terem precisado de distinções dessas (bom sinal), também têm um lado humano. E estes lados humanos são para preservar na nossa santinha paz de cantinho à beira mar plantado.
            Já os detractores dos refugiados são outra história. Há-os, pelo que me foi dado ver, de dois tipos, que se aliaram numa causa perigosamente comum. Uns são os extremistas religiosos, mormente evangelistas e demais protestantes, mas também bons chefes de família católicos. E há os de extrema-direita – uma fatia considerável da nossa população, cerca de 40%, embora ninguém queira admitir tal facto. Apareceram as mais díspares notícias sobre os refugiados, a maior parte deles vindas de sites religiosos, anti-semitas (os árabes são semitas) ou de extrema-direita. E tudo foi comprado como verdadeiro, quando na realidade nem 10% seja verdade. Até a notícia de que os refugiados traziam telemóveis – como se o telemóvel fosse um aparelho do demo vindo de outro mundo ou simplesmente um artigo de luxo que seria impensável encontrar num país árabe. Desiludam-se, os árabes são malucos por tecnologia, particularmente por telemóveis. Estranhamente parecidos com os portugueses.
            Vêm também com uma conversa de que se não ajudamos os nossos sem-abrigo não podemos ajudar os refugiados. Até percebo a lógica. Se não há para os nossos, não há para os outros. Aparentemente tudo correcto. O problema é quando vemos pessoas que nunca fizeram uma ponta de um corno para ajudar fosse quem fosse, quanto mais um sem-abrigo, falar assim à boca cheia. Se se enchessem de moscas elas não notariam diferença em relação ao que em que costumam pousar.
Depois a conversa de que aqui querem mesquitas e lá não deixam construir igrejas e outras do género. Porra, é-me indiferente ser acordado pela vozinha irritante do muezin a chamar para a oração ou pela merda dos sinos das igrejas que não se calam (e aquelas aldeias que têm o hino de Fátima a tocar a cada hora?). Por mim, era tudo arrasado, e bem razão tinha o velho Karl quando disse que a religião é o ópio do povo. Mas devo dizer que nos países árabes onde estive, os maiores edifícios das grandes cidades são igrejas (cristãs, também católicas, como em Tunis, mas essencialmente coptas, como na Jordânia, Síria ou Egipto). Aqui em Portugal é que só há uma mesquita. Salvo erro.
            No fundo, o que quero dizer com esta lengalenga toda é que quem vier para a Europa deve adoptar plenamente os valores europeus. Conheço mulheres que na Jordânia nunca usaram sequer um véu e que quando foram morar para os EUA começaram a usar burqa. Por outro lado, não são 3500 refugiados que vos vão tirar empregos (para isso temos um milhão de desempregados prontinhos) ou o pão da boca ou até as vossas ridículas crenças em fantasmas e espíritos do além. Quando acabou a guerra colonial levamos com dois milhões de retornados, uns mais esclavagistas que outros, e não se passou nada. Esta gente é mesmo de um Portugal desconhecido…
            Por fim, dizer o seguinte: se a merda que governa a Europa fosse decente, nada disto estaria a acontecer. Como ninguém se mexe para correr com a merda da banheira, agora aguentem que é serviço.
            PS: e sim, a foto do miúdo afogado chocou-me. Podia ser o meu filho ali. Podia ser o vosso. Pensem nisso e não digam mais merda a esse respeito, por favor. Deixem, pelo menos, as pessoas sofrer em paz.