É assustadora a frequência com que nos preocupamos com coisas que não deveriam fazer parte da nossa selecção de problemas. Revela que nem aqueles que vivem com preocupações, mas vivem, desconhecem os problemas de sobrevivência deste planeta. Ou não querem saber. Ou se vitimizam de forma a desculpar inaptidões. Gosto de ressaltar curiosidades, gosto de apontar pequenas coisas que acontecem no meu país, tão típicas dos portugueses, como os casos do BPN ou do BCP, ou da Media Capital, ou das eleições. Não passam de curiosidades que, de facto, de tão pequenas que são, disso mesmo não podem passar.
A verdade é que existem problemas neste mundo bem maiores. Não porque se roubou mais, ou porque se desviaram fundos de um qualquer programa europeu para apoio às empresas, ou coesão ou preservação do burro mirandês. Mas sim porque apelam para o que de mais básico temos como direito: à vida. São questões de sobrevivência. Nada mais.
A fotografia em cima foi tirada nas margens do Mar Morto. A visibilidade neste local é quase sempre assim: reduzida. Isto devido à evaporação das águas e ao calor, aliados à altíssima pressão e aos 15% a mais de oxigénio, que conferem ao ar um tom azulado espesso. Se olharem com atenção, ao centro, a cerca de 20 Kms do local onde foi tirada a foto, encontra-se um objecto arredondado. Muitas vezes, reflecte a luz do sol em todas as direcções, com um brilho refulgente. Trata-se do umbigo do Mundo.
Voltei a esta região para encontrar a situação que já todos ouviram falar. Já havia contactado com ela em anteriores visitas. Sempre foi má, sempre foi quezilenta e beligerante. Agora, passados alguns anos, a situação agravou-se, se tal era possível. Mas é. É sempre possível. É incrível como pode ser possível, mas é. Vi as lágrimas nos olhos daqueles que contemplam a luz reflectida na cúpula, vi a resignação nas faces daqueles que moram longe da sua terra. Dantes, via a esperança, via a convicção da luta, via a inexplicável força de quem não a tem. Desta vez só vi a resignação, o medo, a aceitação da desgraça ou da morte.
Talvez um dia volte a esta região e entre na cidade, não capital de algum estado fictício, mas como património do Mundo, rodeada por um país onde dois povos irmãos possam viver em paz e em cooperação. Um país que já não terá reservas de água, esgotada este ano, onde se calhar poderá não haver agricultura intensiva, responsável por isso. Talvez já nem haja arame farpado ou muros de betão. Talvez seja um país pobre. Mas rico, pois possui o mais rico dos tesouros de toda a Terra: o seu umbigo. Isso só será possível quando os pais renegarem os filhos, quando os milhões regressarem a casa, a sua casa. Só acontecerá quando alguém rasgar da sua bandeira duas listas azuis. Porque estas listas azuis são os símbolos da Humanidade, não devem pertencer a povo algum, mas a todos. Só acontecerá quando os filhos renegados pelos pais se aperceberem que são irmãos, e que a história que os separou não precisa de repetir-se pela terceira vez.