sexta-feira, 29 de abril de 2011

HÁ COISAS MAIS DIVERTIDAS DO QUE SER O SÓCRATES


A Menina Ção diz que tenho de responder, sob pena de ser o Sócrates. Isto sem especificar se seria o português, o brasileiro ou o grego. Como o primeiro é mentiroso compulsivo, o segundo tinha pé chato e o terceiro provavelmente era gay e pedófilo, achei por bem responder mesmo.
        1. Existe um livro que lerias e relerias várias vezes? Sim, existem dois. Um reli porque não percebia muitas coisas sobre um mundo que não me rodeia. O outro releio ainda hoje para perceber mais coisas sobre o mundo que está à minha volta. A Bíblia, e As Marcas dos Deuses, de Graham Hancock.
        2. Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim? Sinceramente não. Li a primeira página do Ensaio sobre a Cegueira e tive de tomar banho, estava a dar-me uma urticária danada. Mas não tentei de novo.
        3. Se escolhesses um livro para ler o resto da tua vida, qual seria ele? As Marcas dos Deuses, provavelmente. Mas podia ser qualquer História do SLB.
        4. Que livro gostarias de ter lido, mas por algum motivo, nunca leste? O Popul Vuh. Por algum motivo, nunca o li na totalidade. Talvez o motivo tenha sido os fdp dos missionários espanhóis o terem queimado.
        5. Que livro leste cuja “cena final” jamais conseguiste esquecer? Crime e Castigo. Um livro que toca no mais recôndito canto da mente humana. Uma obra prima que tenho a certeza nunca será igualada.
        6. Tinhas o hábito de ler em criança? Que tipo de livros? Lia tudo o que apanhava. Até a História de Portugal marchou. Lembro-me que uma vez li o Citizen Kane, teria uns nove anos... Aos dez li A Grande Tourada... ambos foram estranhos. Mas claro que também havia o Bugs, o Donald e a Mónica...
        7. Qual o livro que achaste chato mas mesmo assim leste até ao fim? Porquê? Bem, sem contar com o Levítico e o Deuteronómio, nunca enveredei por livros chatos. Sei do que gosto e do que não gosto, logo à partida. E como nunca li MST ou Paulo Coelho, não corro esse risco. Nem de os achar chatos nem de os ler até ao fim. A nossa amiga Isabel Stilwell está neste rol, evidentemente. E muitos, muitos dos Nobel, principalmente os que receberam o prémio mesmo.
        8. Indica alguns dos teus livros preferidos. De Eça, sem dúvida os Maias, O Crime do Padre Amaro e a Ilustre Casa de Ramires. De Dostoiévski, Os Irmãos Karamazov, Crime e Castigo, O Jogador e O Idiota. De Paulo Loução, Portugal Terra de Mistérios e A Alma Secreta de Portugal. De Graham Hancock, The Sign and the Seal e Footprint of the Gods. De Wilbur Smith, O Deus do Rio e O Sétimo Papiro. De Christian Jacq, toda a saga de Ramsés.
        9. Que livro estás a ler neste momento? Nenhum, senão não estaria a escrever ao teclado. Mas actualmente, A Bíblia de Barro, de Júlia Navarro.
        10. Indica doze amigos para o Meme Literário. Doze? E eu lá tenho doze amigos? Quem quiser que o faça, quero lá saber! Nem sou de ameaçar com brigadeiros de merda nem nada...

quarta-feira, 27 de abril de 2011

MAIS SOCIEDADE


A proposta do grupo Mais Sociedade é interessante. Este grupo de reflexão, através do qual o PSD (Partido Sem Direcção) deseja ver definido o seu programa de governo, tem tido de facto ideias muito boas. A última, a de se deduzirem as prestações de subsídio de desemprego às futuras (?) pensões, é uma proposta interessante.
Não vou negar evidências. Há pessoas que estão no Fundo de Desemprego não porque se recusem a trabalhar, mas sim porque infringem a Lei ao trabalharem, para além de estarem no referido Fundo. Ou seja, aproveitam a oportunidade de receber, ao fim e ao cabo, dois ordenados com um emprego. E também há, sejamos justos, gente que simplesmente ganha mais no Fundo de Desemprego que a trabalhar, e por isso se escuse a fazê-lo.
O perigo da proposta é considerar, logo à partida, que um desempregado está numa destas duas situações, e não que está desempregado porque, simplesmente, ficou sem trabalho e não consegue encontrar outro. Ou seja, um desempregado é um alvo a abater, não uma pessoa a ajudar. Compreendo que as prestações de desemprego sejam um peso considerável nas contas do Estado e da Segurança Social. Sou pela redução do tempo de subsídio e até posso aceitar, dentro do meu julgamento e opinião, arranjar espaço para a redução progressiva do montante a subsidiar, particularmente em casos de gente mais jovem. Até compreendo e aceito a redução das prestações no seu montante, que não deveriam ultrapassar o ordenado mínimo nacional, já que se trata de uma ajuda numa situação excepcional e não de um meio de subsistência com o qual se deva contar indefinidamente. Concordo ou aceito tudo isso.
Concordarei, inclusivamente, que o tempo passado no Fundo de Desemprego, para além dos seis meses, possa não contar como tempo de trabalho para efeitos de reforma. Posso aceitar, na minha opinião, que os montantes auferidos nesta situação não entrem para o cálculo de pensão. Tratar-se-ia, aqui, e essencialmente, de medidas correctivas, duras por certo, mas indubitavelmente justas e incentivadoras do “faz-te à vida”, que muitas vezes é inibido pela situação de desempregado com subsídio. Tudo isto são ideias que não me repugnam. Mas será que tudo isto tem em conta que o desemprego actualmente já não é, infelizmente, uma situação excepcional? Por outro lado, não será perigoso implementar um sistema que incentivaria cada vez mais os empregados a trabalharem sem efectuar os devidos descontos?
Mas há outras questões a considerar. Proporia, desde já, que qualquer licenciado numa Universidade do Estado, caso esteja a trabalhar numa função que não exija as suas qualificações, e seja resultante da pressão originada pelo desemprego, lhe veja devolvidas todas as despesas de educação havidas com a sua formação superior. Este valor seria integralmente suportado pelo Estado, e progressivamente pago pelo empregador ao referido Estado, numa razão de 20% ao ano. Se, ao fim dos cinco anos, o licenciado continuasse a trabalhar em função que não requeresse formação superior, o valor reverteria integralmente em favor do mesmo. Caso contrário, e comprovando-se o seu aproveitamento para novas funções mais qualificadas (e consequentemente mais bem pagas, digamos num mínimo de 175% do ordenado mínimo, restituiria o valor, à mesma razão de 20% ao ano, ao empregador. Porque defendo uma proposta destas? Para impedir que propostas como as que aceitei lá mais acima obriguem toda uma classe profissional qualificada a aceitar sem reservas qualquer emprego proposto por qualquer empregador. Dar valor a quem o adquiriu com o seu esforço. Ou há valorização do mérito, ou então comemos todos!
A proposta de diminuir as pensões futuras consoante as prestações recebidas pelo Fundo de Desemprego é, no entanto, completamente imoral. Um desempregado que tem direito ao Fundo já descontou para a Segurança Social. Conquistou esse direito com o seu trabalho, ninguém lhe está a dar uma esmola, estão apenas a ajudá-lo a encontrar novo emprego, e não a fazer qualquer tipo de favor. Podem ser valores mais baixos? Penso que sim. Menos tempo? É provável. Além disso, a situação de reforma nada tem a ver com o desemprego, uma vez que supostamente um reformado é uma pessoa que deixa de ser válida para o mercado de trabalho (e ao contrário do que se diz, deixa mesmo), e um desempregado é uma pessoa válida que vale a pena reinserir no mercado de trabalho o mais depressa possível.
Proporia igualmente que qualquer beneficiário que fosse comprovadamente fraudulento (trabalhasse e recebesse Subsídio simultâneamente), fosse obrigado a devolver todos os subsídios à Segurança Social e integrado, por um período de não menos de três meses, nos quadros de pessoal da sua Junta de Freguesia, onde prestaria trabalho no mínimo vinte horas semanais, sem qualquer vencimento, embora com direito a que lhe prestassem subsídio de refeição estipulado pela Lei; as quatro horas remanescentes do dia teriam de ser comprovadamente passadas a procurar emprego, e em caso de sucesso, deixaria de ter a imposição de se apresentar na Junta. A entidade ou entidades que tivessem empregado ilicitamente o trabalhador em causa, não lhe retendo impostos nem descontos para a Segurança Social, sabendo ou não que este usufruía de Subsídio de Desemprego, seria obrigada a pagar ao Estado o montante correspondente à máxima remuneração estipulada por Lei (Presidente da República) e referente ao período de incumprimento, que se deduziria sempre ser desde o início das prestações. Justo? Penso que sim. É que toda a gente pensa nos tais desempregados que têm afinal emprego e recebem o subsídio ilicitamente. Ninguém pensa que alguém está a meter dinheiro ao bolso ao pagar-lhe esse ordenado. E não é pouco, é mesmo muito.
Porque não avançar com medidas moralizadoras? Avance-se. Mas avance-se para a sociedade. Fazer-se do desempregado e do empregado o alvo a abater terá, inexoravelmente, o efeito contrário ao desejado. Teremos cada vez mais uma sociedade amorfa, sem ambição, apenas com medo, apenas pressionada a sobreviver e não a viver uma vida que é a sua, condenada a viver de restos. E restos, meus amigos, não são comprados nem vendidos. Restos não fazem funcionar uma economia. Uma economia precisa de retribuição para ser saudável. Sem consumidores, não há economia. E por muito cliché que seja dizer isto, não é do consumo dos ricos que vive uma economia de um país, seja ela de que tamanho for.

Eusébio Santos

domingo, 24 de abril de 2011

O SINAL CERTO AOS SENHORES DO FMI

Foto Google


Estamos numa época perigosa. Tudo o que façamos hoje em dia pode ser mal interpretado. Pode dar um sinal errado ao FMI. Já pensei em não sair de casa a não ser para trabalhar, e mesmo assim comprar um par de patins ou coisa parecida para o fazer. Depois pensei que as calçadas são irregulares demais para andar de patins e, numa ânsia muito egoísta de gastar um pouco mais para evitar idas escusadas ao S. João, pensei numa bicicleta. Mas depois pensei que o troço entre Macedo de Cavaleiros e Mogadouro não é assim tão fácil de fazer em bicicleta. E subir o Marão é mentira. Tenho mesmo de ir de carro. Mas nada de preocupações. Para não enviar sinais errados aos senhores do FMI, saio antes de amanhecer e só volto depois de anoitecer, sempre de luzes apagadas, para não chamar as atenções.
Também não sei se irei de férias para algum lado. É certo que os meus destinos estão desgraçados, e penso que a Jordânia ou a Síria seriam destinos arriscados. O Farahat diz-me que no Cairo está tudo calmo, mas eu não sei se acredito. O gajo mora em Zamalek, é natural que veja tudo calmo. Mas... que estou eu a dizer? Não posso enviar sinais errados ao FMI... Pois bem, penso que vou ficar por Portugal mesmo. Mas não posso ir para o Algarve, isso seria enviar um sinal errado. É que houve uns duzentos mil portugueses a ir para o Algarve esta Páscoa. E apesar de serem apenas 2% da população portuguesa, os senhores do FMI pensam que está toda a gente no Algarve a curtir uma de sol, ou de chuva, no caso. Esses e os finlandeses, que pensam que passamos os dias na praia em vez de trabalhar. Da próxima vez que forem invadidos por outro país, lembrem-se de nos pedir pão, cobertores e sapatos (que nem tínhamos cá para nós) outra vez. Talvez levem umas belas caixas de merda. Com um bocado de areia da praia à mistura. Desculpem, mas sol não podemos enviar. Não nasce para todos...
Outro sinal que tenho de evitar enviar aos senhores do FMI é as compras. Não posso fazer compras, não posso ser visto num qualquer estabelecimento a comprar seja o que for. Já tenho umas ideias para os próximos meses. Tenho cá em casa uns móveis de que não necessito para sobreviver, um aparador e um sofá, dois bancos de cozinha extra, uma mesa e cadeiras de jantar e tal... Vou reduzi-los a serradura e com um pouco de água, parecem papas de sarrabulho. Para substituir o fígado temos o couro dos sapatos. Esta solução tem a vantagem de a gente depois cagar contraplacado e poder fazer novos móveis. Reciclagem. Muito ecológico.
Também não precisamos de comprar roupas, temos muitos sacos dos supermercados e podemos fazer umas farpelas catitas que ainda nos protegem da chuva. Que foi? A outra não andou com um vestido feito de bifes? Sapatos é melhor esquecer, voltamos ao tempo da outra senhora e enviamos os sapatos para os finlandeses para andarmos descalços. Tipo rancho folclórico. Muitos andam descalços e mesmo assim bailam e cantam alegremente, não é? Também quero o que eles fumam, mas isso é outra estória. De fumar não deixarei. Um cigarro em jejum e outros quando a fome aperta sempre dá para poupar no sofá e no aparador.
Que outros sinais podemos enviar aos senhores do FMI? Ah, já sei. E que tal um belo sinal de sentido proibido pelos cornos abaixo? Não? Pronto, ok, agora era eu a ser desagradável. E realmente a coisa nem dá para tanto. Os senhores só cá estão para ajudar. Como fizeram aos gregos. Esses não sabiam bem o que fazer aos ordenados que ganhavam e os senhores do FMI já trataram do caso. E aos meses extra também. Agora que a Grécia vai ter uma recessão de 3% em 2011, tudo há-de voltar ao normal. Mas isto da Grécia regredir 3% não é verdade, atenção... A nossa extraordinária Comunicação Social já nos tratou de dizer que Portugal será o único país do mundo que não vai crescer. Ou seja, os gregos até já crescem quando regridem! Assim sim, é trabalhar, nada de sinais errados aos senhores do FMI. A Irlanda também vai contrair, mas é também um crescimento. Porquê? Porque se não disserem isso, estão a enviar um sinal errado aos senhores do FMI. Quem não sai da merda é a Islândia, que apesar de crescer este ano 1,2%, está estagnada, para o FMI. Se dissessem que estavam em crescimento, provavelmente estariam a enviar um sinal errado aos senhores do FMI.
Como podemos facilmente depreender, a nossa Comunicação Social esforça-se imenso por enviar sinais certos aos senhores do FMI. Andam por aí todos os canais a auscultar a sociedade civil, o Portugal profundo, como eles gostam de dizer. Eu uma vez sentei-me para ver um programa desses. Onde? Tenho uma TV daquelas pequeninas a pilhas, chinesas. Só dá o canal 1 e a TVI a preto e branco. Não posso enviar sinais errados. E queria procurar uma marca portuguesa, mas não havia na loja dos chineses... Bem, sentei-me num dos dois bancos que restaram da cozinha e vi a tal sociedade civil. Um dia, o Belmiro, outro o Alexandre, noutro o Ulrich... Acho que devíamos auscultar também a sociedade militar, parece que já não há guito para os ordenados deles... “Emprego barato”, “ajuda financeira aos Bancos”... E pronto, está feito. E eu a pensar que iam entrevistar empregados de fábricas, agricultores, pescadores. Mas depois pensei que realmente a própria existência dessa gente é capaz de ser um sinal a evitar enviar ao FMI... Desliguei a TV a pilhas, apaguei a vela e fui-me deitar. O chão do quarto agora é mais frio, em cimento, desde que desmontei o chão para fazer mais papas de sarrabulho. E cobertores não há, os finlandeses podem vir a precisar e já os dei à AMI... Além de que tenho de enviar o sinal certo aos senhores do FMI...

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A PROCISSÃO DOS PARVOS

Imagem Google

Por sinal, estamos na Páscoa. Não sou dado a festas religiosas, mas é bem evidente que a Páscoa é um pouco mais que isso. Pelo que me dizem, é época de se rumar às origens para se estar com a família. O que não deixa de ser interessante é como o português é homem de família, e quem diz homem diz mulher. Já o Natal é para se estar com a família, os Santos Populares e a festinha lá da terrinha também é para estar com a família, o Verão é para estar com a família. Enfim, tudo serve de desculpa para fugir para a mãe.
Nesta época, há outra coisa que acontece uma e outra vez, que é a de passarem na TV as mais diversas versões cinematográficas da paixão de Cristo. Já as vimos faladas nas mais diversas línguas, e hoje até passou mais uma, com um Cristo aparentemente mais real que o que normalmente costuma aparecer nestes filmes. Se Cristo era branco de olhos azuis, vou ali e já venho. Seria um judeu interessante do ponto de vista genético...
O que nunca se viu é uma procissão ateia. É uma ideia literalmente peregrina. Um grupo de espanhóis propunha-se organizar uma procissão onde só participariam ateus. Estou mesmo a ver os andores, deviam ser giros. E a abrir a procissão, não sendo um padre, quem seria? E teria uma banda de bombeiros? E putos de saias? Bem, devia ser uma verdadeira procissão ateia.
Os tribunais espanhóis proibiram a procissão, com base em dois factores simples, a provocação gratuita à Fé Católica e, por outro lado, a possível alteração da ordem pública. Sabe quem já me leu que não aprecio de forma alguma aquilo que a religião faz na cabeça das pessoas. Sou muito céptico quanto à utilidade social da religião, seja ela católica ou outra fé qualquer. Mas desta vez não posso deixar de concordar com os tribunais que decidiram, ao que me parece, sabiamente, pela proibição desta procissão.
Uma coisa é ser-se ateu – coisa que não sou, em sentido estrito – outra, bem diferente, é mostrar a opção pelo ateísmo em praça pública. Não que isso tenha algo de chocante, e se a procissão fosse autorizada, ninguém teria algo a ver com isso a não ser quem nela participasse. E eu nem sou grande especialista em procissões. Mas que raio de símbolos estas pessoas carregariam? O que haveria para ver? Uma última questão: porque razão alguém havia de demonstrar que não tem Fé em nada? Sim, porque uma procissão, apesar de tudo, é uma manifestação de Fé. Se os ateus não acreditam em nada de sagrado, como pretenderiam fazer uma procissão, sendo esta mesmo um acto solene senão sagrado? E cabeça no sítio, não?

terça-feira, 19 de abril de 2011

CAPITALISMO COMUNISTA

Não estou de acordo com esta coisa do FMI vir cá a Portugal. Eh pá, e não estou e não estou para ouvir quem me disser que só assim é que não sei o quê e mais não sei das quantas. Eu, cá para mim, penso que isto vai piorar para os que menos culpas têm no meio desta confusão toda e os tubarões vão ter dinheiro fresquinho para mais um banquete que havemos de pagar mais logo. Lógico, os menos culpados.
Essa é uma moda em que não alinho. Não alinho e não me venham lá com historietas. Eu agora estou como os finlandeses e mais nada. Eu não devo nada a ninguém, faço e fiz sempre frente aos meus compromissos financeiros e até a outros, portanto, não me venham lá com a conversa estafada de que todos nós temos culpa. Temos o tanas! Eu não tenho e tenho a certeza que como eu, muitos. Quem tem a culpa? No fundo é fácil de perceber quem tem a culpa. Será quem lucrar no final de tudo isto. E podem escrever isto que eu hoje escrevo, e assumo inteiras responsabilidades hoje mesmo, dia 18 de Abril de 2011.
Depois da fase da indignação escrita, que até nem foi nada de especial, e se não acreditam leiam outras asneiras que escrevi, vou passar a discorrer sabiamente (quem se sentir mais sábio pode comentar) sobre uma coisa que me faz um bocado de comichão no escroto do lado direito. Como dizem que os homens pensam sempre com a cabeça errada, decidi ter comichão nos ombros. E quê? Bem, dizia eu que ia discorrer sabiamente. É assim, então: o sistema financeiro mundial e o português igualmente estão alicerçados numa ideologia económica chamada capitalismo. Correcto? Creio que não há grandes dúvidas quanto a isso. Não estou a falar de política, estou a falar de economia.
Ora o capitalismo tem algumas regras básicas. Uma delas, e alguém mais sábio, com certeza, me pode corrigir se estiver a dizer um grande disparate (se for pequeno deixem lá isso), é a regra do livre mercado e concorrência. Que no fundo é uma tradução menos selvática mas igualmente selvagem da chamada Lei da Selva, ou seja, o mais forte sobrevive, o mais fraco morre. Trocando por graúdos, quem é mais apto para o mercado singra, quem faz asneira da grossa com a massa abre falência. Isto de forma simplista, não estamos aqui (ainda) a analisar custos de produção e outras estopadas que tais.
Concordamos todos? Concordamos todos. Quem não concorda comenta. Quem concorda também que isto precisa de animação. Eu penso que os capitalistas que estão a ler isto concordam e os outros também, toda a gente sabe que isto é mais ou menos assim. O capitalismo divide-se em vários ramos, no entanto. No europeu, com o seu BCE, no americano, com a sua Reserva Federal, no asiático, com o seu chicote, e no africano, com a Isabel dos Santos. Tirando daqui a Isabel e os asiáticos, vemos que os americanos e os europeus agem de forma similar, mas com ligeiras e subtis diferenças perante as grossas asneiras em que a Banca caiu nos últimos anos. Os americanos tentaram suster a falência dos Bancos, dando-lhes dinheiro à fartazana, mas depois chegaram à conclusão que havia buracos que as impressoras de dólares não conseguiam encher e desistiram disso. Levaram um ou outro especulador a tribunal e sentenciaram-nos pesadamente – estou a lembrar-me de um grupeiro chamado Maddof.
Os europeus são mais refinados no capitalismo. Sim, a regra da concorrência existe, mas apenas para merdices pequenas, tipo o restaurante da esquina ou a padaria do Zé, pão quente é que é. Bancos não. Não se pode deixar falir um Banco. Nada disso. Aí a Europa passa rapidamente do capitalismo selvagem que sempre defendeu ao corporativismo mais nazi, ou fascista tipo Mussolini ou mesmo aos antípodas das economias programadas comunistas. Porque é necessário defender os Bancos, esses são grandes demais para falir. Com a honrosa excepção islandesa, nenhum país europeu deixou de injectar milhares de milhões de euros nos seus Bancos. Porquê?
Simples, para manter o fluxo financeiro, para manter os empréstimos acessíveis ao investimento. Meritório? Talvez. Questionável sem dúvida. Mas talvez meritório. Mas há o reverso da medalha. O investimento. Ora o que vou afirmar não é linear. Mas imaginem que uma empresa investe mil milhões por ano (qualquer semelhança com o especialista em emprego barato é pura realidade), e que para tal se financia junto da Banca. Em sede de IRC, a matéria colectável é grosso modo o rendimento do exercício deduzido dos custos, ou seja, pagam impostos sobre o carcanhol que entra menos os juros que pagam aos bancos. Ou seja, uma empresa que se financie desta forma, reduz de tal forma o IRC a pagar que pode compensar o pagamento de juros à Banca. Isto de forma simplista, não estou para aqui a ser nenhum guru financeiro, nem quero, que essa gente é toda parva dos cornos.
Ora, sigam lá a lógica: não se pode deixar falir Bancos porque senão não há empréstimos, e isso origina falta de investimento, que origina que as empresas tenham de pagar IRC por todo o rendimento obtido. E nós onde ficamos no meio disto tudo? Nós enchemos os buracos que tudo isto deixa na estrada, através dos nossos IRS, IA, IT, ISP, etc…
Perceberam agora como o capitalismo funciona? E perceberam como, afinal, se pratica o fascismo e a economia planeada comunista, mortais inimigos do capitalismo, para o alimentar? Não é do catano?

quinta-feira, 14 de abril de 2011

BANCA ROTA?

Foto Google

Ora então temos por cá o FMI, ou como diz o Cavaco, o “Fef... fê... é... fef... fê...” e estaria aqui mais uma hora a descrever os termos balbuciantes com que um reputadíssimo economista não consegue dizer FEEF. Dizem que agora não importa saber as causas deste resgate financeiro. Interessa mais obter um consenso alargado entre os partidos para estabelecer acordos de regime relativamente àquilo que nos vai ser imposto pelo FMI.
Não posso discordar mais. A única coisa que interessa saber é como chegamos aqui e não como daqui sairemos. E por uma questão muito simples. É que daqui já não saímos mais. Chegamos onde pudemos, esqueçam lá o resto. As políticas a implementar daqui para a frente serão as mesmas, caso haja ou não consenso entre os três partidos do espectro político português. Interessava mais saber o que se fez para que esta situação acontecesse. Mas parece que toda a gente está com pressa de passar à acção e não de analisar o passado recente.
Irrelevante. Nós não vamos passar à acção. Esqueçam lá essa ilusão. Nos próximos anos vamos ser governados independentemente dos seis pontos do CDS ou das 27 perguntas do PSD, indicativos óbvios de que acção não é coisa que interesse – e estou para ver quando serão constituídas as comissões de acompanhamento, que vão reunir uma vez por ano e receber ordenados todos os meses. Somos especialistas em comissões e comités, em reuniões e debates, em discussão e reflexão. Não somos grande espingarda a decidir nada. Mas por aí estamos bem – agora os políticos nacionais podem, de facto, fazer aquilo para que estão vocacionados – nada, pois alguém vai trabalhar por eles. A diferença é que antes dava mais nas vistas. Agora é bem visto.
A insistência dos partidos da oposição em saber toda a verdade sobre as finanças públicas tem esbarrado em várias oposições. A do Governo, está claro, é óbvia. Quem faz merda tenta esconder e não será por esse facto que vem algo de insólito ao mundo. Mais insólito e importante tem sido o facto de um presidente da República Checa roubar uma caneta. Mas o próprio presidente tem vindo a afirmar coisas mirabolantes. Primeiro queria uma ajuda interina, em inglês “interin”, quando isso é impossível, segundo assegura o reputadíssimo presidente da comissão europeia. Depois acha que uma auditoria exaustiva às contas deve ser evitada a todo o custo, para bem do país e seu nome internacional.
Ora quem não deve não teme, já dizia o ditado. E parece que Cavaco teme, logo, deve dever. Desenganem-se aqueles que acham que as contas de Portugal nunca foram marteladas no passado e que Sócrates inventou uma nova forma de esconder merda debaixo do tapete. Sim, essas manobras já vêm do tempo do Cavaco. Aliás, até já vêm de trás. O próprio Durão Barroso parece estar mais ansioso por saber quanto se pode cortar nas reformas do que propriamente qual o tamanho do buraco.
Uma coisa parece-me óbvia e daqui não arredo pé. Por muitos FMIs que cá passem, as elites continuarão a ser elites. A elite política continuará a afundar o barco alegremente, dizendo que todos têm de se sacrificar. E posso perguntar porque tenho eu de me sacrificar se não tenho culpa nenhuma disto? A elite social continuará a ser rica, e se não ganhar, como até aqui, dez milhões, passará a ganhar amanhã vinte. A elite financeira continuará igual a si própria, tendendo a inventar dinheiro onde ele não existe e a exigir que outros paguem as suas cagadas monumentais. A elite socretina continuará em volta do seu querido líder. A elite ultra-liberal passará a estar em volta de alguém que mexe os cordelinhos atados aos membros de Passos Coelho. A elite dos pobres continuará a ser pobre. De preferência um pouco mais que antes.
É que dinheiro há... mas onde está... não fala. E para que bolsos foi, não se prova. Cavaco foi pago por Oliveira e Costa por um favor. Qual? Ninguém prova. Sócrates recebeu luvas no Freeport. Quanto? Ninguém prova. Amorim foi indiciado para ir a tribunal por desvios de milhões de euros de formação profissional. Quantos? O processo prescreveu. A mesma coisa com o grupo Jerónimo Martins. Ninguém prova, o processo prescreveu. E até são estas pessoas que escrevem os programas de governo de alguns partidos... O mundo financeiro arruinou o país e o mundo. Presos? Não há processos.
Pelo contrário, quem nos afundou exige agora que paguemos para que eles não se afundem.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O MEU PEDIDO DE DESCULPAS A TODOS...

Eu peço desculpas a toda a gente que passa por este blog, que é cada vez menos, é certo. Espero que ninguém leia o que aqui escrevo e retire alguma lição para a vida. Pouco do que escrevo tem algum valor e a prova mais que provada está aí ao lado.

Pois é... Para aqueles que acreditaram que eu disse QUE O FMI IA ENTRAR EM PORTUGAL EM FINAIS DE MARÇO - ERREI POR SEIS DIAS - AS MINHAS DESCULPAS.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A VASSALAGEM GUERREIRA CAROLÍNGIA


Carlos Magno, busto
Serão as origens da vassalagem guerreira em tempos carolíngios responsáveis pela fragmentação do poder na fase pós carolíngia?” - é uma questão pertinente. Não há muitas dúvidas que a vassalagem guerreira nos tempos do Império Carolíngio foi pelo menos parte importante das razões do seu declínio. Mas a questão é feita com uma nuance: as origens da vassalagem. De que forma, então convém perguntar, é que podemos remontar essas origens, e de que forma o seu carácter terá influído na fragmentação do poder?
A vassalagem guerreira é por vezes conotada com a “clientela” romana. Apesar das similitudes entre ambas, é dúbio que a principal origem da vassalagem fosse essa. Como bem diz Nicholas, “os clientes romanos não mantinham, em princípio, uma relação militar do estilo dos laços feudais”, ou seja, a clientela implicava uma condição servil por natureza, enquanto que a vassalagem era um acordo entre senhor e vassalo que não implicava a perda da condição de homem livre. A vassalagem parece ter uma origem germânica, e a famosa cerimónia das mãos nas mãos fazia do vassalo “homem do seu senhor”. Marc Bloch, efectivamente, na sua obra “A Sociedade Feudal”, dá-nos uma descrição vívida dessa cerimónia, descrição essa que aqui não tem cabimento.
Seja como for, a vassalagem era já praticada em tempos anteriores aos Carolíngios, nomeadamente no período precedente, o dos Merovíngios. Acontece que, como Bloch afirma, a vassalagem guerreira nos tempos merovíngios implicava uma condição diferente da sua congénere carolíngia. Os laços de vassalagem merovíngia originavam uma dependência, uma protecção, do senhor em relação ao vassalo, que normalmente era visto como um companheiro de armas do seu senhor, e muitas vezes a sua subsistência era assegurada pelos meios e casa do senhor. Em troca, a sua fidelidade, o seu serviço e as suas armas.
Sendo desta forma que a vassalagem merovíngia originava laços de fidelidade, certo era que os carolíngios a tomaram em mãos, depois de a destruírem quase por completo para tomar o poder. Carlos Martel, o prefeito do palácio real, e sua descendência, de que há a destacar Carlos Magno, que deu o nome à dinastia, tinham uma ideia diferente para a vassalagem. Os monarcas carolíngios e seus respectivos estados maiores pretendiam apenas que o império não fosse afectado pela guerra intestina, que se vivesse um período de paz duradoura e de alargamento da Fé Cristã. No entanto, o próprio Martel, ao que nos afirma Nicholas, terá financiado as suas guerras com terrenos retomados à própria Igreja. Sendo a Igreja um aliado muito forte da política carolíngia, uma solução passaria pela delegação de terras e sua administração à Igreja, sobre as quais se calcularia o valor a entregar por esta pelos serviços militares devidos. Esta política começou precisamente a ser praticada, igualmente, perante os vassalos, levando à origem dos feudos.
Assim, a vassalagem em tempos carolíngios, ao que afirma Bloch, originou a doação de terras, como recompensa, aos vassalos do rei. Por sua vez, os vassalos destes poderiam ter a mesma sorte e assim por diante. Constitui-se, assim, uma rede de fidelidade à monarquia. Cada senhor estava incumbido de manter os seus vassalos na ordem desejada e prontos a prestarem o seu auxílio militar ao rei. Obviamente, houve uma proliferação de “Comtes”, vassalos directos do rei, conhecidos por “vassi dominici”, que receberam grandes domínios, os condados, para sua administração. O contrato de vassalagem era por toda a vida e, ao contrário do que fizeram os merovíngios, os carolíngios enquadraram-no na lei vigente no Império, tornando mais difícil a sua dissolução. No entanto, como escreveu Bloch, “... lembraram-se os Carolíngios de o empregar para garantirem a fidelidade eternamente periclitante dos seus funcionários.”, ou seja, a vassalagem era uma regra para qualquer cargo palaciano, para qualquer função. Assim se fortaleceu o Império, assente numa vastíssima rede de fidelidades.
Acontece, porém, que a vassalagem poderia não ser única. Nicholas descreve-nos como era frequente que um vassalo tivesse mais que um senhor. Prestar vassalagem a mais do que um senhor implicava uma possibilidade de ascensão social, da aquisição de mais terras, do acumular de feudos. Enquanto a administração central foi única, o sistema funcionou muito bem. Acontece que a era pós-Magno raramente conheceu uma unidade política no Império, e as diversas lealdades poderiam facilmente representar um conflito de interesses. Acrescia que os vassalos eram agora proprietários de terras (feudos), e não era esperado que, como ocorreu em tempos merovíngios, permanecessem junto aos senhores. Pelo contrário, permaneciam nos seus territórios a maior parte do tempo.
Convém distinguir mais um aspecto em que merovíngios e carolíngios se diferenciavam. E esse aspecto, como apontam Bloch e Nicholas, tem a ver com a ascensão da cavalaria como arma principal de combate. A utilização do estribo e das ferraduras tornou a cavalaria numa arma eficaz para quase qualquer tipo de combate. Nos tempos merovíngios, e embora a cavalaria já se distinguisse, competia à infantaria engrossar as fileiras do exército. A vassalagem merovíngia tendia a criar soldados de infantaria, a dos carolíngios tendia a formar cavaleiros. O armamento de um cavaleiro era extraordinariamente dispendioso (afirmam os referidos autores que um cavalo, ou uma cota, poderiam valer seis bois), o que colocava os pequenos proprietários agrícolas fora deste jogo. A solução passava pela colocação das suas terras sob o domínio de um senhor que pudesse armá-lo, em troca da referida vassalagem, e dos respectivos tributos.
Bloch afirma, sem hesitações, “... começou então um longo período de perturbação e, ao mesmo tempo, de gestação. Que a vassalagem ia definir exactamente os seus traços”. Na verdade, num período de guerras intestinas, de novas invasões (os escandinavos assolavam constantemente os Francos), a necessidade de homens que pudessem proteger os mais fracos, e a procura destes por mais fracos que os ajudassem nas lutas a travar, era enorme. No entanto, estes laços não envolviam agora o rei, mas sim os grandes senhores, aqueles por quem a monarquia havia distribuído o território, e que entretanto haviam conseguido que esses títulos fossem contemplados pelo direito como de sucessão hereditária. Os seus castelos eram a garantia de protecção de todos aqueles que a procuravam, e não a autoridade real, diminuída na sua importância até à simples peça “decorativa”.
As relações entre os senhores e a monarquia carolíngia acabariam por dar origem à extinção da coroa imperial no séc.X. A vassalagem tinha originado uma multitude de pequenos territórios, onde as relações passaram a ter dois cunhos totalmente distintos. A vassalagem guerreira era renovada a cada geração. Os vassalos eram considerados senhores, o guerreiro aclamado pela mais bela das virtudes do mundo medieval, a bravura, o cavalheirismo. Enquanto que os laços de servidão, embora não numa base escrava, como outrora na antiguidade clássica, subjugava os camponeses e restantes serviçais a funções e honras menores.
Perante o exposto, é um facto que o poder carolíngio, de facto, se ergueu mediante a reinstitucionalização da vassalagem germânica e merovíngia, moldou-a de forma a que as relações de fidelidade se tornassem fortes o suficiente para formar uma matriz sólida de apoio, quer social, quer militar. A contrapartida foi a concessão de feudos, cada vez mais numerosos e poderosos. Alguns, estados dentro do estado, onde a administração central chegava apenas através dos seus senhores, e não directamente. A vassalagem guerreira originou que estes senhores tivessem os seus próprios vassalos, as suas próprias forças. Perante a queda de autoridade dos reis, e à falta de segurança sentida pelas populações, a autoridade passou-lhes para as mãos. Daí até à fragmentação total do poder carolíngio... Foi um passo.
Será justo dizer-se que as origens da vassalagem guerreira provocaram a fragmentação? Bem, se atentarmos a como o Império foi desmantelado pelos próprios reis, distribuindo parcelas pelos filhos, diminuindo assim a autoridade de cada coroa subsequente, não seria de espantar que a fragmentação ocorresse, tendo em conta as novas invasões, tribulações climatéricas e pragas. Mas, sem dúvidas, a rede de vassalagem originada antes era a alternativa de poder que se perfilava numa primeira linha de sucessão, se é que de tal podemos falar. É, assim, uma causa, mas também ela própria uma consequência da fragmentação, mas antes de mais, da própria política carolíngia.

Trabalho realizado no âmbito da disciplina História da Idade Média, Lic. História, 1ºAno, Bibliografia omitida

domingo, 3 de abril de 2011

CONTINUIDADE CULTURAL TARDOANTICA

Agostinho e a Igreja, Google
A continuidade cultural a que se assistiu na transição da Antiguidade Clássica tardia para as épocas subsequentes, mormente as invasões bárbaras e o período medieval, é um facto que não pode ser explicado apenas pela consubstanciação geográfica. De que modo, então, se preservaram os saberes clássicos, através de que mecanismos, que factos contribuiram para que tal acontecesse, e mais ainda, se tornassem na base daquilo que conhecemos como cultura ocidental?
Diversos historiadores consideram que o ponto fulcral para que a herança clássica, fundamentalmente grega, persistisse até hoje, terá sido a batalha das Termópilas, em que um pequeno exército espartano conseguiu derrotar uma imensa horde persa. Não deixam de ter alguma razão, embora os receios do ponto de vista cultural acabassem por se revelar infundados. Os persas tinham uma visão cultural muito mais aberta do que se julgava. Mas não é só nesta batalha que os persas jogam o futuro da herança cultural europeia. O jovem imperador Ciro acaba por ter um papel importante neste aspecto, ao libertar o povo hebreu do exílio na Babilónia por ele conquistada. De que modo podemos relacionar ambos os factos? É que à herança cultural clássica juntou-se um movimento religioso baseado no judaísmo, o cristianismo, que só existiu porque a libertação do exílio se efectivou.
Ora, na altura de Agostinho, há muito que o cristianismo era uma realidade palpável, sendo à altura a religião de Estado do Império Romano. Aparentemente, e à primeira vista, seria incomportável que um cristão relevasse a cultura clássica, nessa época considerada tardia, na valorização da sua fé. No entanto, não é por acaso que tal sucede. Ao invocar o êxodo do povo hebreu do Egipto, Agostinho sabe do que fala. A sua alegoria da prata e ouro que os hebreus tomaram para si nessa altura, relacionando-os com as verdades doutrinárias que a antiguidade clássica contém para um cristão, bem como o vestuário que os mesmos hebreus retiraram do Egipto, como sendo as instituições dessa mesma antiguidade, Agostinho toca num ponto interessante, que é a da continuidade cultural que se deu na época do êxodo. Basta ler os mitos egípcios para nos apercebemos das similitudes com as profecias judaicas, que haviam de ser cumpridas para dar corpo ao cristianismo. Osíris ressuscitou ao 3ºdia, e forma uma trindade de deuses com sua irmã e mulher Ísis e o seu filho Hórus. A Arca da Aliança, tão parecida com as barcas cerimoniais egípcias.
Melhor alegoria Agostinho não poderia conceber. Ele sabe que a matriz do cristianismo é essencialmente de cariz judaico, e que este é em parte baseado no Antigo Egipto. Mas simultaneamente sabe que o cristianismo não é judaísmo. Sabe que a fé cristã é um produto originalmente concebido na Judeia, mas essencialmente desenvolvido por Roma e pelo poder imperial que daí emana. Sem o poder imperial por trás, o cristianismo provavelmente ter-se-ia desintegrado como aconteceu com o hermetismo ou o zoroastrismo. Roma fez do cristianismo uma religião global. Nos sécs. IV e V da nossa era, tempo de Agostinho de Hipona, a religião cristã era já um legado judaico. Mas seria também um legado da tradição clássica.
A legitimação da antiguidade clássica tardia é um feito de Agostinho e de Jerónimo. Ambos estavam convencidos de que, embora usados para a adoração de demónios, os saberes clássicos eram válidos como valores a ensinar e a preservar. Estes saberes, ao invés de terem sido inventados ou criados pelo homem clássico, seriam apenas materiais em bruto, refinados pelo uso da intelectualidade humana. No fundo, não eram pertença dos pagãos, estes apenas se serviam deles porque deles se apropriaram indevidamente. O uso devido e sublimação desses saberes ocorreriam quando utilizados na defesa da fé cristã. Agostinho foi hábil na manipulação dos mesmos. A sua principal preocupação era a homilia, a pregação, o sermão, através dos quais espalhava a fé e combatia o paganismo. Que melhor forma de o fazer senão empregando as técnicas oratórias utilizadas e ensinadas por um grande orador latino (romano), como Cícero? Os três níveis da oratória de Cícero são por ele defendidos: o humilde, para o ensino; o moderado, para encantar; o sublime, para convencer.
De referir que a exegese cristã é feita unicamente através das Escrituras. Todo o conhecimento cristão provém da Bíblia. Logo, Agostinho utiliza as técnicas clássicas para ensinar os neófitos a fazer essa exegese. Ou seja, as técnicas clássicas de interpretação passaram a ser utilizadas para a adoração do Deus único e não para a adoração dos demónios pagãos, cujos ressurgimentos pontuais Agostinho combatia com veemência.
Ao associar desta forma o conhecimento clássico à fé cristã, Agostinho acaba por moldar o futuro da continuidade cultural ocidental. E esta continuidade ia muito para além da latinidade. Agostinho comparava frequentemente os textos em latim com os originais textos em grego, associando dessa forma, não só a antiguidade clássica tardia mas também a alta à matriz cristã. Jerónimo, por exemplo, foi ainda mais longe, ao preferir o Antigo Testamento em hebraico.
O Império havia de ruir. Agostinho não o sabia na altura, caso contrário teria provavelmente feito ainda mais esforços por preservar o conhecimento e cultura clássicos. De qualquer das formas, ao pôr ao serviço da exegese cristã, da catequese dos neófitos e da propagação da fé os preceitos da literatura, da oratória e, de uma forma geral, das artes e cultura clássicas, legitima-os aos olhos da fé cristã, e acaba por assegurar uma continuidade cultural que moldou o que hoje se conhece como cultura ocidental. Na altura em que finalmente o Império ruiu, já os bárbaros estavam cristianizados, e já as Regulas que regulamentavam o ensino monacal, entre elas a Regula Magistrer e a Regula Beneditina, haviam sido compostas e haviam de assegurar que a continuidade tivesse sucesso, mesmo através dos tempos conturbados que se seguiram à queda. Mas, na realidade, foi graças ao último grande vulto literário do Império, Agostinho, Bispo de Hipona, Santo Agostinho, que não se terá perdido para sempre um precioso legado: a Antiguidade Clássica. 

Trabalho elaborado no âmbito da dsiciplina Temas de Cultura, Lic. História, 1ºAno, Bibliografia Omitida

sexta-feira, 1 de abril de 2011

POVOAMENTO E DEFESA DO PORTUGAL MEDIEVAL

Castelo de Vinhais, Google

O primeiro monarca português, D.Afonso Henriques, consegue a independência de Portugal em consequência do Tratado de Zamora, em 1143, já vassalo da santa Sé, outorgado por ele e Afonso VII, imperador de Leão e Castela, seu avô, mas o facto é que o território que agora regia estava longe de ser simétrico em termos demográficos. No fundo, este resultava das estruturas senhoriais do tempo do Condado Portucalense e de tempos anteriores. Se é verdade que a densidade demográfica de Entre Douro e Minho era alta, resultado de senhorios antigos, outras zonas do território permaneciam praticamente desertas, como muitas zonas de Trás-os-Montes e restantes áreas do então jovem país.
De relembrar que apenas em 1250 Portugal desenha o seu formato geográfico actual, mercê da conquista dos Algarves. De permeio, um imenso território separava as paragens meridionais dos referidos senhorios setentrionais do Minho e Douro. Certo era que a capital estava em Coimbra, o que parece ter sido uma primeira tentativa de povoamento. A mudança de capital para uma cidade que, ao tempo, pouco distava da fronteira sul com os sarracenos, acompanhada de forais atribuídos a diversas vilas fortificadas daquela zona (Montemor, Penela) constituía uma primeira linha de defesa do território bem como uma descentralização que punha em causa o povoamento até aí estritamente religioso e / ou senhorial que abundava no norte do território.
A conquista do Algarve abre definitivamente as portas a um povoamento mais efectivo. Com poucas preocupações de defesa a sul, as atenções viram-se para a fronteira com Castela, bem como para as zonas adjacentes, escassamente povoadas e defendidas. Esta dupla preocupação de povoamento e defesa do território é uma constante nesta altura. Por várias razões, sendo algumas das mais importantes a efectivação do controlo administrativo centralizado, a defesa propriamente dita e a economia, uma vez que existia uma imensidão de terras por arrotear.
Acresce que houve diversas formas de povoar o território. As terras mais a sul foram entregues a Ordens Religiosas Militares, elas próprias garante de defesa, ao mesmo tempo que procediam a uma ordenação do território bem planeada e eficaz. Mas Trás-os-Montes, por exemplo, tinha alguns problemas, já que vastíssimas parcelas do território dependiam da autoridade eclesiástica dos bispados de Tuy, na Galiza, e de Moreruela, em Castela. Logo, a solução não podia passar pela doação de propriedades a Ordens Religiosas, que poderiam ficar dependentes dos mesmos bispados, com implicações geopolíticas óbvias e contrárias à unidade territorial.
A dupla preocupação da coroa com o povoamento e segurança não era tão simples como as palavras induzem. Na verdade, por detrás do povoamento a preocupação era económica, como já disse atrás. Mas a segurança não era apenas contra as incursões inimigas no território português, mas também contra qualquer violência que se pudesse exercer contra as pessoas que aceitavam fixar-se nessas terras e arroteá-las, ou seja, uma razão igualmente económica. Assim, o povoamento em áreas como Trás-os-Montes parece ter passado pela utilização do foral pela coroa e pelos seus oficiais regionais para tal mandatados.
A atribuição de terras a pessoas desejosas de se fixarem nestes territórios pode não ter sido a única realidade neste processo. Se é certo que houve migração, não é descabido que, em muitos casos, o foral fosse dado a localidades já existentes. O objectivo era na realidade muito simples. A coroa obtinha a certeza do povoamento e arroteamento de terras por parte de localidades que já o faziam, garantindo a sua segurança através de incentivos e pagamentos destinados à construção de fortificações. Por outro lado, as mesmas fortificações asseguravam a segurança do próprio país. Não é de menosprezar o facto de que populações nestas condições, antes fazendo parte integrante do território, se colocavam directamente sob a alçada do rei, o que contribuía para a muito desejada centralização de poder na coroa.
Indicativo de que a segurança era muitas vezes a razão que se sobrepunha às outras, é a concessão frequente de isenções ou reduções de tributos à coroa mediante a disposição dos concelhos assim criados em se submeterem ao seu comando em caso de movimentações bélicas, de carácter externo ou interno, tanto servindo de base a tropas como fazendo parte das mesmas, pelo menos aqueles que possuíam armas ou cavalos. A dispensa de participação dos povoadores nos fossados, por exemplo, que aparentemente parece uma regalia que contraria a ideia de organização de segurança, exigia no entanto que estes se empenhassem na defesa do próprio concelho.
Os concelhos foram uma forma recorrente de povoamento do território, por toda a parte, mas particularmente nas regiões a norte do Alto Douro e Beiras. Ao invés, as doações a ordens religiosas militares parece ter sido a forma encontrada para povoar as extensas regiões a sul do Tejo e Estremadura, como se verifica pela actuação dos cistercienses em Alcobaça. No entanto, mesmo nas regiões fronteiriças, há que relevar a acção da Igreja, que entretanto havia recebido da coroa grande número de coutos. A região fronteiriça entre Chaves e Bragança é disso exemplo. A Igreja restaurou e ampliou fortificações (Castelo de Vinhais...), e erigiu igreja fronteiriças, elas próprias fortificadas, onde se poderiam facilmente acoitar os habitantes dos respectivos coutos.
Politicamente, tantos os concelhos como os coutos, mas especialmente os senhorios, restringiam, de uma forma notória, a autoridade do rei e dos seus oficiais, uma vez que os juízes dos concelhos e a Igreja, nos coutos, e mais ainda os senhores, eram quem particularizavam as leis e a administração da Justiça nos respectivos territórios, tornando infrutíferas as tentativas da coroa de impor uma Lei geral e comum a todo o território. De notar a acção de Afonso IV que, através da exigência de prova de legitimidade de diversos senhorios e outras concessões de terras, acabou por cassar e reduzir muitas delas, o que harmonizou a lei e pôs fim a muitas contendas que iam eclodindo.

Trabalho realizado no âmbito da disciplina História de Portugal Medieval, Lic. em História, 1ºAno - Bibliografia omitida