segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

MISR

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Arranjar um assunto difícil sobre o qual pudesse escrever ás 11:00 de uma noite fria de Domingo nunca foi tão fácil. Egipto. País que não existe, na realidade. O país chama-se MISR, e não Egipto. Mas isso é outra história e toda a gente conhece o país como Egipto e está tudo bem. Além do mais, não falamos árabe.
Tunísia, Egipto, Jordânia... Enfim, países do Médio Oriente e norte de África são para mim muito queridos. O Egipto particularmente. Muito se tem falado sobre o país e o seu presidente, o eterno Mubarak. Os egípcios são afáveis, gente simples com bom trato. Não são tradicionalistas, e o Egipto é o país árabe mais liberal em termos religiosos, de longe. O estado é laico e embora a religião dominante seja a islâmica, não é frequente verem-se burkas ou nikabs. Há uma minoria de cerca de 12% da população que é cristã (não confundir com europeus – são cristãos árabes – também os há), que tem liberdade de culto.
O Egipto é o centro do mundo árabe. O Cairo tem o maior museu arqueológico do Mundo, e é a cidade capital da cultura árabe. É uma urbe de proporções assustadoras, sendo que o Nilo divide a cidade em duas partes distintas, al-Qahïra, de doze milhões de habitantes, e Gizah, de seis milhões, e ao fundo da principal avenida desta última encontram-se as Pirâmides. Num centro comercial, perto do Hospital Central de Gizah, encontrei 46 lojas, sendo que 20 eram de lingerie. É um mundo de contrastes, é uma cidade feia com belezas imensas, grandiosa na sua confusão diária de pó do deserto, comércio desenfreado e trânsito caótico. Cidade onde aterrar de avião é sempre uma aventura extraordinária.
A revolta no Egipto é do povo. O povo egípcio está a pedir mais democracia, mais reformas económicas, menos corrupção. O sistema político egípcio cinge-se a uma palavra: Mubarak. A economia, estruturada em volta das três principais fontes de rendimento: agricultura, primeiro, turismo, depois, e finalmente os recursos minerais (petróleo, fosfatos, metais, etc.), está a dar sinais de evidente ruptura, perante um acréscimo de população de 1,25 milhões por ano. A corrupção é palavra de ordem, e a gorjeta aplica-se a todos os níveis da sociedade egípcia.
É natural a revolta. Mubarak está há mais de 30 anos no poder. O povo anseia por uma cara nova que lhe dê esperanças para o futuro. O problema não é a revolta, mas sim o que dela pode sair. Mubarak não é um homem religioso, e na retina fica, a nível de exemplo, a sua lei que proibiu o uso de nikab ou burka no interior das universidades. É essencialmente um homem prático, que não hesita em fechar as fronteiras com Gazah assim que o Hamas tomou posse do seu governo, que não hesita em manter vivo o acordo de paz com Israel, tão importante para a região, que não hesita em alinhar com o Ocidente em questões de equilíbrio regional. Evidentemente, é um homem incrustado no poder, sem capacidade de delegação, que tudo controla, e que, muito provavelmente, sorve grande parte das riquezas imensas do país. Tudo isto pesado, pede-se que abandone o poder, para que se possa instalar uma democracia.
Mas que regime poderá emergir desta revolta? Assumindo que Mubarak abandone o poder, o que não é ainda certo, será que o Egipto pode vir a ser uma plena democracia? Pode. Poder até pode. Mas estou algo céptico. A esperança, é bem sabido, é a última a morrer, mas organizações potencialmente perigosas como a Irmandade Muçulmana alinham-se rapidamente com os manifestantes. Esta Irmandade está conotada com o Hamas e com o Hezbollah, são fanáticos religiosos que, a troco de uma suposta melhoria das condições de vida do povo, pode implantar-se no poder, decretar a República Islâmica e revogar o Estado Laico. Não precisamos de recuar muito para constatar o que aconteceu no Irão há mais de 30 anos e que ainda perdura. Tenho esperança, mas tenho também um enorme receio de que este país, antes aberto a quem o quisesse visitar, que não impunha qualquer código religioso, em breve se possa tornar em mais um bastião religioso.
Por outro lado, e tal como aconteceu na Tunísia, é preciso questionar os nossos líderes ocidentais. É preciso perguntar-lhes porque apoiaram ditaduras tão longas, por que razão Ali e Mubarak eram considerados amigos do Ocidente mesmo sendo ditadores. É preciso saber por que razão a Ministra dos Negócios Estrangeiros francesa se prontificou a ajudar Ali com meios de controlo de rebeliões urbanas. É necessário fazer estas perguntas todas. E acima de tudo, é necessário que o Ocidente se dê conta do que está a acontecer a tempo. Se a evolução dos acontecimentos levar a democracias plenas, óptimo. Se levarem a Repúblicas Islâmicas, perguntar-se por que razão o povo árabe decide aglutinar-se contra o Ocidente. É necessário lembrar que o problema do Médio Oriente foi criado por uma deficiente descolonização dos países europeus dominantes – o Reino Unido, a França e até a Alemanha – que por diversas vezes e muito tempo se limitaram a lavar as mãos como Pilatos.
A única coisa de que posso estar certo é que o que ficará será sempre a extrema simpatia e simplicidade do povo egípcio. E a sua forma de ver o mundo: o Céu é o Misr, o inferno é tudo o mais.

domingo, 30 de janeiro de 2011

ONDE PÁRAM AS PARANGONAS?

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Amanhã, 2ªfeira 31 de Janeiro de 2010, o preço dos combustíveis vai descer. Apesar do facto de a cotação do barril de petróleo ter fechado, na 6ªfeira, quase nos 100 dólares, as cotações para refinados ainda não reflectem esse aumento da matéria prima. Já a semana passada aconteceu o mesmo. A descida rondará os 1,3 cêntimos para o Diesel e 2 cêntimos para as gasolinas.
Não é a primeira vez que se assiste a uma subida do petróleo e descida de preços nas bombas. Não seria a primeira vez que aconteceria o contrário, se esse fosse o caso. Só que, quando é ao contrário, as companhias petrolíferas saltam imediatamente para as parangonas dos jornais, onde são apresentadas como o diabo em versão empresarial. Amanhã, ninguém vai reparar que os combustíveis desceram. Não vai haver parangonas. Não vai haver elogios. Não vai haver nada.
Na 3ªfeira, dia 1 de Fevereiro, a incorporação de Biodiesel no gasóleo vai deixar de gozar de isenção de Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP). Ao invés de serem as companhias a incorporarem esse custo na sua estrutura, o Governo antecipou-se e publicou uma Portaria que indica como esse custo deve ser reflectido. E indica como deve ser reflectido no PVP do gasóleo, o que se traduz em mais 2 cêntimos no preço final. Não quer isto dizer que as companhias petrolíferas não o fizessem da mesma forma. Quer apenas dizer que a grande preocupação do Governo é assegurar que este novo aumento de impostos pareça ser um aumento de preços de livre iniciativa das companhias.
Obviamente, na 3ªfeira, lá voltarão as parangonas da comunicação social alinhada pelo Governo com o aumento no gasóleo. E assim, quem vai escapando é o Governo. O Biodiesel era apresentado como a grande solução – combustível barato, produzido a partir de recursos renováveis. Uma panaceia. O problema é que Sócrates se enganou nos cálculos. O Biodiesel é bem mais caro que o gasóleo, é uma tragédia ambiental e um produto que faz subir os preços dos bens agrícolas essenciais. Logo, há que o taxar. Com quê? Com ISP, evidentemente. Mas como voltar atrás na incorporação de 7,5% de Biodiesel no gasóleo rodoviário? Não se pode voltar atrás, é uma Directiva Comunitária. Azar. O Povo que pague. O Governo desvia-se. As companhias já estão habituadas ao insulto fácil. Tudo vai bem na terra do Pinóquio Sócrates.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

DIA DE FESTA

PARABÉNS, MAJESTADE!

NÓS SOMOS BENFICA!


Um dos temas do momento anda ao redor do último SL Benfica-CD Nacional. Foi um dos mais belos jogos que vi este ano na Liga. Um jogaço, bem jogado por ambas as equipas, com uma arbitragem cheia de casos, como convém, com incerteza no resultado final e no qual vi algumas das mais belas jogadas de futebol que se possam julgar possíveis.
Mas o tema anda em redor do jogo e, infelizmente, não foi o extraordinário jogo em si. Depois de acabado, houve uma confusão no meio do terreno entre jogadores, treinadores e até um dos presidentes lá estava, no caso o do Nacional. Não é novidade para ninguém que as relações entre o Benfica e o Nacional não são muito amistosas. Podem considerar-se cordiais, e já é dizer bastante. Águas passadas que parecem ainda mover moinhos... Envolvido em tudo isto esteve Jorge Jesus. Já todos conhecemos o temperamento de Jesus, e os próprios benfiquistas não devem esquecer tão cedo os impropérios por ele lançados no final de um célebre Benfica-Braga, há dois anos.
Jorge Jesus, e independentemente das razões que o levaram a tal, e que podem ser muitas como muito poucas, conhecendo o carácter algo irascível do personagem, aparece em imagens a tentar, se não mesmo a conseguir, agredir um jogador do Nacional. Com certeza o jogador envolvido não deve ter elogiado Jesus, e até respondeu à agressão. Em todo o caso, fica o registo para a situação. O treinador do Benfica é o treinador do clube com maior número de sócios do Mundo, que já ganhou 32 campeonatos nacionais, um clube de projecção nacional inegável e de prestígio a nível internacional. Um clube onde pontificaram lendas vivas do futebol mundial, como foram os casos de Eusébio, Mário Coluna, Simões, Humberto Coelho, Fernando Chalana, Rui Costa, Paulo Sousa, Ricardo, Mozer, Valdo e muitos outros. É um clube com responsabilidades acrescidas pela projecção que tem.
Jorge Jesus tem já conta corrente na Luz – ganhou um campeonato, e não só o ganhou, como ganhou merecidamente e pondo a equipa a jogar um futebol espectacular. Reconhece-se o mérito desportivo, a valia técnica. É bem verdade que se exprime de uma forma algo deficiente, mas também é certo que não é um doutor, é um trabalhador. Mas eu, como sócio do SL Benfica, como acérrimo defensor do bom nome do meu clube, não posso concordar com a atitude de Jesus. Merece castigo. E merece castigo, não por analogia com outras situações protagonizadas por outros personagens naquele mesmo Estádio, pois tratam-se de situações inteiramente diferentes, mas antes porque o Benfica não pode dar-se ao luxo de ter atitudes destas por parte dos seus profissionais. É degradante. E eu, como benfiquista desde sempre, se fosse dirigente do CLUBE, castigaria Jesus de nossa própria iniciativa, não ficaria à espera dos castigos da Liga.
O Benfica está acima de joguinhos de bastidores, o Benfica é um clube de prestígio mundial, e é sagrado demais para os seus sócios e simpatizantes para que, depois de um espectáculo grandioso como aquele jogo seguramente foi, termos de aturar birras de quem deve dar o exemplo aos adeptos e aos atletas do clube como sendo ponderado e elevado. Não foi o caso. Nem admitirei, caso se levante alguma voz contra um possível castigo a Jesus por parte da Liga, que benfiquista algum justifique seja o que for com o facto. Não somos um clube de alienados. Não estamos à procura de razões do insucesso. Não podemos ser como outros que aspiram constantemente a ser como nós. NÓS SOMOS BENFICA!

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O ROUBO

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As parangonas dos jornais são sempre impressionantes. Tem de ser sempre impressionantes. É a eterna luta do jornalismo, discernir entre o vendável e o verdadeiro, entre o útil e o sensacionalista, entre o meramente acessório e o essencial. E tudo isto vem a propósito de quê?
As parangonas dos jornais têm tido, com alguma insistência, as petrolíferas e ao preços dos combustíveis como assunto. Porque não páram de subir. E não apenas porque não páram de subir, mas sobem sem qualquer razão! Fica no ar a ideia do assalto das petrolíferas aos consumidores. Fica a ideia da impunidade, fica a ideia do oligopólio, seja lá o que isso for, ficam montes de ideias. As parangonas de jornais permeáveis ao poder político têm sido assim. Ninguém informa, deixa apenas a ideia no ar.
As pessoas não são máquinas, são apenas pessoas. Não têm obrigação de saber aquilo que não sabem. Os orgãos de informação, esses, têm o dever de informar e de saber o que dizem. Não apenas lançar suposições que os mais demagógicos apanham imediatamente e propagam aos sete ventos como se de uma verdade insofismável se tratasse. Por muito que se explique como funciona o negócio, alguém sabe sempre que leu do jornal x, ou no pasquim y, normalmente afectos aos interessados, que não é assim. E fico eu, no caso, a pregar no deserto.
Agora que está à vista de todos que os combustíveis subiram em Espanha para valores record, já alguns questionam o porquê da diferença se manter tão grande, mesmo assim, entre os dois países. A resposta não é simples?! - Impostos! Custou a perceber que a relação entre o preço do petróleo e dos combustíveis não é directa, longe disso? Que os combustíveis têm a sua própria referência, negociada internacionalmente e que é virtualmente igual para todos?
É que o que eu queria mesmo era esta parangona, hoje, nos jornais:
PREÇO DO COMBUSTÍVEL DESCE APESAR DA SUBIDA DO PETRÓLEO!!!!”
Alguém a viu? Não, pois não? Vão ver que para a semana, se acontecer o contrário, verão novamente, mas ao contrário. O sensacionalismo não é de hoje.
E ninguém é santo aqui. O combustível é um negócio como outro qualquer. Quer ter lucros, quer vender, quer manter a sua posição, provavelmente quer manter milhares de empregos por esse Mundo fora, e até ser o maior imposto do Orçamento de Estado de países como Portugal. Ninguém é santo aqui. Também há segredos do negócio, também há campanhas, também há promoções e também há vendas gigantescas a hipermercados. Ninguém é diferente, afinal. Também há autoestradas com os preços todos iguais, e também há autoestradas com os preços todos diferentes, mas parece que ninguém lá anda, só se anda nas que têm os preços iguais. Não há milagres.
Mas há coisas boas e coisas más. Pena é que só se lembrem das más, quando lhes convém tapar os olhos ao povo.
No início de Fevereiro, uma das bandeiras do Governo socialista (?), a adição de Biodiesel aos gasóleos rodoviário e verde, vai originar nova subida de impostos nos combustíveis. É que acabou a isenção fiscal para o Biodiesel, que é mais caro que o gasóleo. E não só as petrolíferas não podem diminuir o teor do Biodiesel no combustível (diga-se em abono da verdade, por imposição europeia), como têm de o valorizar mediante os cálculos fornecidos por Portaria pelo Governo – que se traduzem em mais dois cêntimos no preço para quem compra e em mais custos para quem vende. Vai uma aposta em quem os jornais vão pôr a culpa para a semana?

O INCENTIVO

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Conta-se que, na China, as famílias dos condenados à morte têm de providenciar o pagamento das balas com que será executado o condenado. Não interessa agora se é verdade ou não, e como nunca fui à China, não posso aquilatar da veracidade da questão. Nem interessa agora derimir argumentos mais ou menos estéreis sobre os defeitos e virtudes (?) do sistema social chinês.
O facto é que a sensação com que fico, depois da reunião da Concertação Social, que hoje teve lugar, é que Portugal começa a parecer-se ligeiramente com a China, e não é nos olhos em bico. A reunião tinha como mote as medidas de incentivo à contratação. Vai daí, do que se lembraram o Governo e as Associações Criminosas Patronais? De discutir os valores de indemnização por despedimento.
Ora, para os mais desatentos, quiçá distraídos por uma qualquer eleição presidencial, pode parecer óbvia a ligação entre indemnização por despedimento e incentivo à contratação. Eu, que porventura estou um pouco mais atento, não consegui encontrar essa relação, provavelmente fruto de má formação intelectual, vulgo estupidez, ou como resultado de algum acidente com o meu occipital, vulgo moleirinha, assim que saí de dentro da minha aconchegante mãe, vulgo a minha velha. E não há mais vulgos para ninguém, pelo menos associados ao nascimento, porque sou moço educado quando quero e agora até me apetece.
Escrevia eu que não consigo encontrar uma relação directa entre despedir e contratar, e penso que uma coisa até é o contrário da outra. Depois pensei que, para se contratar alguém, às vezes, terá de se despedir outro alguém. Aí já faz mais sentido, principalmente para se poder ir buscar um qualquer subsídio por primeiro emprego ou até uma redução na TSU, quem sabe? Há, de facto, contratação. Mas também há um despedimento para haver essa contratação... Começo a dar voltas e o melhor que consigo encontrar é um equilíbrio, menos um desempregado para mais um desempregado.
Mas depois há ainda outra questão. Vai ser mais barato despedir. Aliás, e não que este Executivo socialista (?) necessitasse, como o PSD, através do seu fantoche líder, já tinha alvitrado. De alvitre em alvitre, cá estamos a reduzir a indemnização a quem é despedido, diz-se que para os 20 dias por ano trabalhado. E a razão apresentada é óbvia: Espanha já alterou este valor para os 20 dias há algum tempo, e adequou a sua política de trabalho ao resto da Europa. Sendo o “nosso maior concorrente na fixação de mão de obra”, como disse Helena André, a ex-sindicalista que se vendeu transformou em Ministra, temos nós de também ir pelo mesmo caminho.
E aqui fico feliz. Vamos pelo mesmo caminho da Espanha. A nossa política de trabalho vai ser como a espanhola – com certeza, a próxima medida será aumentar os ordenados para os níveis dos ordenados espanhóis. Ou isso ou pagar para ser despedido, ainda não percebi bem. É que o nível dos empresários portugueses é o mesmo que o dos empresários espanhóis? Isso é outra coisa que não percebo... É a tal coisa da moleirinha...

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

SONHO RECORRENTE 2

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(AVISO: ESPERO QUE TENHAM BONS REFLEXOS A DESLIGAR O SOM DA BANDA SONORA. É QUE OS TEMAS SÃO SUBORDINADOS AO TEMA EM QUESTÃO NESTE POST. BOA SORTE!)
Capítulo II
-Então mas vocês aquecem o Inferno a Gasóleo de Aquecimento? E a quem compram? Ò pá, santo, eu arranjo já aí um desconto à maneira!
-Pois, a gente por aqui por baixo morria de frio, não fossem as caldeiras de gasóleo. Calhou-nos ficar cá em baixo, que se há-de fazer?
-Pois, lá em cima ficou o Céu, não é? - perguntei na minha inocência.
-Não, lá em cima, no Pólo Norte, ficou o Pai Natal. Nós ficamos com o Pólo Sul. E isto é um gelo do cªrª£hº, principalmente nos seis meses de noite...Vamos para dentro, estou a congelar os tomates aqui fora.
E fomos para dentro. Não fomos logo para a sala disco. S.Cipriano quis mostrar-me a casa antes da diversão. Ia mostrando os cantos e recantos do sítio e explicando o que ali se fazia.
-Aqui é o Inferno budista. Podes dar uma olhada aí pela janela – disse-me ele. Olhei. Estavam gajos sentados até perder de vista, todos vestidos com panos laranja, em posição de cªgªr. Estavam todos concentrados e de vez em quando diziam “mmmmmm”...
-Então mas não é isto que eles fazem na Terra? Qual a diferença?
-Pois, tivemos alguma dificuldade em pôr os gajos cá. Mas depois arranjamos a solução. Fazem exactamente o mesmo que na Terra, mas sempre. Não se levantam para vender balsamo chinês.
-Há uma coisa que não percebo. Porque é que fazem “mmmmm”?
-Ninguém sabe. O patrão diz que são todos uns bois do cªrª£hº e é a forma deles mugirem. Outros dizem que é para se concentrarem, que é tipo uma trampa.
-Mantra...
-Pois, é capaz, é... Já te disse que não sei as Escrituras de cor... Eu acho que é por estarem a puxar para cªgªr... Olha, vês, ali é o Inferno hindu.
Olhei pela janela e vi um comboio imenso, cheio de gente lá dentro, em cima e dos lados.
-Também não estou a ver diferença do que faziam todos os dias na Terra...- disse eu, encolhendo os ombros.
-Pois, à primeira vista não, não é? Mas o patrão arranjou maneira. Aumentou-lhes os ordenados para 20 euros por mês e eles agora sentem-se mal porque podiam pagar o bilhete para ir dentro do comboio, mas não podem porque já está cheio! É uma aflição... Havias de ver ao início do dia! Olha, estamos a chegar ao Inferno judaico.
Olhei pela janela e vi uma terra a perder de vista, verde e cheia de árvores de fruto, com gado a pastar. Tudo numa abundância extrema. As pessoas vagueavam pelos campos, muito tristes e chorosas.
-Este ainda é melhor que os outros! - exclamei eu – estes gajos têm cá tudo o que precisam. Mas estão todos a chorar. Não percebo muito bem...
-O patrão tirou-lhes os palestinianos e eles agora não têm quem matar. Aí está o Inferno protestante.
Era uma paisagem quase tão idílica como a do Inferno judaico, e com as pessoas igualmente cabisbaixas e com um olhar perdido.
-E a estes, que lhes fizeram para ficarem tão tristes?
-Bem, depende. Aos fundamentalistas, tiramos-lhes as carroças e demos-lhes carros!
-E onde arranjaram os carros?
-Tiramos aos que não são fundamentalistas. E a esses demos-lhes as carroças dos outros! Isto para a auto-estima é uma porra. Além disso, dissemos-lhes que o petróleo acabou na Terra... Olha, o Inferno islâmico.
Olhei. Era um quartinho pequenino e deserto. Aparentava nunca ter sido utilizado.
-Onde estão os gajos? - perguntei.
-Quais gajos? Os muçulmanos? Esses nunca vão para o Inferno. Podem fazer o quiserem e muito bem lhes apetecer na Terra que aqui nunca vêm parar. Apedrejar, vergastar, bater nas mulheres com barras de ferro, matar os gays, até pôr bombas, lançar rockets ou fazer atentados suicidas. São sempre perdoados. Ouvi dizer que a única diferença entre eles no Céu é o número de virgens que têm à disposição. Mas essa conversa das virgens... não me convence. É quase como a outra, a Maria...
-A Virgem Maria? - disse eu – essa concebeu sem pecado, segundo as Escrituras. Recebeu a visita do Arcanjo Miguel para lhe anunciar o nascimento de Cristo.
-Pois, isso é o que aparece no filme. Mas é relativo. Uma queca anónima é pecado? Para mim não! Além disso, a moça já tinha bebido uns canecos naquela noite e as substâncias psicotrópicas fluíam livremente. Olha, mais pecado foi pôr um valente par deles no José e obrigar o Patrão lá de cima a assumir a paternidade.
-Estás a dizer que Cristo não é Filho de Deus?
-Não, estou a dizer que pode ser. Ninguém sabe. Mas sabes como é, naquele tempo não havia ADN nem o catano... Lá ficou o Patrão de cima com o puto nas mãos. Mas olha que nunca perdoou a coisa. Fez o puto passar por cada uma...
-Sim, a vida de Cristo foi muito sofrida, isso é verdade...
-Sofrida? Foi horrível, pá!
-Pois, a crucificação e isso...
-Qual crucificação? Estava a falar do facto de nunca ter dado umas... sabes?
-Então agora vamos ver o Inferno católico? É para lá que eu vou?
-Vamos ver o Inferno católico, mas não vais para lá, pá! Nada disso.
-Então vou para que Inferno?
-Tu vais para o Inferno Português.
-Há um Inferno só para Portugal? Estou, portanto, a modos que fºdidº...
-Tens de entender uma coisa. O Céu português é um Paraíso à beira mar plantado, de brandos costumes, calma e muito relax. Muito bronze, pouco trabalho e tal... estás a ver o filme.
-E qual a diferença para Portugal mesmo?
-É offshore... Como é, bebes um copo? Anda daí, eu pago. Vamos lá discutir o desconto no gasóleo de aquecimento! A gente costuma comprar aí a uns habilidosos com umas carrinhas manhosas...

domingo, 16 de janeiro de 2011

SONHO RECORRENTE 1


Pois aí veio mais um sonho estranho, de que vos vou dar conta. Sonhei novamente com uma ida ao Além, o que, para sonho recorrente, já começa a preocupar. Sonhei que tinha lerpado com um ataque de caspa e fui parar às portas do Céu. E S.Pedro veio acolher-me, com um caloroso sorriso nos lábios. E olhou para a minha ficha de inscrição e franziu o sobrolho, e disse-me que já não pagava as quotas há uns trinta anos. E eu lá ia disfarçando, que não, que até tenho as quotas do Glorioso em dia e até as da casa do Glorioso em Espinho! E S.Pedro até pareceu gostar do facto de eu não invocar o nome de Deus e apenas o referir como Glorioso, e eu a pensar que já me tinha safo com esta confusão entre o Benfica e Deus, que apesar de lisonjeira, não faria nunca jus ao clube do meu coração.
Mas S.Pedro continuou a ler a ficha, e chegou mais abaixo e franziu de novo o sobrolho e proferiu um “Para baixo!” cavernoso e tronituante. Isto só para dizer alto comó caraças. E eu a vê-lo virar as costas, ò S.Pedro, ò Pedro, ò Pedrinho, ò pá, ò velho jarreta, ò porteiro de merda que não me deixas entrar e tal...E lá fui presente às portas do Inferno. O que, como sabem, não é grande novidade para mim...
E S.Cipriano veio receber-me todo sorridente. Ora bem vindo e tal e coisa, vais te divertir comó catano por estas bandas e tal, agora é que vais ver o que é a vida depois da morte e mais não sei o quê... E eu perguntei-lhe porque estava ali, que até era um gajo porreiro e lá por faltar à catequese desde a primeira comunhão se aquilo era merda que se fizesse a um homem decente. E o gajo lá ia dando uns bitaites.
- Eras gay? - O patrão lá de cima não gosta disso, pá...
- Não, não fui gay... 
- Então e drogado?
- Nada disso, nunca dei mais que meia dúzia de passas num charro mal aceso!
- Então, pá, tá difícil... Batias na tua mãe?
- Oh pá, livra, disso nunca me lembrei sequer, coitada da velha!
- E sexo, tinhas muito sexo assim com todas as gajas que podias?
- Com que idade? Antes ou depois dos 25? Nada disso, pá santo, era um gajo normal!
- E qual era a tua profissão? Político?
- Nada disso, era gestor numa empresa!
- Aaaaahhhh! Está explicado!!! Para aí do sector das comunicações, não?
- Não, dos combustíveis!
-Fºd@-$€, pá, nunca tiveste hipótese! Estavas mesmo fºdidº! Nessa profissão, não. Já dizia lá o filho do patrão lá de cima que é mais fácil passar um rinoceronte por um buraco de uma gªitª que um gajo da gasolina entrar lá em cima!
- Eu acho que era camelo, por um buraco de uma agulha, e um rico.
- Pois, é capaz, é... Foi por causa destas merdas que fui despedido lá em cima. Nunca tive paciência para decorar as Escrituras... Mas o que interessa é que, com essa profissão, não tinhas mesmo hipótese. A malta lá de cima até pode fechar os olhos à falta de catequese e, com sorte, à pedofilia. Mas à malta da gasolina, não dá chances!
- Mas eu trabalhar no negócio dos combustíveis implica ser má pessoa, ò Santo?
- Eh, pá, não, eu acho que não. Mas entendo os gajos lá em cima... Relações Públicas, tás a ver? Querias agora que caísse o nível de popularidade do patrão, ao admitir alguém tão insultado lá na Terra?
- Mas nas Escrituras não está lá escrito que os perseguidos herdarão uma merda qualquer?
 -Pois, é capaz, é... Não sei... Mas tu herdaste! Herdaste um lugar no Inferno! Devias estar orgulhoso! Não é todos os dias que entra cá gente! Quer dizer, por acaso, é. Mas estava a ver se te animava e tal... Apesar de porteiro desta espelunca, sempre me disseram que sou boa pessoa. Aliás, o patrão até me disse uma vez que eu era um coração mole. Olha, vamos mas é andando para dentro...
E viramos costas ao limbo e começamos a caminhar para dentro. E já ouvia a batida da música, e o burburinho das festas daquele local, que já vos havia descrito. Nem me importava muito, aquilo pareceu-me ser divertido já da primeira vez. Mas depois pensei que já era a segunda vez que dava entrada no Inferno e ainda não tinha visto o Céu... S.Cipriano caminhava ao meu lado, majestoso no seu manto vermelho, mas sempre com uma expressão estranha na cara, como se me quisesse perguntar alguma coisa.
- Desembucha lá, ò santo! Porra, que queres, pá?
- Ouve lá, será que me podes dizer como é que estão as cotações Platt's para o Gasóleo de Aquecimento???

Vai continuar, ainda não contei tudo...

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O PAÍS REAL

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Este é o país real. Não é o país dos sonhos cor de rosa de Sócrates, não é o país do sol, não é nenhum artigo rebuscado sobre as virtudes de Portugal no NY Times. Este é o país real. 
Esta notícia é uma daquelas em que não queria acreditar que ainda pudesse acontecer em Portugal. Claro, o português é perito em adoptar as causas mais estranhas e sem sentido de que nos podemos lembrar. Heróis nacionais foram forjados à volta de factos de utilidade ou até ética questionável. Basta lembrar que Afonso deu um arraial de porrada na mãe, ou que já vivemos há 36 anos no país das laranjas e das rosas. Estas causas estão entre as muitas que os portugueses abraçam sem reservas desde sempre. "Ah, o gajo deu porrada na mãe! É um gajo de tomates, é disto que a gente precisa para fundar Portugal!". "Ah e tal, eles roubam mas fazem obra!". "Bora lá atirar bolas de golfe ao autocarro do Benfica!". Estas são algumas das frases que eu imagino os portugueses dizerem, aqui e por ali.
Quando o notório assassino, a quem chamaram cereal quilo (não sei bem porquê, era mais pesado e não comia cereais ao pequeno-almoço - que diga-se que não sabem a porra nenhuma - excepto o Nestum), Charles Manson foi apanhado pela justiça, viram o povo americano à volta da fogueira em solidariedade para com ele? Assim tipo corrente humana de calor para um homem que merecia mais que a cadeia pura e simplesmente? Não viram? Nem eu. Mas o português é assim!! "É dos nossos, a gente solidariza-se! Matou? Que se lixe, ninguém é perfeito!! Há por aí quem apanhe no cu e não lhes acontece nada..."
Corremos o sério risco de este caso se tornar mais uma cruzada "social" contra a liberdade sexual. Dizia-se por Cantanhede que houve uma missa em honra de Renato Seabra. Acredito que as pessoas tivessem reunido à saída da missa, mas daí até à missa ser em honra do confesso assassino... Por puro acaso, tenho o grato prazer de conhecer o pároco de Cantanhede, o padre Luís Francisco. Duvido, sinceramente, que alguma vez rezasse uma missa por um assassino. Talvez apenas pela sua alma, e mesmo assim... Mas isto denota imediatamente uma colagem, uma tentativa de colagem, melhor dizendo, desta manifestação de apoio a um assassino aos sectores mais conservadores da nossa sociedade. Por isso alerto que corremos o risco de esta poder vir a ser mais uma cruzada contra a liberdade sexual.
No fundo, no fundo, os votos no Cavaco tinham de vir de algum lado. E agora percebi de onde vêm. O país real é este.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O MONSTRO

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Incontornáveis os acontecimentos de Nova Iorque. Naquela cidade ocorrem todos os dias centenas de mortes violentas, mercê da sua enorme dimensão e de uma lei das armas sui generis. Mas a nós tocou-nos o assassinato de Carlos Castro. A história é tão rebuscada como aparentemente usual no mundo onde se moviam as personagens. O acto de matar poucas vezes terá sido tão hediondo. Os requintes de malvadez a que o jovem Renato Seabra se deu o trabalho de mostrar não são apenas macabros, são de uma crueldade de um monstro.

Sabemos, porque somos humanos, que todos podemos matar. É uma fronteira longínqua, difícil de atingir, mas dadas determinadas circunstâncias, qualquer ser humano é um homicida em potência. Mas o que aconteceu em Nova Iorque, a confirmarem-se as notícias que nos chegam, não é apenas o facto de se tirar uma vida. É um acto sangrento e monstruoso que apenas pode ser perpetrado não por um louco mas por um ser humano de valor intrínsecamente baixo e desprezível.

Por muito que se possa dar a volta à história, e por muito que se diga que todos têm culpa, não encontro razões para a morte de ninguém. Não há justificação. Muitos poderão dizer que a vítima exercia uma pressão incontornável sobre o assassino. Outros poderão dizer que o mundo gay é assim mesmo. Outros poderão dizer que o jovem assassino apenas se procurou proteger, sendo um rapaz de tenra idade. A minha opinião em relação a estes pontos, e já todos ouvi, pode ser sintetizada em poucas palavras. 
 
Primeiro, o assassino tem 21 anos e era, por esse motivo, maior de idade. Aceitou acompanhar notoriamente Carlos Castro, que se sabia há muito ser homossexual assumido, por todo o lado e até para Nova Iorque. Renato diz que não é gay. Até pode não ser. Até pode ser apenas prostituto, e isso é com certeza. Mas não apenas um prostituto que vende o seu corpo, antes um prostituto que se vendeu por completo, de alma e coração, com a única intenção de, dando-se o caso de não ser gay e não ter interesse romântico em Carlos Castro, ascender socialmente e ter vida facilitada, aproveitando a vasta rede de conhecimentos da vítima. É, afinal, aquilo a que assistimos em  reality shows não há muito tempo, nos quais as pessoas se sujeitam às mais completas figuras de idiota que se possa imaginar para subir na vida sem trabalho. Não dá resultado. Nenhum o conseguiu por muito tempo e até alguns “anjos” desses foram parar à cadeia. É a prostituição nacional a funcionar em detrimento da vida humilde mas honrada de quem deseja trabalhar. Como trabalhava, mal ou bem, Carlos Castro.

Segundo ponto, o mundo gay. Esses fazem-me rir convulsivamente, os que dizem que estas coisas são características deste mundo em particular. Num país em que homens heterossexuais todos os dias violentam milhares de mulheres, e onde os assassinatos passionais entre heterossexuais se contam por largas dezenas ou mesmo centenas por ano, só pode ser para rir.

Terceiro ponto, muitos dizem que foi apenas um puto enganado por um velho tratante. Não conhecia pessoalmente Carlos Castro, não sei se se tratava de um tratante. Mas se o puto, que tem apenas 21 anos, como estes agora afirmam, foi para Nova Iorque com o velho, que há a dizer? Que família incita um jovem de 21 anos a embarcar numa aventura destas? Que valores poderá ter uma família destas? Em que ambiente poderá ter crescido este monstro ganancioso e sangrento? O facto de não haver ninguém que lhe puxasse as orelhas e o fizesse descer ao solo não é indicativo de baixo carácter familiar. Mas que pode ser uma das razões, pode. E não me venham lá com conversas de que com 21 anos já se faz o que se quer. Se faz o que se quer, safa-se das dificuldades da melhor forma que puder e sozinho. Se, afinal, era apenas um puto, é caso para dizer que no dia em que chegou a casa e disse à família: “vou para NY com o Carlos Castro partilhar um quarto de hotel e até já nos chamam namorados nas revistas!”, quer-me parecer que faltou uma qualquer chapada no focinho. Não faz mal. A cumprir pena no Estado de Nova Iorque, não lhe vão faltar chapadas. E se não era gay, agora vai ser mesmo. De empurrão.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

NAVEGAÇÃO À VISTA

Foto AFP
O Papa diz que o Big Bang existiu! Bem, podia ser uma notícia bombástica. A verdade, porém, é que não é bem assim. Não há muito tempo, a Igreja ainda ensinava que o mundo teria sido criado por Deus à seis mil anos. Logo, admitir a existência do Big Bang, por certo, seria um avanço imenso nas ideias transmitidas pela Igreja. E até talvez sejam. Ou não...
O Big Bang é uma teoria que explica o início do Universo. No início dos tempos, toda a matéria existente no Universo actual se encontraria comprimida num ponto infinitesimal, de densidade e temperatura inimagináveis. Ao explodir, espalhou matéria em todas as direcções, que, ao arrefecer e através de diversas forças físicas, teria formado tudo o que hoje conhecemos do Universo. É uma teoria com muitos problemas, digo eu, o que não quer dizer que esteja errada ou certa. Se tudo estava dentro do ponto, o que havia no seu exterior? Com certeza devia haver algo, pois o ponto expandiu-se ao longo de algo. E o ponto, por quanto tempo conteve toda a matéria do Universo? Um momento, um segundo, uma hora? Se esses eram os primeiros momentos do Universo, quer dizer que não havia tempo antes? Antes da matéria se ter concentrado nesse ponto, onde estava? Talvez um dia a Ciência explique estas questões.
O Papa é bem mais prático e acaba com a concorrência que queria pensar um pouco - Deus é que fez o Big Bang! E mais nada! E assim, na prática, ficamos a saber o mesmo, porque as perguntas à volta de Deus conseguem ser ainda mais desconcertantes que as que emergem do Big Bang. Ao tornar a questão numa questão de Fé, Bento XVI acaba por aparentemente aliar-se à Ciência. E, verdade, seja dita, se tal acontecer, a Ciência não fica a ganhar.
Bento XVI afirma que alguns cientistas querem que acreditemos que o Universo se criou por puro acaso, e que as ideias científicas são limitadoras, uma vez que não dão resposta às questões maiores, como esta: o que provocou (se existiu) o Big Bang? Ora, Deus é uma resposta óbvia - nem precisa de provas. Para um católico, a Fé move montanhas e se acredita que Deus estava no início dos Tempos, obviamente o ponto infinitesimal estava no seu bolso pequenino dos jeans, e ao comprar o jornal, caiu ao chão com uns trocos soltos. Bang! Ou mais ou menos isto, não quero ridicularizar Deus perante ninguém, cada um acredita naquilo que pensa que deve acreditar. Estou só a dar um exemplo figurado de como a coisa pode ter ocorrido.
E até aqui tudo bem, é uma maneira simpática de afastar a Igreja dos grunhos primos americanos que ainda ensinam na escola secundária o criacionismo. Nisso a Igreja Católica está muito à frente e já ensina que os seis dias de criação são uma alegoria. Agora, considerar as ideias científicas como limitadoras da mente humana... Aí é que penso que o Papa se espalhou. Ou já se esqueceu que, se não fosse alguém ter essas ideias limitadoras, ele ainda viveria numa Terra chata como uma panqueca, à volta da qual giraria o Sol? Limitadora parece-me ser a ideia de que se algo foi feito, foi Deus que fez. Aliás, é uma ideia reconfortante para qualquer católico, e muito diz da identidade comum a todos os países católicos do Mundo. Foi bem feito, foi Deus. Um Terramoto? Deus trabalha de formas misteriosas... Morrem crianças de fome? É Deus a testar os pais... A matou B? Tentação do Diabo... Temos sempre desculpa entre os Céus. Ser católico é cómodo - nunca se tem culpa de nada... E assim, o Big Bang é obra de Deus. E outras coisas com nomes parecidos, tipo Big Mac, Burguer King, etc. Foi Deus. E o Bento XVI, antes que alguém confirme mesmo que o Big Bang existiu mesmo, já o reclamou para Deus! Nada como navegar à vista. Andar a descobrir pelo meio dos oceanos dá muito trabalho.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O DISTRAÍDO

O Distraído - Foto Google
Andava cá eu a pensar com os meus botões que esta coisa da campanha eleitoral para presidente é chata como o catano. Acusação para aqui, acusação para ali, eu sou poeta, eu sou mestre economista, o outro é desonesto, eu sou puro, e a verdade é que se for votar metade do povo é uma sorte.
O Cavaco, no entanto, tem uma virtude. E essa eu reconheço-a. É poupado. Anunciou logo no início da campanha que não iria gastar dinheiro em outdoors. O pessoal até agradeceu, não fosse ele aparecer por aí nas curvas das estradas a meter sustos ao pessoal. Pior mesmo só a Manuela Ferreira Leite, com aquela cara de foge que te faço amor. Sabem quem , sabem, foi aquela que privatizou o Fundo de Pensões da Caixa Geral de Depósitos. Ah! Bem me parecia que se lembravam... Voltando à vaca fria, ou ao candidato frio, o Cavaco é tão poupado, mas tão poupado, tão forreta, tão somítico, que até nas palavras poupa! Não diz nada sobre o caso das acções, não diz a quem vendeu (embora já se desconfie), e remete tudo para a sua Declaração de Rendimentos que está no Tribunal lá dessas merdas, pois está tudo lá explicadinho.
Hoje, a RTP foi lá ao Tribunal dessas merdas e preencheu o papelinho e foi ver a famosíssima Declaração, aquela que explica tudo! Afinal, parece que a famosa Declaração que explica tudo não explica nada. Não porque seja dúbia, ou mal preenchida. Apenas e tão só porque NÃO EXISTE. Pois... Não há à disposição do público nenhuma declaração que explique tudo aquilo que Cavaco não explica porque já explicou na declaração que está lá para explicar mas que não está lá porque não existe.
Por outro lado, e para aqueles amigos que tanto teimaram comigo, num outro blog, que Cavaco tinha vendido tudo o que tinha no BPN / SLN em 2003, existe uma declaração de 2006 que diz que o Presidente tinha no BPN duzentos mil euros em títulos. Numa outra declaração, já de 2009, já nada tinha no BPN. Ou seja, vendeu em 2003 uma parte dos títulos que lá tinha, com um lucrozito mixuruca de cento e quarenta mil euros, mas ainda lá ficaram mais duzentos mil... Que em 2009 já lá não estavam. Provar que ele vendeu as acções em 2003, afinal, é impossível. Possível passou a ser provar que Cavaco manteve, afinal, uma relação muito mais duradoira com o BPN. Como me disseram certa vez, nesse tal blog, provar é fodido, não é? 
Só mais um pormenor... Foi preciso rebentar a bomba para ele tirar de lá o guito... Para tão reputado economista, deve andar distraído. Muito distraído... Ou isso ou então andava lá a cheirar a coisa... Mas isso não, com certeza, o Cavaco é puro...

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

CALCOLÍTICO NA ESTREMADURA

Povoado de Leceia, site da CM Oeiras

    Ao fazer-se uma análise ao Calcolítico na Estremadura, está provavelmente a fazer-se, igualmente, uma análise ao Calcolítico em território português, uma vez que os principais povoados representativos desta época estão localizados nesta região. São eles Leceia (Oeiras), Vila Nova de S.Pedro (Azambuja) e Zambujal (Torres Vedras)i.
Leceia é um povoado fortificado, com ocupação confirmada em pelo menos quatro fases de ocupação, que se estendem desde o Neolítico Final (3000 a.C) até ao Calcolítico Final (embora se admita ter sido abandonado em 2300 a.C.), ocupação que confirma a existência de uma economia agro-pastoril herdada do Neolítico Final. Localiza-se numa vertente da Ribeira de Barcarena, no concelho de Oeirasii. Nessa vertente foram encontrados indícios seguros de actividade agrícola, nomeadamente o cultivo de gramíneas e cereais, mesmo durante o curto período de abandono do povoado, ocorrido na transição do Neolítico Final para o Calcolítico Inicialiii.
Vila Nova de S.Pedro é, igualmente, um povoado calcolítico fortificado, com uma arquitectura bastante peculiar – núcleo rodeado por duas cinturas de muralhas - localizado entre o vale do Tejo e o mar, perto da Ribeira de Almoster. Este local proporcionou um enorme número e variedade de espólios líticos, cerâmicos, ósseos e metálicos. Trata-se de um povoado que beneficia de óbvias defesas naturais, tanto da sua população humana como de espécies cinegéticas, que constituiriam parte da sua economia. Por outro lado, a irrigação cíclica, efectuada pelas cheias dos cursos de água vizinhos, proporcionava igualmente excelentes condições para a agricultura e pastorícia. Igualmente relevante seria a existência, não longe, de importantes depósitos de matérias primas, particularmente para as cerâmicas. No que concerne a espólio, há a distinguir três fases distintas, segundo Savory. E se aqui se explanam as fases de VN S.Pedro, há que estender estas fases às outras estações referidas, já que são, de alguma forma, análogas. A fase I é caracterizada pelos copos de decoração canelada pouco profunda, assim como por pesos de tear, ídolos e pontas de sílex grosseiras. A fase II, por seu turno, é identificada pela presença de pontas de seta elaboradas, bem como vestígios de actividade metalúrgica, embora sem cerâmica com o mesmo valor que se encontrou na fase I. Esta fase é contemporânea da construção dos bastiões do povoado e é frequentemente referenciada com Los Millares. A fase III, finalmente, deriva do aparecimento de vasos com decoração em folha de acácia para a cerâmica campaniforme, e está intimamente ligada ao colapso da fortificação central em VN S.Pedro. As escavações em Leceia podem de facto confirmar a antiguidade dos copos caneladosiv, que conviveram num curto período com as decorações “folha de acácia”, sendo que a sua forma característica parece ter persistido até ao Calcolítico Plenov. Como se vê, Leceia é sempre uma referência a acompanhar.
O Zambujal é mais um exemplo de povoado calcolítico fortificado, localizado no concelho de Torres Vedras. Particularmente relevante no Zambujal é o facto de se terem encontrado, na sala V do casal anexo ao povoado, evidências da passagem da metalurgia do cobre à do bronze, uma vez que as percentagens de estanho nos objectos ali recolhidos são bastante elevadas. Daqui podemos concluir que houve realmente um desenvolvimento metalúrgico nas sociedades agro-pastoris do III milénio a.C.vi.
Interessante será referir igualmente um outro povoado fortificado de grande importância, o de Outeiro Redondo, localizado em Sesimbra. É um pequeno povoado com duas cinturas de muralhas e com bastiões semi-circulares que, devido á sua localização, domina a baía de Sesimbra. O espólio ali recolhido demonstra vários tipos de indústria, desde a pedra lascada (pontas de seta, lamelas, lâminas, etc.), passando pela indústria da pedra polida (machados), pedra aperfeiçoada (peça identificada como peso de rede, particularmente interessante pela sua correlação com achados em Leceia), metálica (lingotes – indicando transformação local de matéria-prima “importada”, à semelhança dos lingotes encontrados em Leceia, que indicam claramente a circulação regional desta matéria-prima), óssea (furadores, agulhas, sovelas – mais uma vez em linha com os achados em Leceia – e mesmo recipientes – como os igualmente encontrados em VN S.Pedro), e a cerâmica.
A cerâmica de Outeiro Redondo constitui, mais uma vez, uma indicação segura da cronologia calcolítica. Os copos canelados e afins aparecem e é de referir o paralelismo óbvio com VN S.Pedro (Fase I), Zambujal e Leceia (Camada 3, segunda fase cultural), com a ocorrência destes copos canelados antes da construção das fortificações genericamente em todos estes sítios calcolíticos, datando do Calcolítico Inicial. A ocorrência, em Outeiro Redondo, de decorações “folha de acácia” ou crucíferas, do Calcolítico Pleno, é pouco expressiva. Por outro lado, dá-se ocorrência de decoração denteada, paralelamente aos exemplares recolhidos em Leceia, que correspondem à camada quatro deste local, e é característica do Neolítico Final, muito embora pudesse ter persistido até ao Calcolítico Inicial. Já a ocorrência da cerâmica campaniforme, do Calcolítico Final, é pouco expressivavii.
A razão pela qual se entendeu incluir o Outeiro Redondo nesta relação, além de servir de ilustração do espólio, não só deste local como de Leceia, que continua a ser a referência maior no panorama do Calcolítico Estremenho, prende-se com algumas particularidades exploradas de seguida. De facto, Outeiro Redondo é um local que evidencia que a evolução dos povoados calcolíticos não obedecia apenas a uma tendência generalizada, antes estando extremamente dependente dos condicionalismos locais. Por exemplo, em Outeiro Redondo não se encontraram cinchos, utensílios cerâmicos associados ao fabrico de queijo. Parece não ter sido a transformação do leite uma actividade económica de peso, ao contrário do que acontecia no estuário do Tejo, nomeadamente em Leceia. Os elementos ligados a teares encontrados são um exemplo acabado da “Revolução dos Produtos Secundários”, simultaneamente revelando a importância dos textêis nesta comunidade. Dados alguns achados de cerâmica de grandes dimensões, é de crer que este povoado teria como principal actividade económica a produção de sal e, provavelmente, de pescado seco. Mas relembra-se que foram encontrados lingotes de cobre, possivelmente para transformação. Ou seja, são indícios de que os povoados calcolíticos, longe de pertencerem a uma mesma entidade cultural entre si, formavam uma rede de relações “comerciais” (entre aspas para diferenciar do sentido mais moderno da palavra), em que as condicionantes locais eram ainda muito fortesviii.
E aqui caberia, de alguma forma, a questão da colonização. Existiu ou não? Foi ou não um factor determinante para a evolução destes povoados? E quem seriam esses colonizadores? Há quem creia que os povoados foram resultado de uma rede de povoamento, estabelecida por feitorias, oriunda do Mediterrâneo Orientalix. No entanto, e visto que as assimetrias locais ficaram bem vincadas entre os diversos povoados, é aceitável que se considere, conjuntamente, que a evolução dos mesmos tenha sido fruto das condicionantes geográficas e do trabalho autóctone, para além da colonização - sempre indirectax.
iCardoso, Pré-História de Portugal, 2007
iihttp://www.tecnet.pt/portugal/ref/27947.html
iiiCardoso, Pré-História de Portugal, 2007
ivCardoso, 1997
vFerreira, Sónia, Os copos no povoado calcolítico de Vila Nova de S.Pedro, Revista Portuguesa de Arqueologia, vol.6, nº2, 2003
viSousa, Valério e Araújo, Metalurgia Antiga do Penedo do Lexim: Calcolítico e Idade do Bronze, Revista Portuguesa de Arqueologia, vol.7, nº2, 2004
viiCardoso, Espólios do Povoado Calcolítico Fortificado de Outeiro Redondo, Revista Portuguesa de Arqueologia, vol.12, nº1, 2009
viiiIdem;
ixLucas, Maria Miguel, As regiões de “Torres” e “Alenquer” no contexto do Calcolítico da Estremadura Portuguesa, 1994
xCardoso, Pré-História de Portugal, 2007

É PRECISO É MANDAR NA MALTA!

O endividamento. Esse inimigo de todos. Ninguém avisou que endividar-se significa pagar aquilo que se pede. Com uma pequena retribuição chamada juro. A verdade atinge muitas pessoas como um raio.
Pungente a história a que assisti hoje. Uma reportagem extraordinária. Um dado senhor, já de meia idade, no desemprego. Flagelo que atinge todas as idades neste país, mas naquela idade, naquele hiato em que ainda se é novo para a reforma e já velho para arranjar novo emprego, é particularmente grave. Este senhor recorreu a todo o tipo de ajuda para lidar com os créditos que foi acumulando ao longo dos anos. Com o emprego a esfumar-se, esfumaram-se as hipóteses de lhes fazer frente. 
Este senhor, anónimo, afirma que sempre teve um bom carro, uma boa casa, os filhos no colégio... Alto! Mas de que estamos a falar, afinal? A empresa onde trabalhava foi à falência, era do ramo têxtil, e ele ficou sem o emprego, que era de Administrador... Recebia 5000 euros mensais líquidos, mas agora todos os créditos que tinha voltaram-se contra ele e não consegue fazer face às despesas.
E se o canal de televisão que fez a reportagem fosse brincar com o car#$%& é que fazia bem. Esta besta que desbaratava 5000 euros por mês e tinha os empregados a ganhar 400, agora está com dificuldades em pagar os créditos? Mas quais créditos? Os do BMW xpto da mulher e o do Mercedes otpx dele? Da mansão? Das propinas milionárias dos filhos nos colégios católicos que o Cavaco tão bem protegeu? Não soube guardar um tostão que fosse? Está na miséria? 
Então imagine, sua besta quadrada, aqueles que por sua incompetência foram para a rua e que agora quase não conseguem dar de comer aos filhos! Não tem dinheiro? A ganhar 70000 euros por ano e não conseguiu guardar nenhum? É esta gente que "administra" empresas em Portugal? Bem, se administrava a empresa da forma que administrou a sua vida, garanto-lhe, nem com todos os subsídios da UE que pode ter gamado a pobre empresa resistiria... Sinto realmente pena, mas dos trabalhadores que tiveram de trabalhar sob a sua "administração"...

domingo, 2 de janeiro de 2011

OS HABILIDOSOS

Foto Google, Euro Skills 2010
Há muitos anos que ouço falar da legendária capacidade de trabalho dos portugueses por esse mundo fora. Levas de emigração são eleitas pelos países que as acolheram como das mais capazes, trabalhadoras e produtivas de entre as várias comunidades emigradas nesses países. E não faltam exemplos, desde a nossa vizinha Espanha, passando por França, Luxemburgo, EUA, África do Sul, Venezuela, etc. Não é raro que essas comunidades sejam enaltecidas por todos, a começar pelos governos dos países que as albergam. Os emigrantes contribuíram activamente para a economia portuguesa durante anos a fio, enviando remessas importantes de divisas, tantas vezes olhadas de soslaio por quem cá estava, muitas vezes dependendo delas para a sobrevivência.
Isto leva-nos a pensar no que diferencia as nossas comunidades no estrangeiro, entre as mais produtivas do Mundo, e os portugueses que vivem no seu próprio país, com uma das produtividades mais baixas do Mundo. E a explicação é simples. A meu ver, há dois factores que contribuem decisivamente para tamanha disparidade:
  • a motivação - o emigrante parte em busca de uma vida melhor, para si e para os seus. Não se importa de trabalhar arduamente para receber os rendimentos que julga adequados às suas expectativas. Ou seja, a trabalho árduo, corresponde rendimento elevado. Não interessa se é a lavar escadas ou a assentar tijolo - se o português, no final do mês, olha para o seu bolso e se vê recompensado financeiramente, não se importa de repetir o esforço vezes sem conta. Isto porque tem uma família para cuidar, e um futuro para zelar e assegurar, para os seus filhos. Por outro lado, a própria fama dos portugueses no estrangeiro actua como motivação. O português defende ferozmente as suas capacidades no estrangeiro. Então e em Portugal? Não é necessário dizer muito, não é verdade? Trabalhar arduamente num país que tem um ordenado de 425 euros mensais para dar não compensa muito. Não há grandes razões para se andar motivado. Por outro lado, os constantes chavões gritados na comunicação social por muitas vozes "importantes", chamando malandros aos portugueses constantemente, não são motivadoras. Além de tudo, o Subsídio de Desemprego, que por vezes é igual ou até mais elevado que o ordenado que se oferece aos desempregados, ao qual se subtraem as despesas cada vez mais onerosas de se trabalhar cada vez mais longe de casa, é desmotivador.
  • composição da emigração - genericamente, quem emigra (salvo raras excepções), é uma classe à procura de trabalho que não consegue encontrar em Portugal. Há 30 anos atrás, eram os trabalhadores indiferenciados. Hoje, além desses, há os jovens licenciados. Não vemos, pois, dirigentes ou quadros superiores a emigrar, salvo a coberto de multinacionais. De que forma isto diferencia os portugueses emigrantes dos que cá ficam? Simples, têm chefias estrangeiras. Não estão sujeitas ao pior dos efeitos desmotivadores em Portugal: as chefias. Ou porque são incapazes ou porque são... incompetentes - há uma diferença aqui, subtil mas importante. Os emigrantes livram-se do pior que temos em Portugal: a sua classe alta, a classe dirigente, os incompetentes do país (com honrosas, e, vá lá, cada vez mais numerosas excepções), ou por terem chefias realmente mais capazes e competentes, ou, como é usual na emigração extra-Europa, por se estabelecerem corajosamente por conta própria, livre de mais um dos pecados nacionais: a cada vez maior desincentivação do empreendedorismo e a sujeição, cada vez maior, ao cartão de militante partidário ou às cunhas do tio do avô do cunhado que é amigo do ti não sei das quantas ou do Comendador tal...
A foto em cima representa a equipa de jovens portugueses que arrebatou, sem dificuldades, o primeiro lugar no campeonato europeu de profissões, o Euro Skills. São jovens, motivados, com conhecimentos, talentosos. E são trabalhadores, não são chefes. São os mais qualificados da Europa, pelos vistos. Representam o nosso futuro. Representam também aqueles que conseguiram de alguma forma escapar às garras de um sistema de ensino castrador e imbecilizante que urge erradicar. São técnicos com elevada formação. Muitos deles com formação no Ensino Superior. E no entanto, cortam cabelos, assentam tijolo, montam máquinas, reparam motos e automóveis... E são os melhores da Europa a fazê-lo! Vamos vê-los a trabalhar em Portugal? Seguramente que não. Não aceitarão os 425 euros mensais e abalarão a oferecer os seus imensos conhecimentos e capacidades por esse mundo fora. E esse mundo aproveitá-los-à da melhor forma. Por cá ficarão os nossos "chefes", aqueles que deram os tais 425 euros mensais aos melhores trabalhadores da Europa. E a vergonha com eles.
A minha maior felicidade é trabalhar numa multinacional. Tem chefias portuguesas, é certo. Mas bem imbuídas daquilo que distingue uma multinacional da maior parte das empresas portuguesas: o saber liderar.