quarta-feira, 30 de abril de 2014

PEÇO DESCULPAS, MAS SOU PORTUGUÊS

Ilustração Marco Joel Santos

            Peço desculpas, mas sou português. E aviso já que não sei ser outra coisa, até porque eu dificilmente serei algo mais, pelo menos no âmbito das pátrias. Tentei ser um cidadão do mundo, mas verifiquei que o mundo é demasiado estrangeiro. Tentei ser europeu, mas verifiquei que a Europa é apenas um continente e não uma pátria. Tentei ser português e parece-me que até agora tem resultado. Logo assim, vou ser um bocadinho português.
            Já chateia. A sério que já chateia. Sendo português, tenho de reconhecer que somos mesmo assim. Oito ou oitenta. Mas esta nova vaga de nacionalismo charlataneiro que assola um determinado Portugal que não desce à rua já chateia. A sério. Já sei que somos os melhores do mundo, já mo disseram tantas vezes que até quase acredito nisso. Somos uma economia que deve exportar este mundo e o outro porque somos realmente muito bons naquilo que fazemos. Já sei.
            Já sei que somos muito bons a exportar gasolina e carros alemães. Exportamos Vinho do Porto, único no mundo, e produtos de cortiça. E sapatos italianos que começam finalmente a ser portugueses. Queremos competir com o mundo inteiro e mostrar que temos os melhores produtos do mundo, sejam eles agrícolas, industriais ou serviços.
            Quanto mais depressa cairmos na real e verificarmos que o que fazemos é tão bom como o que todos os outros fazem mais depressa nos daremos conta que o nosso país não é um país rico em recursos naturais (ou seja, para produzir tem de importar matéria-prima), nem especialmente apetecível seja por que razão for, nem mesmo no Turismo, que só tem aumentado porque a Europa pôs o Norte de África e Médio Oriente a ferro e fogo.
            Mas há uma coisa em que realmente somos bons. É a sermos. Tipo assim, existirmos. E temos de comer, vestir e calçar. Provavelmente comprar uns electrodomésticos de vez em quando e até uns telefones e computadores. Talvez até uns carros e umas casitas, ou pelo menos arrendá-las. E temos um mercado de dez milhões de pessoas para abastecer. Pensem nisso antes de concorrer com os relógios suíços, os carros alemães, os vinhos franceses, a carne inglesa ou os isqueiros americanos. Somos um país pequeno, mas perfeito para os que cá (cada vez menos) estão. Produzamos o suficiente para nós, por favor. Até porque está mais que visto que só temos um produto com o qual competimos de forma global em qualquer canto do mundo e esse é o futebol. De resto, somos como todos os outros. Tratemos de nós.