quinta-feira, 18 de setembro de 2014

AS CÓPIAS NO PRIVADO

Ilustração Marco Joel Santos



            Vi, na segunda-feira, o debate na RTP sobre a Lei da Cópia Privada. Não que tenha um especial interesse nisso, até porque não compro, por norma, dispositivos electrónicos em território português. Mas antes porque estava a TV ligada no canal 1 e pronto, assim foi. Vi o programa. Uma Lei, seja ela qual for, tem sempre apoiantes e detractores, já desde os tempos de Moisés e dos Dez Mandamentos. Não que compare os tempos pré-mosaicos aos tempos que vivemos hoje. Ou talvez compare. Em todo o caso, ouvi argumentos de ambos os lados e com ambos os lados concordei e de ambos discordei.

            É dúbio que ao comprar uma obra com direitos de autor num CD, por exemplo, não me seja autorizado replicar o mesmo num MP3 só porque o suporte muda. Claro que se emprestar o MP3 a alguém, já não é dúbio. Mas se for para eu ouvir, qual o mal? Certo. Ou será errado? Mas se eu ouço o MP3 e não o CD, para que raio comprei o CD e não a obra no iTunes ou coisa que o valha? Faz-me lembrar os tempos antigos, no tempo das K7, em que as obras musicais eram editadas em dois suportes: o vinil e a K7. Ninguém comprava os dois, ou se comprava o vinil ou se comprava a K7. Também é certo que ninguém andava por aí a ouvir música e a fazer jogging ao mesmo tempo. Acho que agora não lhe chamam jogging, já lhe chamam running mesmo. Se o comprador do vinil queria uma K7, comprava uma K7 virgem e gravava a obra. Para ele e para os amigos todos. Já na altura havia pirataria.

            O que me custou no debate foi ter começado com a sensação de ser contra a Lei e ter acabado com muitas dúvidas. Não porque duvide dos argumentos contra a Lei, que acho válidos. Mas sim porque toda a gente sabe que não é por causa desses argumentos que todos são contra a Lei e a nova taxa. Na verdade, nem toda a gente é contra. Os artistas, pelo menos uma boa maioria, é a favor. Estranho. Adiante, sabemos bem que não é por causa de não sabermos se o dinheiro chega aos artistas, ou porque compramos um disco rígido para guardar fotos que cabem numa pen de há dez anos atrás, ou sequer porque vamos pagar mais 15 euros num telemóvel que custa 1000 euros à partida, que toda a gente é contra esta Lei.

            Toda a gente é contra a Lei porque toda a gente a infringe de todas as formas e feitios. E porque toda a gente compra dispositivos para a infringir, e agora toda a gente vai pagar mais para poder continuar a infringir a Lei. Uma cópia só é privada enquanto não é pública, e se assim não fosse, não haveria sites de partilha de ficheiros nem Youtubes nem streamings. Ou acham que quando ouvem streamings grátis, o dono do site pagou todos os álbuns que lá passam? Bem, para além disso, o secretário de estado da Cultura, para além de o ser (e não Ministro), tem cara de parvo (ia dizer calhau com dois olhos – o que não anda longe da verdade). Mas da aparência do secretário de estado não posso, em rigor, determinar o seu carácter, ao contrário de alguns colegas de Governo. Tem o meu benefício da dúvida.

            Mas o que mais me chocou no debate foi a discrepância na representação. É certo que estava o mesmo número de pessoas falantes de um lado e do outro. Mas do lado do apoio à Lei, estavam os editores, o secretário de estado e… muitos artistas. Até falou o Miguel Ângelo, e isso até seria bem percebido por mim se fosse o italiano, mas não, afinal era o de Cascais. Do outro lado, e por muito que me custe dizer isto, não cheguei a perceber quem falava e em que qualidade falava. Eram bloggers, especialistas em não sei bem o quê… enfim, pessoal. Muito bem-intencionado, com toda a certeza, mas, e perdoe-me quem ali falou, com “pirata” escrito na testa.

             A ausência que notei mais, no entanto, foi na parte dos artistas. Havia músicos, actores dramáticos, actores satíricos, escritores, artistas plásticos… enfim, poderíamos dizer que todos os ramos da arte pirateada (ou copiada “privadamente”) ali estavam representados. Pura mentira. Faltou o ramo da arte que mais é pirateado, “streamado”, copiado, visto e revisto e até outras coisas que não me atrevo a dizer, de toda a world wide web. Os conteúdos que enchem largas dezenas percentuais do espaço disponível em toda a memória virtual em todo o mundo: ONDE ESTAVA O PORNO?