terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

TRATADO DA SONOLÊNCIA

Ilustração Marco Joel Santos
 Tenho muitos anos de formação académica. Desde os seis anos de idade. Sim, desde os seis anos de idade porque nessa altura não havia pré-escola, seja lá o que isso for ou seja qual for a utilidade dessa aberração que teima em se manter obscura para mim. Ora, desde essa idade, penso que o tempo máximo que estive sem estudar foi de três anos, e foi apenas uma vez. Outra parece-me ter sido uma paragem de dois anos.
         Pelo que expus, é natural pois que tenha tido aulas dadas pelos mais diversos tipos de professores. Tive-os severos, autoritários, brandos, interessantes, apelativos, chatos, motivadores e muitos com outras diversas características. Tive um professor que interrompia a aula porque se tinha esquecido de registar o totoloto. Tive outro que era simplesmente aquilo a que chamávamos, na altura, um regador. Era mentirosa como tudo, a moça. Tive professoras bonitas, tive professoras abortos, tive um professor de História que ainda hoje considero um dos melhores que apanhei, fui aluno do extraordinário Júlio Pedrosa e do saudoso Manuel Monteiro.
         Evidentemente que tive aulas em que preferia não estar lá. Por várias razões. Algumas por não perceber simplesmente do que se falava. Em outras, por simplesmente achar que estava a aprender algo de errado, intrinsecamente mau e transmitido como se fosse a base de todo o conhecimento, como Gestão Financeira. Acabei por verificar, passados anos, que afinal eu estava mesmo certo e quem não percebe um caracol do mundo são os professores de Economia e de Gestão Financeira, sem dúvidas os mais arrogantes e mais disparatados de todos. Disparatados porque de facto só dizem disparates e conseguem ser muito bons nisso. Naquela altura, eu era apenas um aluno e já tinha a sensação de estar a aprender algo que não batia – nada – certo. Hoje, tenho quase a certeza absoluta que tudo o que aprendi em gestão financeira ou economia é disparate puro. Baboseiras que filmes admiráveis ajudaram a perpetuar, com os resultados catastróficos conhecidos por todos.
Competência académica à parte, disparates em que se acreditem (ou não, penso que eles próprios não acreditam minimamente no que ensinam e defendem), a verdade é que há professores excelentes e outros atrozes. Há professores que conseguem com facilidade transmitir a matéria e manter o interesse dos alunos e há o Vítor Gaspar. Engraçado como gente que ninguém conhece é sempre reputada como “excelente” académico. Mas a verdade é que se eu tivesse aulas com o Vítor Gaspar – inteligência dele e capacidade de compreensão minha à parte – cortava os pulsos. E sou contra o suicídio – firmemente. O meu cérebro está habituado a trabalhar.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DOS FILHOS DA PUTA


Ilustração de Marco Joel Santos
É provável que vivamos num país de gente forte. Como aquele do bebé fote e do bebé mago e do bebé que manda o outro bebé fazer-se sexo. Vivemos num país de gente galharda, de heróis inesperados, de muitos salvadores e poucos salvados. Até porque quem precisa de ajuda num país com tanta oportunidade de subir a escada social ou é coxo ou mentiroso, e bem sabemos que mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo. Não sei se é bem assim, porque conhecia um coxo que corria pouco e eu apanhava-o sem grande dificuldade. Se estivesse bêbado, ainda o apanhava mais rapidamente. Se ele estivesse bêbado, caía para o lado e deixava de ter graça. Por acaso era meu primo afastado e sempre lhe chamaram o “maneta”, coisa estranha para um gajo que só era coxo, mas tinha as duas mãos. Mas o facto permanece que quando nos encontrávamos um de nós estava sempre bêbado, pelo que ou o apanhava facilmente ou ele caía para o lado... Também acontecia defrontarmo-nos à paulada, mas nunca teve grandes consequências, pois ele já era coxo e eu estava bêbado.
Escrevia eu que num país onde as oportunidades para se subir na vida são infinitas não faz sentido alguém pedir ajuda. E essas possibilidades são tantas que só me ocorrem algumas. Subir na vida em Portugal pode ser conseguido através das escadas dos prédios, que é subir à custa do nosso esforço, ou de elevador, que é subir à custa dos chineses. Também se pode subir na vida se nos mudarmos para um andar acima daquele em que vivemos, se visitarmos a Serra da Estrela fora do Carnaval e se as estradas estiverem abertas do Sabugueiro para a Torre, se estivermos realmente perto de um bombista suicida no momento da estupidez, ou até mesmo se viajarmos num daqueles comboios de dois andares que há a circular ao redor de Lisboa. Também podemos subir na vida se dermos o real pacote e entrarmos para a Maçonaria, pois passamos de indigentes a donas de casa com aventais coloridos, coisa que não me atrai grandemente. Também se pode subir na vida se formos para a Opus Dei, mas ouvi dizer que as vergastadas doem como o catano e não estou para aí virado. Não sou Cristo nem Portas.
Por isso não percebo por que razão o Pedro Passos Coelho, que dizem ser primeiro sinistro de Portugal, e um excelente candidato à reencarnação do salvador da pátria, e não se iludam, que não é um rei desconchavado do século XVI desaparecido numa tarde de nevoeiro e com tendências floristas, mas antes um iconomista de Santa C*** Dão, resolveu chamar piegas ao povo deste país. Não entendo. Não é de salvador da pátria que se preze chamar nomes aos que salva. Durante uma operação de salvamento, devemos incutir confiança na vítima, e não chamar-lhe nomes. A menos que a vítima esteja morta, e nesse caso podemos descarregar o vocabulário futebolístico do fim de semana, que poupamos porque o árbitro até se portou menos mal, que ela não leva a mal. Na verdade, já terá levado durante a vida, mas não foi a mal nem a bem. Só porque é uma vítima portuguesa, o mais certo é já ter levado no cu umas poucas de vezes.
Além disso, “piegas” não é nome que homem que se preze chame aos outros. Não percebo. Se o gajo está genuinamente zangado porque alguns portugueses ainda dizem um “ai” sumido aquando da inserção da sua grande glande ideológica no buçal e calejado esfíncter plebeu do dizedor de ais compulsivos, podia enveredar eventualmente por um adjectivo menos colorido e mais másculo, como... sei lá... “Seu merdoso”, ou até talvez “Seu grande Cavaco!”.
Sim, e isto porquê? Porque não há pieguinhas maior em Portugal que o seu pseudopresidente (bate na madeira) e as suas dificuldades com as reformas parcas de 10.000 deles... Aguardo, pois, que na próxima audiência do pseudopresidente ao primeiro sinistro salazarento este último brinde o primeiro com um sonoro “Deixa lá de ser piegas, ò avô mija-para-os-socos cavaquinho!”
Tudo para dizer apenas uma coisa: como é belo este país! Como são corajosos os nossos líderes, que nos avisam que nos vão pôr a viver pior para que possamos viver melhor! Como é lindo e democrático quando as pessoas modestas com ordenados de seis mil euros, fora o que roubam por inerência ao cargo, insultam os mais ricos da sociedade, esses malfeitores dos trabalhadores que auferem o fabuloso salário mínimo ou pouco mais que isso.
Como é bom ser filho da puta neste país! Há países assim. Há países em que é insustentável a leveza dos filhos da puta.