terça-feira, 31 de janeiro de 2012

PORTUGAL AGORA, PORTUGAL DE OUTRORA

Ilustração de Marco Joel Santos
25 de Janeiro de 2012 – Não que Portugal mereça ter uma língua inteira só para si. Não vou invocar a História de Portugal. Todos nós a desconhecemos bem.
Este país provavelmente não merece ter a língua que tem. Talvez os Baptistas americanos, os Polibãs lá do sítio, é que tenham razão – nós falamos muito mal o espanhol, seja lá o que for essa língua desconhecida.
Mas, no fundo, lá estou eu a cair nos maiores vícios portugueses, a auto-comiseração e o auto-flagelamento. Um português que não diga mal de Portugal não é um português decente. É provavelmente um descendente de algum mouro que por cá tenha ficado a arrotear para D. Afonso I, ou então de algum romano mal disfarçado ou até, quem sabe, o resultado de um estranho cruzamento com o chauvinismo arrogante que impera do outro lado da fronteira.
Contudo, pensemos bem. Eu tinha motivos para gostar de Portugal. Tinha, mas sinceramente começam a escassear. Gostava do Portugal onde o Benfica era campeão pelo menos ano sim ano não. Agora há campeões programados.
Gostava do Portugal onde se ia à praia gozar o sol de Verão. Agora, dizem-me que o sol envelhece e que o cancro espreita.
Gostava do Portugal onde se comia decentemente. Agora, há pratos para o colesterol, para a hipertensão e para as hemorróidas, todos a saberem ao mesmo – a palha.
Gostava do Portugal onde as crianças ainda iam todos os dias para a escola. Agora, os carros entopem as ruas em que as escolas recebem os pais que não se esquecem de levar os filhos. Gostava do Portugal em que esses filhos eram mais uns putos que iam à escola. Agora são os reis lá de casa.
Gostava do Portugal em que havia crise constante. Agora, tenho saudades de uma boa crise – bons velhos tempos.
Gostava do Portugal ruidoso de manhã, em que buzinas de automóveis se misturavam com pregões de varinas. Agora, vamos ao Pingo Doce comprar peixe chileno e não se pode buzinar porque não é politicamente correcto.
Gostava do Portugal bonito, aquele que demorava uma eternidade a percorrer. Agora, temos estradas que nos levam a nenhures, estamos em Lisboa em três horas e se formos de Alfa nem para babar um sono temos tempo.
Gostava do Portugal das cidades cheias e vibrantes, da confusão das gentes que as habitavam, das suas ruas sujas e vivas. Agora, moram todos em gaiolas nos subúrbios desenhados a régua e esquadro.
Gostava do Portugal às seis, quando zuniam as sirenes para “arrear” do trabalho e as casas se enchiam de famílias famintas com muito para contar dos seus dias. Agora, não têm hora para chegar.
Gostava de Portugal cantinho da Europa, esquecido por todos excepto pelos emigrantes chegados para um mês de pausa no suplício. Agora, somos apenas periféricos, mas todos nos conhecem.
Gostava do Portugal onde os doentes hepáticos iam para Coimbra e sobreviviam com órgãos portugueses. Agora, morrem em Madrid à espera de órgãos… portugueses.
Gostava do Portugal em que um doente oncológico tinha tratamento a duzentos quilómetros de distância. Agora, ou se gasta no transporte ou no funeral – ou nos dois – em todo o caso nada resta para comer.
Gostava do Portugal dos Presidentes da República que subiam para cima de carros ao som de tiros. Agora, queixam-se das reformas.
Gostava do Portugal dos Primeiros-ministros que se dispunham a visitar localidades em que sabiam não serem bem vindos. Agora, não sabem sequer onde isso fica, apesar de ser em todo o lado.
Gostava do Portugal onde se gritava a plenos pulmões “25 de Abril, sempre! Fascismo nunca mais!”. Agora, anseia-se pelo germinar de um novo Salazar.
Gostava do Portugal onde os estudantes eram a reserva moral do povo e os precursores da mudança. Agora, aprendem economia e gestão financeira nas Universidades.
Gostava do Portugal onde quem tomava estupefacientes era drogado. Agora, o toxicodependente é um doente, e o fumador, um criminoso.
Gostava do Portugal dos gordos e dos doentes coronários. Agora somos todos saudáveis mas estão milhões com stress.
Gostava do Portugal dos restaurantes que cheiravam a comida. Agora cheiram a Harpic.
Gostava do Portugal onde os poetas declamavam na TV. Agora apenas vemos e ouvimos excelsos financeiros e economistas errarem previsões. 
Gostava do Portugal com defeitos. Hoje somos todos perfeitos.
As salas das morgues também são perfeitas.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

ACORDO PORNOGRÁFICO

Ilustração de Marco Joel Santos
25 de Janeiro de 2012 – Foi mesmo assim, com “J”, escrito o mês de Janeiro. Porque não é janeiro, é Janeiro. É um mês, é uma espécie de avô nas datas, e os avós merecem-nos respeito. Tal como as estações do ano, que desde tempos imemoriais traçam os ciclos de vida dos homens, também não são primaveras e invernos. São Verões e Outonos.
Não me queiram tirar o prazer de escrever na minha própria língua. Bem sei que a língua evolui, que muda, que se adapta. Não por decreto, não por acordo. Muda naturalmente, evolui – é a palavra certa – num sentido conhecido, numa direcção suave e elegante. Não porque quem fala e escreve noutros locais deseje ver os seus erros ortográficos legitimados pelo poder económico e financeiro! Não, nunca! A minha língua é a minha pátria – e querem fazer de mim um apátrida. Um pária no mundo das letras.
Não, não me tirem o prazer de escrever no português de Portugal!

domingo, 29 de janeiro de 2012

ANIMALS - PORCOS...

Era manhã cedo, e ele olhou e viu o homem aproximar-se.
O homem que todos os dias, desde que ele nascera, lhe vinha dar de comer.
Era o mesmo homem que para além de o alimentar, lhe limpava a pocilga onde chafurdava todo o dia, lhe mudava a palha onde se deitava, e que lhe dava de beber sem nunca lhe pedir nada em troca.

Ele nunca se interrogou porque é que tinha um tratamento diferente do dos vizinhos.
Às vacas, o homem também alimentava, limpava e mudava a palha, mas em troca elas davam-lhe leite todos os dias.
Dos cavalos, o homem também tratava, mas em troca eles puxavam-lhe a carroça e as alfaias agrícolas.
As galinhas pagavam o sustento com ovos diários.
Mas a ele, porco, o homem nunca pediu nada. E cada dia lhe dava mais comida. E, há medida que o tempo passava, era maior o fardo de palha com que lhe aconchegava a cama. E cada vez mais era a porcaria que ele porco fazia, e ele, homem limpava. E sempre sem nunca lhe pedir nada em troca.
E ele, porco, não se preocupava. Comia, dormia, chafurdava e engordava. Ele era melhor que os vizinhos. Dele, o homem, gostava mais que das vacas, que dos cavalos, que das galinhas. A ele não lhe pedia nada em troca. E assim foi sempre, e assim deveria ser sempre, porque assim, para ele, porco, é que devia ser e estava bem assim.
 
Hoje, o homem aproximava-se, mas vinha diferente.
A roupa não era a habitual, nas mãos não trazia a lata com a comida, nem nos braços vinha a palha e não lhe viu a enxada com que costumava limpar-lhe a pocilga.
Hoje, o homem sorria e abriu-lhe a porta da pocilga.
E ele, saiu.
Correu, e viu-se encurralado por miúdos que o tentavam apanhar. Gostou da brincadeira. Gostou das gargalhadas.

Mas, depois veio outra vez o homem, e trazia outros homens, e encurralaram-no.
E ele assustou-se.
E ataram-lhe as patas, e pegaram nele, em braços (os mesmos que lhe deram de comer e lhe limparam a pocilga e lhe mudaram a palha), e deitaram-no num banco de madeira.
E ele teve medo.

E depois veio outro homem, e ele viu a faca enorme que lhe brilhava na mão.
E depois viu a faca a aproximar-se do seu couro duro.
E ele entrou em pânico. E gritou. Gritou alto, mas ninguém fez caso dos seus gritos.

E a faca entrou-lhe no couro, passou-lhe a camada de gordura (aquela que ele acumulou desde que nascera e o homem o alimentara), e ele sentiu quando lhe chegou ao coração e o perfurou...

... E foi só nessa altura que ele percebeu, porque é que durante todo o tempo em que foi vivo o homem lhe limpou a pocilga, lhe mudou a palha, o alimento e o engordou, e sem nunca lhe pedir nada em troca... foi para aquele dia... ele valia muito mais depois de morto do que valeu enquanto foi vivo.

Era dia de festa na aldeia... era dia de matança do porco...


Malena calharam os cães, a mim calharam-me os porcos)


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

ANIMALS - CÃES

O Floydiano Cirrus lançou o desafio. Na sequência do aniversário do lançamento do álbum Animals, caber-me-ia escrever sobre um dos animais, o cão. Aqui fica o meu contributo.

Cerrou os dentes com força e aguentou o açaime. Tinha-se atrevido a questionar o dono e isso pagava-se caro!
“Senta!” Ordenara-lhe!
Estavam na praia, a areia molhada, um frio de rachar… Senta-te? Senta-te tu! Pensei.E veio-me à memória o Nero, do Torga. Raio de bicho que se contentara com umas côdeas e migalhas de ternura até morrer no quintal!
“SENTA!” Gritara-lhe!
Rosnara em sinal de desagrado. Mostrara vontade própria. Ai queres que me sente? Não! Vai mas é para casa mandar o teu filho fazer os deveres!E agora, isto! Açaimado! Privado de ladrar! Quando ladrar é a única forma de expressão própria que me deixaram! Sim, porque me ensinaram a sentar, rebolar, correr atrás da bola, ir buscar objectos, comer da tigela com o meu nome, pedir para ir à rua, abanar o rabo em sinal de reconhecimento… Um sem número de coisas que não faço porque e quando quero mas porque e quando os outros querem.Não devia ter obedecido cegamente! Devia ter fugido, ir para a rua em busca da liberdade! Mas é tão mais confortável mendigar um lugar à lareira com um olhar meigo e ter comida a horas certas.
Que se lixe o açaime… Amanhã é outro dia!

Resolvo ir com o cão até à praia. Está um frio de rachar mas preciso espairecer. Diabo de patrão que me espezinha de cada vez que tento mostrar uma ideia nova! Arvora-se em dono dos subordinados, como se os seus ensinamentos fossem lei!
“Cale-se!” Disse-me. “Eu é que mando!”
Devia ter saído enquanto podia! Mas é tão difícil começar de novo. Afinal tenho o ordenado certo ao fim do mês…
Que se lixe, o patrão lá sabe, amanhã é outro dia!
Raio de cão! Agora não obedece! Senta-te, palerma! SENTA-TE! Rosnas-me? Atreves-te a rosnar-me? Vais acabar açaimado, cabrão!
Malena

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

JARDIM ZOOLÓGICO MUSICAL

Ilustração de Marco Joel Santos

23 de janeiro de 1977 ficou marcado pelo lançamento do décimo álbum de originais dos Pink Floyd, de seu nome Animals. A Banda tinha atingido o auge da sua carreira comercial com Dark Side, quatro anos antes, e conseguira manter um nível extremamente elevado com o álbum Wish You Were Here, de 1975. Dizem os mais puristas que o auge artístico tinha já passado, nos longínquos anos de 1969 e 1970. No entanto, 1973 era o ano da loucura e da inexorabilidade do tempo. 1975 o da nostalgia e da homenagem tardia mas sentida a Syd Barret. E deixava entrever, em Welcome to the Machine, onde poderia chegar a Banda em termos políticos.
No entanto, nada poderia fazer prever o que se seguiu. Animals é um álbum brutal. O mais brutal da Banda e um dos mais brutais álbuns de sempre. E é brutal porque não só tem uma abordagem política clara, mas também porque nunca ninguém a tinha esplanado de forma tão explícita e tão objectiva. Acima de tudo, tão realista e, para além disso, trinta e cinco anos depois pode verificar-se, tão profética.
Pegando no universo orwelliano, a Banda urdiu um álbum perfeito do ponto de vista técnico, mas difícil de ouvir. Pouco versátil, duro de som e até mesmo áspero. Mas a força do álbum está na mensagem. A analogia dos porcos, os seres invisíveis que controlam os acontecimentos a nível mundial, e queiram chamar-lhes o que quiserem – Maçonaria, Iluminati, Opus Dei… – dos cães, que representam os políticos e seu aparelho repressivo e por vezes ineludível no trato, e nós – os restantes, as vítimas, os escravos modernos – as ovelhas.
O decorrer da acção, mais do que uma descrição daquilo que se passava na sociedade britânica de há 35 anos, permanece antes como uma estranhíssima profecia 100% correcta para os dias que hoje vivemos. Vem daí a força inquietante de um álbum escrito nos anos setenta, em plena loucura do “Sex, Drugs and Rock n’Roll”, uma espécie de oásis psicadélico que internou muito mais a realidade do que aquilo que a geração dos nossos pais desejava ouvir. E muito mais do que a nossa podia ver, e muito mais do que a actual consegue abarcar. E, no entanto, nunca a informação tanto fluiu como nos dias de hoje…
Durante a esmagadora tournée de Animals, em Montreal, o célebre episódio da cuspidela de Waters num fã havia de desencadear uma enorme catadupa de acontecimentos a nível pessoal, que o levou a convencer a Banda a tocar por detrás de uma parede. Assim, de um acontecimento triste de uma tournée que por isso ficou célebre, mas que permanece uma das maiores da história do Rock, surge o ícone The Wall…

domingo, 22 de janeiro de 2012

JESUS, MARIA E AS CORRENTES

Ilustração de Marco Joel Santos
Texto de autoria tripartida, entre Eusébio Santos, Pronúncia do Norte e Malena, a partir de um desafio lançado aqui há uns tempos. Depreendo que os outros autores lhe tomaram o gosto. A ilustração, como é hábito, é do quarto autor do post, o Joel Santos.

1.    E era que, naqueles dias, ninguém sabia do carpinteiro José; porque ninguém o encontrava em parte alguma de Nazaré;
2.    Podia ser que fosse porque Nazaré só havia de aparecer no séc IV, mas também podia ser porque simplesmente José nunca ultrapassou a noite da conceição;
3.    E porque, naqueles dias, os psiquiatras só receitavam ervas daninhas e os psicólogos ainda não perguntavam pelas mães e tal, José provavelmente voltou para o Egipto com vergonha do sucedido;
4.    E era que Maria, morando com seu filho Jesus, se encontrava sozinha em casa, tomada de tédio, pois havia-se esquecido de comprar o Extenso e a única coisa que passava na Judevisão era a circuncisão do filho do Herodes – o mesmo do ou succionas ou te sexas.
5.    E sabendo Maria que o circo estava na cidade, cedo entregou o filho Jesus aos cuidados do pai e abalou para a cidade; e Gabriel se resignou, pois o Senhor de Israel e de Judá o ameaçou com grandes males se assim não o fizesse, tendo igualmente pegado na faca para o privar da sua masculinidade angelical, caso assim não fizesse, dizendo:
6.    A Maria pode ser uma grande senhora de má fama, mas fama já ela tem, proveito já tu tiveste e o puto não tem culpa nenhuma que o pai não saiba guardar a… as asinhas atrás das costas!
7.    E assim Maria se dirigiu ao circo de Jerusalém. E era que, naqueles dias, a cidade tinha o circo, mas não com os palhaços e o Pai Natal num comboinho nem com o Catroga a extorquir massa nem com a Manela a matar velhos, pois que era um circo de gladiadores;
8.    E Maria viu o espectáculo, e se prazenteou no sangue, e retirou prazer do suor dos homens, e sentiu umas cócegas ao fundo do seu santo ventre, e sabia que não era nenhum Salvador que aí vinha – e decidiu descer às catacumbas após o sanguinolento espectáculo;
9.    Maria não estava ali apenas pelo espectáculo. Ela recebeu via Judenet, um pergaminho que lhe dizia que tinha que visitar o circo, e passar a missiva a leões e gladiadores, com quem deveria travar conhecimento bíblico. O pergaminho terminava com a ameaça de que se Maria quebrasse a corrente (ufa! finalmente apareceram as correntes), nunca mais na sua vida seria visitada pelo... espírito santo;
10.    Maria não acredita em bruxas, mas que as havia, havia.
11.    E Maria desceu às catacumbas e percorreu-as lentamente, determinada a cumprir a sua missão;
12.    E entrou Maria, na ala dos leões;
13.    Em vez do felino pujante e de juba farfalhuda (esta palavra dava um post), qual não foi o espanto de Maria ao encontrar apenas um gato escanzelado;
14.    Já naquele tempo, os animais falavam. E Maria perguntou ao gato onde estava o leão;
15.    E o gato lhe respondeu que o leão, como estava desempregado desde o início daquele ano, emigrou para parte incerta e deixou-o a ele, gato, a lutar pelo campeonato (que estava a ser dominado por umas aves de rapina);
16.    Maria, desiludida, seguiu para a ala dos gladiadores, onde esperava encontrar atléticos e musculados espécimes daquela raça, quem sabe o próprio Russelus Cru (o que até lhe agradava, porque Maria sempre preferiu a carne mal passada), com quem travar conhecimento e manter a corrente e fugir do agouro do pergaminho;
17.    Mas em vez deles encontrou apenas o José, e não era o dela, que esse tinha fugido para o Egipto, e uma múmia, era o Castellus Brancus e a Betty;
18.    E perguntou-lhes Maria pelos atléticos e musculados gladiadores com quem esperava travar conhecimento;
19.    E respondeu-lhe o José, o que não era o dela, que os gladiadores tinham emigrado para o bosque sagrado (que em Inglês se escrevia Holy Wood), e que depois de lhe crescer azevinho e ganhar um "l" (estava na moda ter dois l's no nome) passou a ser conhecido por Hollywood. Eles emigraram para lá, porque eram obedientes e seguiram os conselhos do senado romano para que emigrassem, e porque o cinema sempre pagou muito mais que o circo. E que eles, José, que não era o dela, e a múmia Betty, os tinham ficado a substituir, pois em circos eram doutorados desde um domingo e por Judefax;
20.    E perguntou-lhe Maria que se não havia leões, só um gato, se não havia gladiadores, como poderia ela manter a corrente e evitar o agouro do pergaminho que recebeu pela Judnet;
21.    E respondeu-lhe o José, o que não era o dela, que se queria manter a corrente ele e múmia Betty teriam todo o prazer em transmitir-lhe conhecimento, especialmente bíblico, e que não precisava de se preocupar, porque ele José, que já naquele tempo andava a cantar, lhe cantaria a canção que estava em nº1 do Judtop;
22.    E José começou a cantar-lhe: “ai, ai, si eu ti pego... delícia... assim você mi mata”;
23.    Maria atirou-lhe com o pergaminho e foi-se escada acima, pois que aquela canção era demasiado para os seus supostamente virginais ouvidos;
24.    E em subindo das catacumbas, muito lhe tremiam as pernas não sabendo se do susto se das comichões que de novo se apossavam das suas partes pudibundas;
25.    E sendo que da arena subiam os clamores dos amos cujos escravos ou tinham emigrado ou escapado à meia hora extra semanal, Maria foi em busca de um local silencioso;
26.    Eis senão quando, um raio de luz a encandeou e desse raio surgiu uma voz que lhe disse: “Vai e compra umas correntes que delas te virá grande gozo!”;
27.    E logo lhe acudiram as lembranças de José que tanto se aprazia em acorrentá-la à cabeceira das camas que construía para testar a sua qualidade;
28.    Lembrou-se ainda que fora assim, acorrentada, que o Anjo Gabriel a encontrara e que, como a voz dissera, disso retirara grande gozo;
29.    E porque, naqueles dias, não havia onde se vendessem artefactos de cariz sexual, as correntes só poderiam ser encontradas no mercado de escravos onde os clientes escasseavam devido à crise que um qualquer antepassado da Merkel provocara;
30.    E Maria dirigiu-se ao mercado pelo caminho mais longo, mas de ruas mais esconsas, em busca do tal silêncio e das montras de roupa BDSM que combinasse com as correntes;
31.    E em chegando ao mercado viu muitos homens e mulheres com grilhetas nos pés, unidas por correntes de ferro;
32.    E aproximando-se deles, perguntou-lhes: “Onde encontro os vossos donos, pois quero umas correntes como essas e não as arranjo em mais lugar nenhum?”;
33.    E os seus olhos se arregalaram de espanto pois os escravos desataram a linguajar de forma estranha, que uma compradora lhe disse ser Português, ainda que essa fosse uma língua do futuro;
34.    Logo se aproximou um dos mercadores, e os escravos murmuraram “ארנב! ארנב!” (Coelho! Coelho!, em Aramaico!);
35.    E Maria começou a correr, tomada de pânico, pois não havia fantasia erótica ou ameaça de mau agouro que a fizesse correr o risco de ouvir tal homem e, muito menos, de com ele travar conhecimento;

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

TRÊS ANOS DE CONSTELAÇÃO


Ilustração de MARCO JOEL SANTOS
Foi no dia 9 de Janeiro de 2009, que, por certo enfadado com aspectos vários da vida, me dediquei a iniciar um blogue. Não que tivesse algum tipo de experiência neste tipo de andanças, mas antes porque pensei que tivesse algo a dizer a quem quisesse ler. Pura alucinação.
Diz-se que é na adolescência que os arremedos de poeta se revelam. É verdade que é nessa altura da vida em que parece que todos parecemos poetas. As preocupações são tantas nessa altura, desde as borbulhas até à incompreensão por parte dos mais velhos, que se nos afigura adequado escrever como se não houvesse amanhã. Bem, isso era na minha altura. Agora não me parece que assim seja, até porque a maior parte dos adolescentes não sabe falar, quanto mais escrever. E, bem, em abono da verdade, a adolescência nada tem de problemático. Pelo contrário, os problemas começam mais tarde… Assim sendo, das duas uma, ou continuo com alma de adolescente, ou então realmente me quis afirmar por aquilo que sou. E isto é muito bonito se eu soubesse o que realmente quer dizer. Mas não sei, por isso fiquemos por aqui em matéria de causas para o início do blogue.
Foram três anos de lugares comuns. Não me refiro ao que escrevi. Refiro-me ao que se costuma escrever nestas alturas. Sempre lugares comum de alguma forma desprovidos de sentido, como os agradecimentos na recepção dos oscares, em que actores falsamente modestos desfiam uma série de baboseiras quando na realidade apenas querem apanhar uma bebedeira e dizer mal dos outros concorrentes, que não suportam. Aqui o caso é para bem menos. Primeiro porque fazer três anos, para um blogue, é perfeitamente normal, e depois porque não odeio nenhum concorrente, até porque a noção de concorrência na blogosfera é dúbia. Alguns tiraram-me do sério, mas isso vem da minha convicção religiosa, que é perfeitamente inexistente.
A única coisa que posso escrever por agora é que o Cirrus Minor vai continuar, não porque julgue que as mensagens aqui deixadas são do mais importante que há, mas porque acho graça ao grafismo da coisa. É muito floydiano e isso agrada-me. A banda sonora também é floydiana, o nome da criatura é floydiano. E se é floydiano é bom. Para mim, de qualquer maneira. Quanto ao resto, quem quiser ler, que leia. Sei que são cada vez menos. Mas isso não me preocupa por ali além…

TRUZ! TRUZ! TRUZ!...

... Cheguei!


Estava aqui a pensar que há pessoas que não medem mesmo muito bem nas que se metem quando dão a chave de casa a alguém.
O Eusébio Santos pertence a essa categoria.
Num momento de completa insanidade, deu-me a chave cá do tasco e agora só lhe restam duas hipóteses... ou se aguenta à bronca (que é como quem diz, à ocupação) ou troca a fechadura...


Ambientemo-nos.
Hum! A vizinhança parece boa... eclética. A única excepção é ali uma certa vizinha que destoa dos outros, e que por acaso até tem o mesmo nome que eu, mas enfim, não se pode ter tudo, não é?
A casa é relativamente nova... pela data aqui da escritura parece que faz hoje 3 anos. Se bem que, no que diz respeito à blogosfera, três anos já é uma idadezita de respeito. Está a precisar de uns retoques... e já que tenho a chave vou começar por pintar a parede cá do sítio.
Para início de instalação, declaro aberta a operação:

PARABÉNS À CONSTELAÇÃO MENOR
QUE POR ACASO TAMBÉM TEM NOME DE NUVEM 

Este nome rivaliza com qualquer operação da PJ, que é fértil a baptizar a dita, mas parca em resultados - era isto ou chamar-lhe Operação Ursa Menor e eu não quero ser uma inquilina corrida a pontapé quase ainda antes de chegar, com o proprietário a alegar que o insultei ao chamar-lhe nomes menos próprios que ainda por cima pecam em género e em tamanho.
Adiante...



Primeira etapa... música ambiente para dar início aos trabalhos (se é para pintar que seja ao som de uma boa música), e esta vem mesmo a propósito aqui do tasco:








A operação continua, mas em horário de expediente... que já passa da 1 da matina e o dono do tasco não me paga horas extras.


Até já...