quarta-feira, 24 de agosto de 2011

ESCROTO

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    No dia 22 de Agosto de 2011, o excelentíssimo director do jornal Sol escreveu mais uma das suas famosas colunas de opinião no seu próprio jornal. De quando em vez, lá leio as crónicas do referido director, e por vezes lá me deparo com algumas joias, porque de facto dali saem pérolas do humor. Com certeza todos nos lembramos dos seus célebres conselhos de poupança para a classe média, que consistiam, entre outras coisas, em trocar os Audi A6 por Audi A4 ou então comprar sapatos de oitenta euros em vez de os comprar a oitenta contos. Numa tarde apenas, fui acometido de diversos sentimentos contraditórios, pois passei do puro histerismo perante as medidas propostas, para acabar o dia a pensar que , afinal, não passo de um miserável que deve começar a pensar em pedir o tal prato de sopinha nas filas das Instituições de Caridadezinha Laranjas.
    Assim sendo, de quando em vez, por lá passo os olhos e me deleito perante as capacidades cognitivas e literárias do senhor director do Sol. Devo dizer que tenho muito apreço pelo trabalho em prol da História do tio deste senhor - menos, obviamente, pelo seu trabalho em prol da política. Ora agora saiu uma crónica em volta de um artigo do DN, que tomo a liberdade de hiperligar aqui. “Dois Maridos” é como se chama a crónica, ou artigo de opinião
   O senhor director do Sol começa por achar extremamente estranho que o nome da mulher do “casal” em questão seja Carlos. Analisando a prosa, antes de mais, o autor devia ser um pouco mais polido. Já não se utiliza o termo “mulher”. Utiliza-se cônjuge ou esposa ou ainda companheira, no caso da união de facto. Vê-se que o senhor director ainda é daqueles que chega a casa e grita logo: “Ò mulher,...!”. Pois é, mas isso era no tempo dos nossos avós, senhor director. Estamos no século XXI, e o senhor director deve saber disso, pois o seu jornal até tem edição online e tudo... Logo assim, há que dizer que para o senhor director, um casal tem de ter uma mulher, senão passa imediatamente a “casal”. Ou seja, não é um casal de facto, mas sim um casal entre aspas, assim uma coisa estranha que homem nenhum que trate a esposa por mulher admite sequer conhecer.

    O trocadilho feliz, dizendo que o deputado em causa (ex-deputado) agrediu a mulher, completando com a joia nunca ouvida e completamente original “(ou seria o marido?)”, é de todo um exemplo perfeito do requintadíssimo sentido de humor do senhor director. Depois, a genuína estranheza que constitui o facto de os dois cônjuges (para o senhor director, marido e mulher) estarem já separados. Uma autêntica preocupação com a possibilidade de divórcio gay. Isto denota, primeiro, que o senhor director, numa perfeita conclusão cívica, acha que o casamento é para a vida, mesmo que haja maus tratos, infelicidade ou simplesmente que o marido se refira à sua esposa como “a minha mulher”. E faz muito bem, o casamento é um sacramento de Deus, é uma representação da união de Deus com o seu povo, e não fica nada mal dizer-se que o marido é Deus e a sua “mulher” seja o povo. Além disso, realmente tem toda a razão, então os gays andaram tanto tempo a reivindicar o casamento para agora desatarem a divorciar-se? Para isso não se casavam!! Tem toda a razão!!! Como o senhor director se casou, como conseguiu enganar a “sua mulher”, é que eu não sei... É que milhões de casais hetero separam-se todos os dias. Seria melhor nem se casarem, certo, senhor director? Certo. O casamento é para a vida. Mesmo que se apanhe no focinho todos os dias.
    O senhor director depois alude a um facto muito importante, que é o bilhete de identidade do marido (ou mulher? - como ele volta a referir) do deputado, apontando-o como uma das causas para a separação e violência entre os dois. Trata-se de um massagista venezuelano com menos dez anos que o marido (ou mulher? – como o senhor director gosta de dizer). Logo aqui ficamos a saber que uma pessoa dez anos mais nova, massagista e ainda por cima venezuelano não serve para ninguém. Não é pessoa de confiança, segundo a douta opinião do senhor director. Obviamente tem razão. Aliás, como bem sabemos todos, os milhões de casais com violência conjugal em Portugal têm todos em comum uma coisa: um massagista dez anos mais novo que o cônjuge, e ainda por cima venezuelano. Nada de espantar.
    Depois o senhor director estabelece um paralelo interessante com a situação do assassínio de Carlos Castro, pretensamente assassinado por Renato Seabra, pois Renato Seabra atacou Carlos Castro com um plasma e este atacou o marido (ou mulher, senhor director?) com um computador e um telemóvel. Ora aqui ficamos a saber realmente coisas importantes. Primeiro, que todos os gays são violentos e se matam uns aos outros, uma conclusão óbvia das palavras do senhor director. Depois, que têm uma estranha propensão para atacar com aparelhos electrónicos, talvez numa tentativa de assim a agressão ser considerada como virtual – quem sabe, senhor director? Por fim, ficamos a saber que o senhor director afinal sabe bem mais do que os pais de Renato Seabra, pois afirma que o jovem de Cantanhede é mesmo gay e mais nada. É bom ter destas certezas, não é, senhor director?
    O senhor director, depois, e estranhamente, afirma-se como sendo contra o casamento homossexual, e escrevo estranhamente porque nada nas suas afirmações anteriores nos poderia levar a tirar esta conclusão, o que eu não sabia é que o senhor director é homossexual. Não é? Ai é, é... É que eu não sou contra nem a favor do casamento homossexual, sabe porquê, senhor director? Porque não sou homossexual, por isso tanto se me dá como se me deu se os homossexuais se casam ou não. Não é nada comigo, eu só tive de decidir se estava a favor ou contra o meu casamento com a minha esposa. E estava a favor, até por razões fiscais. Mas no ano seguinte mudaram a Lei do IRS outra vez e ficamos a perder dinheiro. Fora isso... é cá comigo. Como os casamentos gay são com os gays, logo o senhor director é gay, pois tem uma opinião sobre o assunto, levando-me a crer que o pode de facto afectar de algum modo. Logo, deve ser gay. O que não tem mal nenhum, diga-se, é uma orientação como outra qualquer. Diga-nos, senhor director, já disse à “sua mulher”?

PS: o título deste post não se refere a ninguém em particular. Só o usei porque gosto da palavra, não porque pense que o senhor director do jornal Sol, o Sr.Arqº José António Saraiva é um saco de pele flácida que segura os tomates.

domingo, 21 de agosto de 2011

DA ESPANHA

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Da Espanha chegam-nos as notícias das Jornadas Mundiais da Juventude. Chegam-nos as movimentações, as cerimónias, os rituais. Chega-nos a alegria, que não duvido sincera, de milhões de crentes na Igreja Católica. Como qualquer outro acontecimento, tem as suas vantagens e desvantagens.

Não me assumo como religioso, bem pelo contrário. As minhas crenças a mim dizem respeito e não as partilho no seio seja de que seita religiosa for, seja esta a Igreja Católica ou outra qualquer. Bem sei que o Papa condena o individualismo religioso, mas a verdade é que também é raro aparecer algo que este personagem mesquinho não condene, por isso é-me indiferente. Longe vão os tempos da Inquisição, e se bem que ainda exista esta organização, sob o nome de Congregação para a Doutrina da Fé, que aliás foi dirigida pelo ex-cardeal Ratzinger, a verdade é que já não impõe dogmas a ninguém, para desespero de alguns e alívio de muitos outros.

Mas nem é de Fé que quero escrever. É dos protestos. Esta visita papal, mais a dos milhões de peregrinos à capital castelhana foi alvo de protestos enérgicos, onde tudo se misturou: a anti-religiosidade, o anti-clericalismo, os indignados espanhóis... enfim, uma panóplia de protestantes que se juntou na capital para protestar contra a presença do papa. Eu sei que, à partida, há que condenar aqueles que, nada tendo a ver com a visita papal nem com as ditas jornadas, aproveitaram para se fazer ouvir. Mas, pensando bem, condenar porquê? Não têm o direito de manifestação? Penso que nesse aspecto a Constituição espanhola é parecida com a nossa e esse direito está consagrado. Então porquê condenar? Se uns, de um lado, aproveitavam os confessionários ao ar livre para abrirem as suas vidas aos padres confessores, por outro outros manifestavam o seu anti-clericalismo. Qual a crise?

A crise é a crise. Essa mesmo, que nós próprios também sentiremos na pele não tardará muito. Qual o fundamento de um governo que, perante uma crise imensa, gasta cinquenta milhões de euros numa visita de um líder de uma seita religiosa? Porque deu o governo espanhol ordens para limpar as ruas de manifestantes, utilizando inclusivamente níveis inusitados de violência contra simples transeuntes e até jornalistas espanhóis, como se tem visto nas TV? O que tem isso a ver com austeridade, com religiosidade, ou seja com o que for?

Da Espanha chega-nos um vislumbre daquilo para onde poderemos estar a caminhar. Isso é mais importante do que as jornadas dos escuteiros ou dos jovens ou lá quem eram. E muito mais importante do que algo que possa sair da boca do líder religioso presente na altura.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

CLARIVIDÊNCIA

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    Muito tenho eu criticado este governo pelas opções que toma no que toca ao controlo orçamental. O desastre para a classe média portuguesa está a consumar-se num ritmo alucinante. O facto é que ninguém parece preocupado com a perda repentina de rendimentos que teve, por isso concluo que o povo português, afinal, é rico e pode muito bem ganhar menos. Ou isso ou então temos uma comunicação social que navega completamente à vista (no caso, à vista do governo em funções). Ou então ainda já arranjaram novo tacho à Manuela Moura Guedes, não sei bem. Não sei o que se passa, mas que é estranho, é.
    No entanto, quando há tanto para criticar no ideário ultra liberal de Passos Coelho, a verdade é que assiste-me a responsabilidade de identificar também as coisas bem feitas. Hoje parece ter-se aberto o caminho para uma dessas coisas e é responsabilidade aparente do Ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira. Parece que o ministro se deslocou a Espanha para dizer que Portugal não quer TGV. Essa seria a boa notícia? Não obrigatoriamente.
    O que parece ter acontecido é que o ministro acabou a reunião com o ministro espanhol do Fomento (palavra bem mais feliz que Economia) acordando que uma ligação ferroviária de alta velocidade entre Sines e Madrid, apenas e tão só para mercadorias, seria uma opção muito válida. Ora, não é de hoje, senão do princípio deste blog, que venho opinando que um projecto de TGV para passageiros é um projecto inócuo e inviável economicamente, por muitas petas que nos pregassem os ex-ministros socialistas. Mas sempre defendi que houvesse uma ligação rápida (TGV é muito rápida) de Sines a Madrid, de forma a rentabilizarmos um dos maiores portos de mar da Europa, tão negligenciado por sucessivos governos.
    Uma vez que o anterior governo avançou com a obra de acessibilidades rodoviárias condignas a Sines e ao seu Porto, fico agora satisfeito com este projecto. É necessária clarividência nestas coisas, e parece-me que Santos Pereira teve um surto dela. Oxalá o seu ígnaro chefe não o desautorize.

sábado, 13 de agosto de 2011

VENCEDORES


   Já, por certo, passamos por sessões de formação. O que é positivo, uma vez que podemos aprender até ao fim da vida – e, aliás, se assim não for, a vida esgotou-se rapidamente para nós. Neste momento da minha vida, dedico-me ao trabalho a 100%, tentando fazê-lo o melhor possível, dentro daquilo que é esperado por quem me paga. Mas também à formação. Passei agora para o segundo ano da Licenciatura em História, Mestrado em Cultura e Religião. Nas férias da escola, meti-me a tirar duas formações corporativas, da companhia. Daquelas que nos ajudam de facto no dia a dia: Escuta Activa e Apresentações Eficazes. Não páro porque parar é morrer.
    No entanto, há as outras formações. As formações de motivação. Aquelas em que nos ensinam técnicas para motivarmos os outros, para nos motivar-nos a nós próprios ou então simplesmente para nos motivarem sem nos darmos conta do que isso é. Adoro essas formações, porque é sempre uma galhofa imensa, mesmo que não pareça. Dou por mim a olhar para a cara dos outros formandos e a imaginar o que lá vai por dentro. E surgem-me fotos mentais do género “Que perda de tempo”, “Porra, estava melhor a nanar” ou mesmo “Se fosses para a p*** que te pariu e me pagasses mais cem euros é que eras esperto”.
    Há diferentes concepções de motivação para cada pessoa. Se para um alto executivo de uma empresa, assumir mais responsabilidades era dado como uma motivação certa no meu tempo de Universidade, hoje isso é altamente discutível. Pelos exemplos portugueses, querem é dinheiro. Mais. Nisso assemelham-se aos operários de base, os tais do nanar e do vai para a pqp, pois a sua principal motivação mesmo é ter mais cem euros para comprar comida para a família. As necessidades são diferentes, mas a motivação é a mesma. Dinheiro. O resto é conversa.
    Estas formações são dadas recorrendo a lindas frases dos mais respeitados gurus, gestores, economistas, financeiros... Toda a escumalha que arruinou este mundo e se prepara para arruinar o próximo. Como gestor, não abona a meu favor, bem sei. Não interessa, as verdades são para ser ditas, mesmo que doam, e mesmo que nos doam particularmente. O objectivo da formação é motivar pelo exemplo. Qual o exemplo? O dos “Vencedores”.
    Vencer é tudo. Nada é mais importante na vida. Vencer. Ter um grande ou vários grandes empregos, ter muito dinheiro, ter um grande carro, ter uma bela casa de mais assoalhadas que parentes vivos tem o dono. Ter um cônjuge igualmente vencedor, ter filhos lindos de morrer com alergias ao ar que respiram, que frequentam os melhores colégios e infantários do país. Ter uma ou mais casas de férias espalhadas pelos pontos mais nevrálgicos do país: Algarve, Alentejo, Douro... Vencer. Há que vencer. Há que ganhar. Há que singrar.
    O facto de haver um vencedor quer dizer que há, não um, mas vários perdedores. O que me preocupa verdadeiramente não é o facto de haver um vencedor, nem que esse possa ter roubado e matado metade dos que conheceu durante a vida para que pudesse vencer. O que me preocupa é haver perdedores. Uma sociedade que divide as pessoas que a compõem em vencedores e perdedores é o que me preocupa. Não procuro uma sociedade com vencedores ou perdedores. Procuro uma sociedade de dignos. Procuro uma sociedade de justos. Procuro uma sociedade em que todos tenham as mesmas oportunidades, não de vencer na vida, seja lá o que for essa pura ilusão, mas sim de ganhar aquilo que mais distingue o homem dos animais: o respeito. Por si e pelos outros.
    Vencer a todo o custo é animalesco. É irracional, é a lei da selva. Claro que há formas de nos dizerem o contrário. Um vencedor é respeitado, dirão. Até pode ser, se conseguir ganhar o respeito de quem destruiu pelo caminho. Exemplos como o Comendador alentejano são escassíssimos e nunca mo deram numa formação de motivação. Porque será? O homem é até dos mais ricos de Portugal, e no entanto não é referido como tal. É referido como um homem justo, que respeita os outros e que se alegra imenso quando caminha pela sua fábrica de Campo Maior e ouve os seus trabalhadores cantarem. Não é exemplo para os motivadores. Não faz sangue.
    Depois há a lengalenga do win-win, situação em que todos ganham. É possível? É, quando para ganharem ambas as partes, ambas se comprometem a perder algo em troca. A cedência, a negociação construtiva. Isso não é vencer. Isso é encontrar soluções. Isso não faz de nós vencedores, faz de nós negociadores preocupados com as necessidades de ambas as partes. Faz de nós pessoas justas, dignas e respeitadas.
    Já o disse hoje por uma vez, e volto a dizê-lo: a minha vida não se mede pelo sucesso que tenho, mas antes pela dignidade e verticalidade com que a poderei viver. Com certeza serei lembrado mais vezes dessa forma. Uma das formações que estou a tirar agora, e no que se refere ao medo cénico nas apresentações, refere: "Não sinta medo. Afinal, daqui a uma semana, ninguém se lembrará do que acabou de dizer e apresentar, e apenas será retida uma vaga ideia do que quis dizer".

PS: O vídeo mostra como uma motivação pode ser bem mais simples do que se pensa e não implica sempre o “Vencer!” a todo o custo. Chama-se Cler Achel. Quer dizer “Água é Vida”. É uma música de uma banda composta de combatentes, terroristas para a comunidade internacional, que resistiram ao governo de Bamako pelo controlo da água no deserto do Saara. Chamam-se Tinariwen e a sua grande motivação na vida, além da luta armada entretanto acabada e da música, é dar de beber aos filhos. Pensem nessa “vitória”.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

PES

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PES é um jogo de computador ou consola, e não vou dizer que nunca o joguei e armar uma de intelectual que apenas usa o computador para pesquisar termos acerca do genoma humano ou da relação entre o período da baleia azul com a cor do mar vermelho. É verdade, também já joguei PES e admito que nunca fui o melhor do mundo naquela coisa. Quer dizer Pro Evolution Soccer, ou seja Futebol Pró-Evolução, seja lá o que isso for ou o que ia na ideia de quem inventou o jogo.
Actualmente, porém, PES quer dizer ainda uma outra coisa. Quer dizer Plano de Emergência Social. Levando à letra, é um projecto do governo que se destina a colocar no mesmo Plano todos aqueles que não enfrentam emergências financeiras, fazendo de um ponto de vista social aceitável. Ou melhor ainda, é um plano para instituir de vez a miséria a quem tem o azar de ser pobre.
A instituição da caridadezinha barata vai substituir medidas um pouco mais acertadas, como o incentivo ao emprego, mas é certo que é mais fácil e muito mais barato. A ideia é, basicamente, colocar aqueles que fazem o serviço social a ganhar rios de dinheiro, desde que dêem um prato de sopa a quem tem fome. Ora, sabemos, de antemão, qual o resultado destes planos, até porque décadas de experiências feitas em África redundaram sempre no mesmo resultado: a perpetuação da miséria e da dependência da caridade de outros para assegurar a sobrevivência dos necessitados.
Além de instituir a caridadezinha barata, ou talvez o aproveitar do sacudir da toalha de jantar dos ricos para alimentar os pobres, como é exemplo a distribuição de medicamentos cujo prazo esteja prestes a expirar aos pobres, coitadinhos, há depois algumas medidas que são do mais interessante, do ponto de vista humano, que pode haver.
A medida que o governo quer implementar de colocar a trabalhar os beneficiários do SRS não me choca minimamente. Mas parece que os querem colocar a trabalhar em instituições privadas de solidariedade social. Ora, sabemos que, destas, 99% são da Igreja e o outro 1% é das dioceses. Arranjar mão-de-obra grátis à Igreja Católica é sempre um bom sinal. Em vez de os colocarmos ao serviço das Juntas de freguesia, por exemplo, onde o seu trabalho poderia ser, de facto, relevante... Mas, e aqueles que realmente usufruem do SRS com fundamento? Não há? São, portanto, todos parasitas? Ok, sigamos em frente. Não há doentes crónicos, nem nada disso... É tudo ciganada que não quer é trabalhar.
Já um pouco diferente é fazer o mesmo aos desempregados, que usufruem do Subsídio de Desemprego. Parece que o governo os quer pôr a trabalhar nos mesmos moldes, com a diferença que estes até podem vir a trabalhar em empresas privadas. Uma maravilha! Uma invenção da roda! Por esta altura está o tio Belmiro a fazer contas a quantos empregados vale a pena despedir e pedir desempregados pagos pelo Estado para os substituir! Uma medida extraordinária, de visionário, pois reduz o desemprego! Não acreditam? Quantos de vocês aceitariam esta solução? Parece ter-se esquecido que um desempregado é um trabalhador que andou a descontar para que a Segurança Social lhe possa valer numa hora de necessidade, ou seja , no desemprego. Toda a gente esqueceu esse pormenor? Óptimo, então, dêem-me o desconto que faço todos os meses para a SS, que eu cá me arranjarei no futuro sem ela.
Além de tudo o mais, é bom lembrar que ninguém está livre de ir parar às listas de desemprego, por muito mais bem empregado que esteja agora, e os funcionários do BPN que o digam. Mas, segundo a visão do governo, a questão é que esses milhares de parasitas do Estado que andam a receber o Subsídio de Desemprego são uma cambada de calaceiros que não querem é trabalhar! Pô-los a produzir é que é importante, mesmo que trabalhem de graça. Ou melhor, de graça não, pois vão receber o Subsídio que pagam aqueles que estão prestes a perder o emprego porque os seus patrões preferem os que vêm do desemprego, já que não têm que lhes pagar! Extraordinária forma de diminuir o desemprego – basta aumentá-lo, que ele diminui.
Nem vou falar do imoral que é um patrão, tenha ou não dificuldades, ter pessoa a trabalhar para ele sem lhes pagar. Não é só imoral, isso tem um nome, um nome muito antigo, velho de séculos, e que foi abolido há uns tempos. Preparamo-nos para instituir a escravidão por Lei. O que é um avanço civilizacional considerável, uma vez que o governo tem o PES e garante um prato de sopa a cada pobre deste país, sem problemas. Até porque se prepara para injectar 400 milhões de euros nos bolsos de quem manda fazer a bendita sopinha. E a sopinha é igual para todos, quer se tratem de escravos ou de homens livres.
Estamos perto de recuarmos décadas na nossa história. Estamos perto do maior recuo civilizacional deste país no último século. Estamos perto de assistir de novo aos tempos em que se construíam palácios monumentais em vilórias do campo, à custa do suor e fome do povo, desde que se possa albergar numa modesta ala desse palácio uns quantos alvos de misericórdia. Que fazemos para evitar isto? Nada, absolutamente nada. A maior parte do povo quer um pratinho de sopa, a maior parte do povinho, que já se viu privado do seu subsídio de Natal, viu os transportes aumentar, ao mesmo tempo que em meio ano se teve de pagar 600 milhões de euros às concessionárias das ex-SCUTEP, lembram-se?), e enquanto vê 430 nomeações do governo para altos cargos, e ainda não estão lá cerca de metade delas, enquanto vê ser vendido um activo do Estado, que nos custou a todos cerca de seis mil milhões de euros, por um prato de lentilhas, ao mesmo bando que o roubou descaradamente, enquanto vê anunciado o fecho de 300 escolas, enquanto vê que não há dinheiro para a polícia funcionar, enquanto vê que o novo ministro da saúde já prometeu fechar urgências onde haja alternativas privadas (?!!!!) - o que quer este povinho? Quer um prato de sopinha. De letras, já agora – talvez ainda se consiga escrever liberdade no prato de sopinha...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

MILAGRE

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Um violento acidente ocorreu hoje na IC19, em Lisboa, entre dois pesados e um ligeiro. Miraculosamente, a ocupante do veículo ligeiro, a deputada do PSD, Joana Barata Lopes, que aparenta ter adormecido ao volante, escapou com vida ao acidente.
Especula-se se a demora de 14 segundos registada pela pessoa que fez a chamada para o 112 (um dos condutores dos veículos pesados) e os três minutos e cinquenta segundos que demorou a viatura VMER a chegar ao local não terão sido tremendamente excessivos.
Dado o estado em que ficou o veículo conduzido pela deputada do PSD Joana Barata Lopes, é efectivamente um milagre que tenha escapado com vida, mas não sem consequências. A deputada está em observações no Hospital Sta.Maria, onde aparentemente sofre de problemas neurológicos.
Instado a dar a sua opinião, o Director Clínico do Hospital Central refuta qualquer responsabilidade do estado da deputada à demora em chegar ao local do acidente por parte das viaturas de socorro:
- “Nada disso, isto trata-se efectivamente de um milagre! Não só não sofreu nada com o acidente, como parece ter aumentado o Q.I. para níveis normais!!!”, exclamou o clínico, enquanto segurava o cérebro da paciente nas mãos - “Não se preocupem, isto para ela sempre foi normal, não lhe faz grande falta...!”

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O JOGO ETERNO I

Sargão, Unificador da Suméria e de Acad

Uma das primeiras comunidades humanas, tida como uma das mais antigas cidades do mundo, encontra-se no planalto da Anatólia e chama-se Çatal Hoyuk. Tratava-se de uma cidade sem ruas, de um estilo muito peculiar, totalmente fechada ao exterior, evidenciando uma necessidade extrema de defesa. Nesta cidade encontra-se um dos primeiros sinais religiosos numa comunidade organizada: o Touro. Figuras estilizadas da cabeça deste animal parecem ter sido veneradas nesta cidade.
Evidentemente que já antes tinha havido manifestações de veneração ao divino. Estatuetas da deusa mãe, algumas conhecidas por Vénus, representavam na realidade mais a Terra e a sua fertilidade do que Vénus, a “estrela” errante. São sobejamente conhecidos testemunhos do Neolítico que atestam uma veneração muito especial pelos ciclos solar, lunar e venusiano. São, de algum modo, as primeiras manifestações da religião entre a comunidade humana. Independentemente de darmos ou não crédito à possibilidade de a civilização humana ter, anteriormente, atingido níveis tecnológicos mais elevados, há lendas que merecem alguma reflexão. O Moinho de Hamlet é uma delas, o Dilúvio, uma outra, quiçá bem mais conhecida. A questão é que pelo milénio V antes de Cristo, já a Suméria e suas cidades-estado haviam instituído a primeira teocracia. Pouco depois, o Egipto surgia enigmaticamente como uma entidade política, com um sistema religioso completamente formado de raiz, o que não deixa de ser um facto impressionante. Era, na prática, mais uma teocracia.
Apenas cerca de um milénio após (e até pode parecer pouco, mas para compararmos, Portugal tem 830 anos de história...), surge o monoteísmo, aparentemente pelas mãos de Abraão, embora a existência histórica deste habitante de Ur seja algo dúbia. Nascia o Judaísmo, a mais antiga das religiões monoteístas, que tem efectivamente uma génese histórica nunca menos antiga que a era conhecida por Império Médio no Antigo Egipto, alegadamente com uma associação a uma outra figura cuja existência não está comprovada, a de Moisés.
A história do monoteísmo e da religião como a conhecemos parece estar intimamente ligada aos sistemas religiosos sumérios e egípcio. As analogias são demasiadas para passarem despercebidas. Por exemplo, a história do Dilúvio, presente na Tora e na Bíblia, foi primeiramente registada num poema épico escrito em acádico, a língua do Império de Acad, situado na Suméria. Chamava-se o poema a Epopeia de Gilgamesh. Por outro lado, a ideia do judaísmo monoteísta parece ter sido efectivamente levada avante apenas depois da experiência monoteísta de Akhenaton, nascido com o nome de Amenhotep IV, faraó da grande XVIII dinastia egípcia. O seu reinado acabou por pôr fim à dinastia, mas a sua experiência com o deus único Aton foi visionária. E ao mesmo tempo, um regresso ao passado, uma vez que era venerado, uma vez mais, um astro, o “disco” solar.
Na verdade, os deuses personificavam, tanto no antigo Egipto como na Mesopotâmia, de alguma forma, os astros visíveis. Rá e Hórus, por exemplo, são conotados com o Sol, bem como o herói civilizador Osíris, pai de Hórus. Assim também Enlil e Marduk eram deuses “solares”. Por outro lado, o culto de Vénus nunca terá sido erradicado, mas também ele parece ter sido personificado, através de figuras como Ísis, Cíbele ou Ishtar, respectivamente no Antigo Egipto, nos territórios palestinianos (filisteus) e na Suméria. Apesar de ter tido mulheres com papeis importantíssimos na sua história, como a Juíza Deborah, os judeus tinham um código religioso estritamente masculino, o que os levou a uma separação de Deus em três pessoas aparentemente masculinas, o Pai, o Verbo e o futuro Messias, que os cristão adaptaram a Pai, Filho e Espírito Santo. No entanto, também a Santíssima Trindade existia no Antigo Egipto, através das figuras de Osíris, Ísis, sua esposa e irmã, e Hórus. Ainda hoje se pode apreciar, em Edfu, no Templo de Hórus, uma gravura extraordinária desta Trindade, em tudo semelhante à iconografia que séculos mais tarde viria a constituir a Sagrada Família.
Não se acabam por aqui as aparentes influências egípcias no judaísmo e no monoteísmo. O Templo judaico, erigido pelo imperador Salomão, era um edifício extraordinário, em tudo semelhante aos templos egípcios. Mais arrepiante ainda se torna saber que existe uma réplica exacta do Templo na Ilha Elefantina, em Assuão, na Núbia egípcia. Ou pelo menos, existia, apenas subsistem os seus alicerces actualmente. Continha inclusivamente o Santos dos Santos, divisão onde era apenas permitida a entrada, e uma vez por ano apenas, ao Sumo Sacerdote, em consonância com o que acontecia nos templos egípcios. A ideia de “morada de Deus” parece decalcada da ideia babilónica de “morada de Deus”, no caso, do deus Marduk, que tinha no seu zigurate, o Etemenanki, também conhecido por Torre de Babel na Bíblia, a sua morada terrena.
O mito de criação é semelhante nas três religiões, tendo todas elas referido que o mundo surgiu das águas primordiais, e que os deuses respectivos (Enki, na Suméria, Atum, no Egipto e Javé, no judaísmo) “separaram” as águas. Os muçulmanos acreditam, tal como os judeus, que por debaixo da cúpula dourada de Al-Aksa, em Jerusalém, onde anteriormente se encontravam os Templos de Salomão e de Herodes o Grande, existe uma pedra, a primeira pedra do mundo. O que obviamente se relaciona intimamente com a Pedra bem-bem, o “umbigo” do mundo egípcio, que, depois de perdida, passou a ter representação em obeliscos. Seriam o primeiro local seco do mundo recém-criado, após a separação das águas primordiais. Obviamente, na Mesopotâmia não há uma pedra original, pois não há pedra.
São pormenores que revelam as origens da religião ocidental monoteísta. São parte do Jogo Eterno a que somos constantemente chamados a assistir e mesmo participar.