terça-feira, 2 de agosto de 2011

O JOGO ETERNO I

Sargão, Unificador da Suméria e de Acad

Uma das primeiras comunidades humanas, tida como uma das mais antigas cidades do mundo, encontra-se no planalto da Anatólia e chama-se Çatal Hoyuk. Tratava-se de uma cidade sem ruas, de um estilo muito peculiar, totalmente fechada ao exterior, evidenciando uma necessidade extrema de defesa. Nesta cidade encontra-se um dos primeiros sinais religiosos numa comunidade organizada: o Touro. Figuras estilizadas da cabeça deste animal parecem ter sido veneradas nesta cidade.
Evidentemente que já antes tinha havido manifestações de veneração ao divino. Estatuetas da deusa mãe, algumas conhecidas por Vénus, representavam na realidade mais a Terra e a sua fertilidade do que Vénus, a “estrela” errante. São sobejamente conhecidos testemunhos do Neolítico que atestam uma veneração muito especial pelos ciclos solar, lunar e venusiano. São, de algum modo, as primeiras manifestações da religião entre a comunidade humana. Independentemente de darmos ou não crédito à possibilidade de a civilização humana ter, anteriormente, atingido níveis tecnológicos mais elevados, há lendas que merecem alguma reflexão. O Moinho de Hamlet é uma delas, o Dilúvio, uma outra, quiçá bem mais conhecida. A questão é que pelo milénio V antes de Cristo, já a Suméria e suas cidades-estado haviam instituído a primeira teocracia. Pouco depois, o Egipto surgia enigmaticamente como uma entidade política, com um sistema religioso completamente formado de raiz, o que não deixa de ser um facto impressionante. Era, na prática, mais uma teocracia.
Apenas cerca de um milénio após (e até pode parecer pouco, mas para compararmos, Portugal tem 830 anos de história...), surge o monoteísmo, aparentemente pelas mãos de Abraão, embora a existência histórica deste habitante de Ur seja algo dúbia. Nascia o Judaísmo, a mais antiga das religiões monoteístas, que tem efectivamente uma génese histórica nunca menos antiga que a era conhecida por Império Médio no Antigo Egipto, alegadamente com uma associação a uma outra figura cuja existência não está comprovada, a de Moisés.
A história do monoteísmo e da religião como a conhecemos parece estar intimamente ligada aos sistemas religiosos sumérios e egípcio. As analogias são demasiadas para passarem despercebidas. Por exemplo, a história do Dilúvio, presente na Tora e na Bíblia, foi primeiramente registada num poema épico escrito em acádico, a língua do Império de Acad, situado na Suméria. Chamava-se o poema a Epopeia de Gilgamesh. Por outro lado, a ideia do judaísmo monoteísta parece ter sido efectivamente levada avante apenas depois da experiência monoteísta de Akhenaton, nascido com o nome de Amenhotep IV, faraó da grande XVIII dinastia egípcia. O seu reinado acabou por pôr fim à dinastia, mas a sua experiência com o deus único Aton foi visionária. E ao mesmo tempo, um regresso ao passado, uma vez que era venerado, uma vez mais, um astro, o “disco” solar.
Na verdade, os deuses personificavam, tanto no antigo Egipto como na Mesopotâmia, de alguma forma, os astros visíveis. Rá e Hórus, por exemplo, são conotados com o Sol, bem como o herói civilizador Osíris, pai de Hórus. Assim também Enlil e Marduk eram deuses “solares”. Por outro lado, o culto de Vénus nunca terá sido erradicado, mas também ele parece ter sido personificado, através de figuras como Ísis, Cíbele ou Ishtar, respectivamente no Antigo Egipto, nos territórios palestinianos (filisteus) e na Suméria. Apesar de ter tido mulheres com papeis importantíssimos na sua história, como a Juíza Deborah, os judeus tinham um código religioso estritamente masculino, o que os levou a uma separação de Deus em três pessoas aparentemente masculinas, o Pai, o Verbo e o futuro Messias, que os cristão adaptaram a Pai, Filho e Espírito Santo. No entanto, também a Santíssima Trindade existia no Antigo Egipto, através das figuras de Osíris, Ísis, sua esposa e irmã, e Hórus. Ainda hoje se pode apreciar, em Edfu, no Templo de Hórus, uma gravura extraordinária desta Trindade, em tudo semelhante à iconografia que séculos mais tarde viria a constituir a Sagrada Família.
Não se acabam por aqui as aparentes influências egípcias no judaísmo e no monoteísmo. O Templo judaico, erigido pelo imperador Salomão, era um edifício extraordinário, em tudo semelhante aos templos egípcios. Mais arrepiante ainda se torna saber que existe uma réplica exacta do Templo na Ilha Elefantina, em Assuão, na Núbia egípcia. Ou pelo menos, existia, apenas subsistem os seus alicerces actualmente. Continha inclusivamente o Santos dos Santos, divisão onde era apenas permitida a entrada, e uma vez por ano apenas, ao Sumo Sacerdote, em consonância com o que acontecia nos templos egípcios. A ideia de “morada de Deus” parece decalcada da ideia babilónica de “morada de Deus”, no caso, do deus Marduk, que tinha no seu zigurate, o Etemenanki, também conhecido por Torre de Babel na Bíblia, a sua morada terrena.
O mito de criação é semelhante nas três religiões, tendo todas elas referido que o mundo surgiu das águas primordiais, e que os deuses respectivos (Enki, na Suméria, Atum, no Egipto e Javé, no judaísmo) “separaram” as águas. Os muçulmanos acreditam, tal como os judeus, que por debaixo da cúpula dourada de Al-Aksa, em Jerusalém, onde anteriormente se encontravam os Templos de Salomão e de Herodes o Grande, existe uma pedra, a primeira pedra do mundo. O que obviamente se relaciona intimamente com a Pedra bem-bem, o “umbigo” do mundo egípcio, que, depois de perdida, passou a ter representação em obeliscos. Seriam o primeiro local seco do mundo recém-criado, após a separação das águas primordiais. Obviamente, na Mesopotâmia não há uma pedra original, pois não há pedra.
São pormenores que revelam as origens da religião ocidental monoteísta. São parte do Jogo Eterno a que somos constantemente chamados a assistir e mesmo participar.

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