sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

SAIR DAS TREVAS


O cardeal D. José Policarpo é o cardeal patriarca de Portugal. Um príncipe da Igreja com maus hábitos, como fumar e beber uns canecos à mesa da sueca na terra de onde veio e onde ainda vai. E estes são os bons. Penso que o último Concílio para escolher o último Papa deve ter sido um regabofe por causa de D. José. Imaginem o fumo a sair por tudo quanto era sítio, que o homem parece que puxa bem pela beata para a meter nos queixos. Nada de segundas interpretações, por favor, beata aqui é mesmo o cigarro e não uma senhora que não desgruda dos padres, talvez por não ter mais nada que fazer ou por querer fazer algo mais que um padre mais não pode fazer – mas, vá lá, com jeitinho, até vai. Divago. Mas Habemus Papa deve ter-se ouvido tanta vez naqueles dias nos corredores do Vaticano, e vai-se a ver não, afinal era o bom do D. José e seu maço de Gigante. E penso que todos conseguimos mesmo imaginar o cardeal a convidar outros cardeais para uns bons riscos de sueca ou do chinquilho.
Ilustração Marco Joel Santos
Pois bem, ultimamente são mais as vozes da Igreja que se levantam, ainda que mal disfarçadas, para falar das injustiças que se vão vendo por esse mundo fora, mas particularmente em Portugal, que ouvidos que as queiram escutar, e desses cada um tem um par. Os bispos do Porto, de Bragança, até o reitor do santuário de Fátima, têm vindo a lume com ilustrações daquilo que hoje alguns entendidos que de nada percebem chamam assimetrias da sociedade portuguesa. O cardeal patriarca afirma, na missa de Natal, que é necessário “sair das trevas”. Mas uma coisa é a opinião pessoal de cada um destes homens, inteligentes e muito mais versados na arte de entender a rua portuguesa que qualquer político mal amanhado que tenha acabado um curso manhoso numa universidade obscura em tempo recorde para ser presidente de um partido de fantasmas vivos, alguns presidentes da república, e poderem assim serem primeiros sinistros de uma calamidade chamada Portugal. Outra coisa é a disciplina doutrinária.
Não tenho dúvidas que muitos homens da Igreja sabem, conhecem e compreendem o que de facto se passa na sociedade portuguesa. O que se passa na governação portuguesa. Por tradição, a Igreja Católica é conotada com a direita. Se porque este ramo do regime faz da fé em Deus um dos seus pilares, se porque a esquerda se afirma, de cada vez que sobe ao poder, laica, isso já não sei. Provavelmente uma mescla das duas. Quando era criança, lembro-me perfeitamente, na minha terra o padre fazia abertamente campanha eleitoral pela direita. Mas direitas e esquerdas à parte, porque isto já lá não vai com ideologias, ao invés do que pensa o nosso governo, muitos destes homens parecem ter-se apercebido que, desta vez, a direita traz algo mais que aquilo que, tradicionalmente, defendem. E que o país, de facto, sofre. E sofre em silêncio. E apesar da imensa fé que os move, ou pelo menos assim depreendemos das suas posições, ousam falar, ainda que levemente, contra o rumo que esta coisa toda, está mais que visto, leva.
Curioso é que nunca houve na História um personagem, quer tenha sido real ou apenas uma invenção arquetípica, mais comunista, ou como dizem os entendidos do politicamente correcto, marxista-leninista, que o próprio Jesus Cristo. Isto em termos puramente filosóficos, deixemos o político de parte. Porque quando se fala de ideologias não se fala de políticas. Ideologias são ideais, políticas são reais, já sabemos dessa diferença. Tal como Jesus, que pregava o mais inveterado comunismo, enquanto os seus apóstolos, para espalharem a palavra, ainda que deturpada, do seu mestre, a politizaram. Mas se o próprio Jesus era assim, porque tem a Igreja e seus membros a atitude reservada que têm? Porque não expressam livremente a sua opinião?
Há um livro, a que alguns apropriadamente adjectivaram de manual de maus costumes. Nesse livro, a dada altura, e numa das mais simbólicas epístolas do mais esforçado seguidor de Cristo após a sua morte – de notar que, ao contrário do que se pensa, não era apóstolo – Paulo escreve assim:
Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas por Deus.
Assim, aquele que resiste à autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus; e os que a ela se opõem, atraem sobre si a condenação.
Em verdade, as autoridades inspiram temor, não porém a quem pratica o bem, e sim a quem faz o mal! Queres não ter o que temer a autoridade? Faze o bem e terás o seu louvor.
Porque ela é instrumento de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, porque não é sem razão que leva a espada: é ministro de Deus, para fazer justiça e para exercer a ira contra aquele que pratica o mal.
Portanto, é necessário submeter-se, não somente por temor do castigo, mas também por dever de consciência.
É também por essa razão que pagais os impostos, pois os magistrados são ministros de Deus, quando exercem pontualmente esse ofício.
Pagai a cada um o que lhe compete: o imposto, a quem deveis o imposto; o tributo, a quem deveis o tributo; o temor e o respeito, a quem deveis o temor e o respeito.” - Romanos, 13, 1-7.
Que escrever mais? É óbvio que eu jamais poderia ser católico ou ser cristão. Toda a esperança que tinha de um dia juntar à mesa da sueca o bispo de Bragança, o do Porto, o cardeal patriarca e eu mesmo, jogando uns riscos bem traçados, vituperando contra os desmandos dos governos portugueses, contra os vícios do poder, contra a mentira das campanhas eleitorais e a futilidade do exercício ideológico contra toda a casta de sanguessugas que nos corroem o país até aos ossos, morreu na disciplina doutrinária. Muito gostaria de estar com estes homens, numa mesa imunda com um garrafão de cinco litros por debaixo – o vulgar Joãozinho – puxando dumas cartas e roendo sandes de torresmos, soltando uns sonoros e incontidos caralhos e foda-ses. Mas isso nunca vai acontecer – até Jesus, a determinada altura e depois de ter massacrado os especuladores financeiros do Templo, e assim “saindo das trevas”, não ousou enfrentar César - “Dai a César o que é de César”.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O QUEIJO


Ilustração de Marco Joel Santos
Reza a lenda que, certa vez, um pastor, após longa ausência nos montes, chegou finalmente a casa. Trazia um queijo, um daqueles belos queijos serranos, contando regalar a sua esposa com tão requintado presente. Porque a vida de pastor não era abastada e os queijos que fazia não os comia, antes os vendia no pequeno mercado da vila, aos Sábados. O pastor não tinha filhos, e tinha algum desgosto por tal facto. Ao mesmo tempo, a sua esposa era conhecida em toda a aldeia, meia dúzia de casebres perdidos nas encostas da serra, pela sua enorme teimosia.
O homem, querendo de imediato saborear o queijo trazido de tão longa jornada e feito com o leite das suas cabras e com o suor da sua fronte, pede à esposa uma faca com que o cortar. De imediato a esposa lhe traz uma tesoura. O pastor, olhando para as mãos de sua esposa, diz-lhe que vá buscar uma faca, pois que um queijo não se pode cortar com uma tesoura. Mas a esposa recusa-se, insiste que o queijo se corta com uma tesoura e não com uma faca. A discussão torna-se altercação, sobe de tom até ao confronto físico, e finalmente ao desespero do pastor. Arranca a esposa do chão e leva-a no costado até ao poço da casa, lança-a às águas escuras e vê-a debater-se em desespero. Grita-lhe que a salva, que a tira das águas negras que a envolvem, que a poupa à morte certa, se ela admitir que um queijo se corta com uma faca.
Demasiado tarde, a esposa do pastor já não consegue falar, pois afunda-se nas águas. Agora é o pastor que chora, olhando a desgraça que sobre ela e sobre ele se abate. A sua esposa amada estava já morta, pensava. Mas eis que um braço se ergue das águas, e dele uma mão, e dela dois dedos fazem um movimento de tesoura.
Esta lenda parece-me elucidativa para os tempos que vivemos. Muita gente, em todos os quadrantes desta sociedade europeia, teima em tentar cortar o queijo com uma tesoura, sabendo que a faca é a única solução. Tarde demais. As águas negras já nos cobriram a todos.

domingo, 4 de dezembro de 2011

HOMENAGEM

Morreu um dos meus maiores heróis de infância. Morreu hoje o médico, o futebolista genial, o político novo e o velho democrata revolucionário. Morreu um dos grandes, morreu o Dr. Sócrates.