quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A RENDIÇÃO DE PORTUGAL AO ISLÃO RADICAL




            O novo Califado está em marcha, dizem-nos as notícias vindas do Próximo Oriente. O chamado Estado Islâmico está em expansão na Síria e no Iraque, e as notícias das atrocidades cometidas em nome do Islão são recorrentes. Aliás, não era já necessário que nos chegassem estas notícias, pois já sabíamos que o Islão tem um longo historial daquilo a que chamamos barbárie humana na sua mais pura essência.
            A novidade parece prender-se apenas com a oportunidade, e com a força que o movimento apresenta. Nem sequer é novidade o objectivo do movimento, a restauração do Califado. O que é o Califado? Era um reino teocrático, com sede em Bagdade, presidido por um Califa que, de uma forma mais ou menos clara, era descendente da família próxima de Maomé. Abrangia todo o Próximo Oriente, Norte de África, parte do sudeste da Europa, a Península Ibérica, Pérsia, Afeganistão, Grande parte das ex-repúblicas soviéticas do sul, parte da Índia e mesmo da China. Um império.
            A situação na Península Ibérica foi vantajosa para os povos envolvidos em quase todas as vertentes, pois os avanços em quase todos os domínios que os sarracenos trouxeram fizeram do sucessor do grande Califado na Península, um novo califado conhecido por Al-Andalus, a idade de ouro da Península Ibérica, que só retomou algum do seu brilho com a unificação de Espanha e com os Descobrimentos.
            No entanto, o fundamentalismo islâmico pouco ou nada tem a ver com os tempos áureos do Al-Andalus, a não ser uma vaga pretensão do Estado Islâmico à posse da península. Vaga mas, dizem, real. A conquista da península ibérica por este grupo de energúmenos da pior espécie seria uma catástrofe inimaginável. Mas uma catástrofe que não acontecerá por certo. O profundo desprezo por tudo o que não caiba na Sharia – não necessariamente no Corão, pois são coisas diferentes – é um facto real nas vidas destes fundamentalistas idiotas. Não só nas deles, mas nas de muitos islamitas por esse mundo espalhados. O que mais ressalta é o profundo desprezo pela mulher, o rebaixamento do sexo feminino à condição animal, quando muito.
            Será escusado, no entanto, o Estado Islâmico pensar em invadir a Península Ibérica, ou pelo menos Portugal, para instaurar a Sharia e o rebaixamento das mulheres portuguesas à condição de propriedade masculina. A verdade é que Portugal há muito se rendeu a essa condição. A passividade do país inteiro, incluindo movimentos caritativos ou de promoção dos Direitos Humanos à verdadeira tragédia que se desenrola em torno das mulheres portuguesas, ou uma boa parte delas é sinal de que Portugal há muito se rendeu ao fundamentalismo islâmico. Ou hindu, ou cristão, ou judaico. Qualquer fundamentalismo religioso, na realidade, pois todos eles rejeitam a igualdade das mulheres.
            É impressionante o número de fundamentalistas islâmicos que Portugal já comporta. Todos nos relembramos dos fundamentalistas de S. João da Pesqueira e de Carrazeda de Ansiães, aplaudidos à saída do Tribunal depois de aplicarem a Sharia às mulheres da sua própria família. O número de queixas de mulheres sujeitas a violência doméstica em Portugal é assombroso, e este é um daqueles assuntos de que Troika ou OCDE nenhuma fala. É uma vergonha ser português, ao constatar aquilo que se passa neste particular.
            E as que não apresentam queixas? E aquelas mulheres que se dirigem às autoridades para ouvirem que podem ir para casa “lavar a louça”? Não, não é ficção. É o Estado teocrático em que vivemos, o Estado fundamentalista, uma sociedade podre em que podem cair os tomates a qualquer “chefe de família” se não mandar uns berros à sua “mulher”, e não lhe “acertar o passo” de vez em quando, ou de quando em vez e até todos os dias. Como reportar estes abusos, se as autoridades bebem uns copos com o criminoso no café da aldeia? Sim, é que Portugal não é só Lisboa e Porto…
            E que dizer das mulheres que, miraculosamente, conseguem provar a violência doméstica? Vêem os seus agressores castigados com risíveis multas ou penas suspensas, e ainda por cima perdem os filhos, se os houver, porque o “lar não reúne as melhores condições para a co-habitação de menores”...
            Isto não é a Síria nem é o Iraque, nem o Afeganistão. As nossas mulheres não andam de burka nem de nikab. Mas caem nas escadas muitas vezes. Isto é Portugal, e isto é uma vergonha com que nos devíamos preocupar. Muito, mas muito mais do que com o distante Estado Islâmico… 

PS: Parece que só combinando as palavras Islão e Radical se consegue chamar a atenção das pessoas. Acho que o assunto merece o "engano".

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

BACKLASH

Ilustração Marco Joel Santos
Ouvir, dizem, é uma virtude. Por vezes, acredito. A capacidade de ouvir outra pessoa com certeza não será a pior das virtudes. Mas mesmo assim, por vezes saber ouvir não passa de um exercício de masoquismo. Terá, com certeza, a ver com a pessoa que ouvimos. E também, em larga medida, com a coerência do discurso que ouvimos. Ouvir algumas pessoas falar é decerto penoso, ou porque já nada têm para dizer, ou aquilo que dizem entra em conflito directo com aquilo que lhes ouvimos noutras alturas, mais ou menos recentes. Ou seja, aquilo que os anglo- saxónicos referem como sendo backlashes, ou seja, o retorno daquilo que se faz ou diz.
E não é por demais evidente que a sociedade portuguesa está cheia destes fenómenos? Pois bem, é só escolher. Quando a crise no GES estourou, tanto Cavaco Silva como Passos Coelho como ainda uma figura tão obscura como inútil chamada Carlos Costa asseguraram ao povo português que uma coisa era o GES, outra, bem diferente, era o BES. Podia confiar-se na almofada de não sei quantos milhões de euros não sei de onde. Até certos comentadores do Eixo do Mal acreditavam ser assim, como a Clara e o Pedro. A realidade desmentiu-os a todos. Mais grave é o facto de que as três primeiras figurinhas que citei terem tido conhecimento de tudo já quase há um ano.
O endeusamento de algumas figuras, que não tive grande pejo em classificar, no passado, como medíocres e representativas do estado triste a que esta nação chegou, por parte de boa fatia da nossa excelsa bancada de comentadores económicos e políticos, havia de chegar ao ponto BACKLASH. Zeinal Bava, por exemplo, um dos grandes gestores portugueses, que se revelou, afinal, como o coveiro de uma das maiores empresas portuguesas, laboriosamente construída ao longo de décadas pelo Estado português, a PT, ou o senhor mais que tudo e todos Ricardo Salgado mais os primotes, que destruíram o BES. Não é que as pessoas que os bajulavam e endeusavam agora pretendem sempre os terem detestado, e terem sempre avisado para a sua fraca qualidade?
Soares dos Santos afirmou, alto e bom som, que detesta o investimento chinês em Portugal, que não traz coisíssima nenhuma. Não explicou que coisíssima traz a Portugal pagar os impostos sobre os lucros da sociedade a que preside ao estado holandês. Por outro lado, afirma ainda que Portugal tem de deixar de ser uma aldeia fechada para ser uma economia aberta ao mundo. Não explicou como impedir o investimento chinês numa economia aberta. Diz que não consegue transferir pessoas que tem a trabalhar na Polónia para cá porque o corte na qualidade de vida dessas pessoas seria, por via fiscal, incomportável. Não explicou porque razão não os compensaria para evitar esse corte. Afirma que Portugal precisa de mudar a sua estratégica política, mas não explica porque razão gostaria de ver perpetuados no poder os partidos que gerem os destinos do país há mais de 40 anos.
Passos Coelho afirma - com toda a razão, diga-se - que a Constituição revela exactamente quando se devem realizar eleições legislativas, e que por essa razão, não entende os que clamam por eleições antecipadas (eu também não, confesso. Acho que o povo português ainda merece sofrer um pouco mais, pelas escolhas que fez). Mas Passos Coelho esquece que a sua interpretação da Constituição devia ser escrutinada. É que descobrir que este país tem uma Constituição neste momento é descobrir três anos tarde demais.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

AS CÓPIAS NO PRIVADO

Ilustração Marco Joel Santos



            Vi, na segunda-feira, o debate na RTP sobre a Lei da Cópia Privada. Não que tenha um especial interesse nisso, até porque não compro, por norma, dispositivos electrónicos em território português. Mas antes porque estava a TV ligada no canal 1 e pronto, assim foi. Vi o programa. Uma Lei, seja ela qual for, tem sempre apoiantes e detractores, já desde os tempos de Moisés e dos Dez Mandamentos. Não que compare os tempos pré-mosaicos aos tempos que vivemos hoje. Ou talvez compare. Em todo o caso, ouvi argumentos de ambos os lados e com ambos os lados concordei e de ambos discordei.

            É dúbio que ao comprar uma obra com direitos de autor num CD, por exemplo, não me seja autorizado replicar o mesmo num MP3 só porque o suporte muda. Claro que se emprestar o MP3 a alguém, já não é dúbio. Mas se for para eu ouvir, qual o mal? Certo. Ou será errado? Mas se eu ouço o MP3 e não o CD, para que raio comprei o CD e não a obra no iTunes ou coisa que o valha? Faz-me lembrar os tempos antigos, no tempo das K7, em que as obras musicais eram editadas em dois suportes: o vinil e a K7. Ninguém comprava os dois, ou se comprava o vinil ou se comprava a K7. Também é certo que ninguém andava por aí a ouvir música e a fazer jogging ao mesmo tempo. Acho que agora não lhe chamam jogging, já lhe chamam running mesmo. Se o comprador do vinil queria uma K7, comprava uma K7 virgem e gravava a obra. Para ele e para os amigos todos. Já na altura havia pirataria.

            O que me custou no debate foi ter começado com a sensação de ser contra a Lei e ter acabado com muitas dúvidas. Não porque duvide dos argumentos contra a Lei, que acho válidos. Mas sim porque toda a gente sabe que não é por causa desses argumentos que todos são contra a Lei e a nova taxa. Na verdade, nem toda a gente é contra. Os artistas, pelo menos uma boa maioria, é a favor. Estranho. Adiante, sabemos bem que não é por causa de não sabermos se o dinheiro chega aos artistas, ou porque compramos um disco rígido para guardar fotos que cabem numa pen de há dez anos atrás, ou sequer porque vamos pagar mais 15 euros num telemóvel que custa 1000 euros à partida, que toda a gente é contra esta Lei.

            Toda a gente é contra a Lei porque toda a gente a infringe de todas as formas e feitios. E porque toda a gente compra dispositivos para a infringir, e agora toda a gente vai pagar mais para poder continuar a infringir a Lei. Uma cópia só é privada enquanto não é pública, e se assim não fosse, não haveria sites de partilha de ficheiros nem Youtubes nem streamings. Ou acham que quando ouvem streamings grátis, o dono do site pagou todos os álbuns que lá passam? Bem, para além disso, o secretário de estado da Cultura, para além de o ser (e não Ministro), tem cara de parvo (ia dizer calhau com dois olhos – o que não anda longe da verdade). Mas da aparência do secretário de estado não posso, em rigor, determinar o seu carácter, ao contrário de alguns colegas de Governo. Tem o meu benefício da dúvida.

            Mas o que mais me chocou no debate foi a discrepância na representação. É certo que estava o mesmo número de pessoas falantes de um lado e do outro. Mas do lado do apoio à Lei, estavam os editores, o secretário de estado e… muitos artistas. Até falou o Miguel Ângelo, e isso até seria bem percebido por mim se fosse o italiano, mas não, afinal era o de Cascais. Do outro lado, e por muito que me custe dizer isto, não cheguei a perceber quem falava e em que qualidade falava. Eram bloggers, especialistas em não sei bem o quê… enfim, pessoal. Muito bem-intencionado, com toda a certeza, mas, e perdoe-me quem ali falou, com “pirata” escrito na testa.

             A ausência que notei mais, no entanto, foi na parte dos artistas. Havia músicos, actores dramáticos, actores satíricos, escritores, artistas plásticos… enfim, poderíamos dizer que todos os ramos da arte pirateada (ou copiada “privadamente”) ali estavam representados. Pura mentira. Faltou o ramo da arte que mais é pirateado, “streamado”, copiado, visto e revisto e até outras coisas que não me atrevo a dizer, de toda a world wide web. Os conteúdos que enchem largas dezenas percentuais do espaço disponível em toda a memória virtual em todo o mundo: ONDE ESTAVA O PORNO?

domingo, 24 de agosto de 2014

LIGANDO OS PONTOS


Ilustração Marco Joel Santos
            Nesta data, são tantos os focos de tensão por esse mundo fora que parece que diferentes pontos do planeta estão fora do controlo, numa raiva assassina imparável. Tudo nos leva a crer que um pouco por todo o mundo a raça humana está a perder a pouca sanidade mental que conservava. Puro engano, e só pode acreditar nisso quem ainda é ingénuo o suficiente para não perceber a verdadeira natureza humana. E a verdadeira natureza humana é a ganância. Mas vamos por partes.
            Falemos então dos diversos acontecimentos ao longo dos últimos tempos. Alguém ainda se lembra da Primavera Árabe? Um encadeamento de revoluções em países árabes com as mais diversas consequências. Começou na Tunísia, onde pouco ou nada mudou verdadeiramente, evoluiu para o Egipto, onde o sentimento de arrependimento pelo afastamento de Mubarak se generalizou de tal forma que os membros da Irmandade Muçulmana estão presos ou em fuga. E depois, o verdadeiro cerne da questão, a Líbia.
            A revolução líbia foi provavelmente aquela que foi mais desejada por todo o mundo ocidental. Para os povos ocidentais, Kadhaffi era o estandarte de uma estranha mistura de fundamentalismo islâmico com socialismo à africana. Um mal a extirpar. Para os governos ocidentais, Kadhaffi vinha servindo os interesses de todos, e não devemos esquecer as excelentes relações que este mantinha com a Comissão Europeia e os diversos governos europeus (com o nosso incluído) e até gozava de alguma aquiescência por parte dos americanos. O que mudou então? Já lá vamos. O certo é que a Líbia entrou numa sangrenta guerra civil, que não parou até hoje, pois as facções que derrubaram Kadhaffi enfrentam-se agora de forma feroz, depois de terem tido o apoio logístico e mesmo bélico do ocidente. Curiosamente, o jornalista James Foley foi aprisionado e mais tarde libertado por Kadhaffi. A Líbia está a ferro e fogo.
            Depois rebentou a revolução na Síria. Assad, que sucedeu ao seu pai também Assad começou a ser contestado e daí até à guerra aberta foi um passo. Os insurgentes, com o apoio ocidental, situação análoga à da Líbia, tomaram posse de diversas cidades sírias e ameaçam derrubar o ditador. O apoio ocidental não pode ser directo, por pressão da Rússia, tradicional aliada de Assad. Curiosamente, os EUA afirmam que o jornalista James Foley foi raptado pelas forças de Assad.
            Mais uma revolução que não ficou pela revolução palaciana simplesmente política foi a ucraniana. O poder instalado com o apoio de Moscovo, que representava metade da etnia russa do país, e que rapidamente tinha substituído a teia corrupta da ex-presidente Yulia Timoshenko por uma teia igualmente corrupta comandada por oligarcas ligados a diversos negócios, começou a ser contestada pela parte da Ucrânia que não fala russo, com o apoio do mundo ocidental. Desta vez, foi particularmente interessante ver representantes de Washington e de Bruxelas entre a multidão que se manifestava nas ruas de Kiev. Sobe ao poder uma mescla de pequenos partidos de oposição, com um denominador comum, a extrema-direita. Quem não se lembra da saudação nazi de Arseniy Yatsenyuk quando finalmente assumiu o poder? A Rússia entra na Crimeia por interesse geopolítico, alegando interesse étnico. O que não é inteiramente falso, uma vez que todo o leste ucraniano é de etnia e língua russa. Aliás, e quem sabe um pouco de História sabe, esta parte da actual Ucrânia está no âmago do nascimento da nação russa. Tal como o Kosovo para a Sérvia. Rebenta a guerra que ainda dura. Pelo meio até um avião comercial malaio se disse que foi abatido, e provas de que teriam sido os rebeldes a fazê-lo apareceram em catadupa, ou pelo menos assim foi dito. O que é um facto é que ninguém apresentou qualquer prova disso até agora e se provas há de alguma coisa é de que toda a gente que abriu a boca para acusar os rebeldes do crime já não abre a boca há bastante tempo, o que não deixa de ser interessante.
            Liguemos os pontos, então. Vamos a denominadores comuns a três situações. Às coincidências. Ora, por coincidência, verifica-se que o mundo ocidental, nomeadamente os EUA e a UE estão presentes nas três situações. Por coincidência, todos estes três países têm implicações importantes na produção e fluxo de gás natural da Ásia e da África para a Europa. A Líbia é um grande produtor, a Ucrânia é por onde passam os gasodutos russos que abastecem a Europa Central e a Síria é a principal alternativa para o mesmo intuito para o gás natural proveniente do Golfo e do Afeganistão – curiosamente países ou regiões onde houve recentemente guerras e onde aparentemente guerras ressurgiram.
            Aspectos laterais destas situações que não deixam de ser interessantes. James Foley, que havia sido raptado por Kadhaffi na Líbia e por Assad na Síria, acabou, afinal, por ser raptado na Síria, sim, mas pelos rebeldes, pelo que parece que Assad tinha alguma razão ao negar que tinha sido ele a fazê-lo. Acaba nas mãos do ISIS, Estado Islâmico da Síria e Iraque, e aparentemente executado em directo na internet por um mordomo muito british. A família, entrevistada dois dias depois do aparentemente sucedido, mostrava uma calma impressionante. O próprio Foley mostrava uma calma impressionante no momento da execução, vestido com um sugestivo fato laranja, que é muito comum, como sabemos, em zonas de guerra, particularmente no Médio Oriente. Mais anedótico do que este excelente vídeo são os excelentes vídeos de assassinato em massa perpetrados pelo ISIS, organização que, relembro, foi apoiada pelo mundo ocidental contra Assad…
            Mais um aspecto interessante destas situações são as sanções à Rússia. Aquilo que até agora me fazia sorrir, pois as sanções à Rússia limitavam-se a algumas ténues proibições financeiras contra alguns esbirros de Putin, faz-me agora rir a bandeiras despregadas, com os nossos produtores de pêra rocha, e os produtores de pêssego espanhóis e os agricultores franceses e os criadores de carne britânicos a queimar em praça pública a bandeira da União Europeia. E, imaginem, a Rússia nem sequer ameaçou um embargo energético, que deixaria a Europa Central congelada já este inverno.
            Como dizem os britânicos, “connect the dots”.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

O CLUBE DA LÍNGUA MORTA

Ilustração de Marco Joel Santos

            Em Timor, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa finalmente ratificou a entrada como membro efectivo da Guiné Equatorial. Um país que tem como primeira língua o espanhol, como segunda o francês e terceira o inglês, e agora, como quarta, o português. Talvez seja por isso, por ser um país tão poliglota, tão evidentemente evoluído, tão cosmopolita, que a CPLP o terá admitido no seu seio.
            Havia uma frase, escrita ou proferida por alguém extremamente inteligente e ligeiramente mamado nas drogas duras que consistia no seguinte: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa”. Nunca me identifiquei minimamente com esse tipo de sentimento. A minha Pátria não é a minha língua. A minha Pátria é a minha gente, e podem falar português, galego ou chinês, a minha Pátria é a minha gente. Mas até faz sentido que numa altura em que aparentemente querem extinguir o português para o substituir pelo brasileiro se admita um país na Comunidade no qual ninguém fala português e cujo presidente sabe dizer “sim” e “estou sastisfecho”. É para verem como a nossa Pátria é a nossa língua. Pura fantasia. Adiante.
            Um dos factos que tenho de realçar nesta surreal cimeira de Timor, é que há que dizer mal quando há mal para dizer. Há que dizer bem quando há bem para dizer. Há bem para dizer de uma pessoa que há muito tempo critico com todas as forças: Cavaco Silva. Não de forma elegante, ou sequer polida, tentou mais uma vez impedir a entrada de tão estranho corpo na CPLP como a Guiné Equatorial. Não aplaudiu, não sancionou e não permitiu que Passos Coelho o fizesse. Já o ministro das negociatas com o estrangeiro, o Machete, se provou mais fora de controlo. Bravo Cavaco, pelo menos uma vez na vida! Tal como Guterres, há uns bons valentes anos, que bloqueou a assinatura dos acordos bipartidos entre a então CE e a Indonésia, precisamente por causa do estatuto de Timor. Há gestos que dizem tudo e o Alzheimer parece ter dado uma folga ao nosso chefe de Estado.
            Todos sabemos que a chave da entrada da Guiné Equatorial para a CPLP tem um nome e esse nome é BANIF. Não é preciso dizer mais. Ou seja, se o BES der para o torto, ainda teremos de tratar da entrada de Angola para a União Europeia ou coisa do género. E o que ganha a Guiné Equatorial? Bem, sai do isolamento político e ganha legitimidade como Estado de Direito. E porque precisa disso? Porque é uma ditadura onde o chefe de Estado vive no luxo ostensivo e a população na miséria.
            Isso traz-me ao segundo facto a realçar. Quando alguém proferia uma blasfémia em Israel, nos tempos bíblicos, os sacerdotes do Templo rasgavam as suas vestes em sinal de choque. Quantas vestes vejo rasgadas com esta entrada da GE na CPLP! Um verdadeiro festival de vestes rasgadas, ate já estou farto de ver homens de tronco nu e mulheres em trajes mínimos! O choque é geral. Até porque, imagine-se, a Guiné Equatorial é uma ditadura de 30 anos! Não há nenhum país na CPLP que seja uma ditadura de 30 anos, porra! Que é lá isso, de admitir mostrengos desses? A Guiné Equatorial, imagine-se, é um país que pratica a tortura e a prisão indeterminada sem culpa formada! Coisas que só podemos ver em países subdesenvolvidos, sem valores morais e sem um pingo de decência ou respeito pelos direitos humanos, tipo Guantánamo! Pior ainda, a Guiné Equatorial é um país com pena de morte! Com pena de morte! Vamos ter relações com um país com a pena de morte? É um escândalo! Um verdadeiro choque! Afinal, onde é que há países onde seja admitida a pena de morte? Mas isto agora é a EDP ou quê?
            A minha língua não é a minha Pátria. A minha Pátria é a minha gente. Mas há muita dessa gente que precisa de uma lobotomia. Um reset. Começar do zero, disco formatado sem bugs. Porque pensar parece que está fora de moda. Uma coisa está errada por muitos motivos, é certo. Esta é uma delas. Mas… olhem em volta, pelo amor a Rá!


terça-feira, 15 de julho de 2014

A FAIXA DO DIABO

Ilustração Marco Joel Santos

            O IDF ataca de novo a Faixa de Gaza. De novo, não é facto insólito. As posições que vejo por aí espelhadas em textos e manifestos e comentários são extremadas. Nada de novo igualmente. No terreno, morrem palestinianos – o que, forçosamente, não é nada de novo. Porquê então tanta ênfase na situação? Bem, até nisto se extremam posições. Muitos acusam os que choram pela net a morte dos palestinianos de quererem desviar atenções do verdadeiro estado calamitoso em que se encontra uma certa esquerda portuguesa. O que, para variar, não é nada de novo – nem mentira nenhuma dizer que assim se encontra.
            Há muita gente que se recusa a pensar um pouco sobre o assunto, muita gente atira pedras a um lado e ao outro, outros tantos ainda preferem simplesmente ignorar o que se passa com os “monhés” ou com os “terroristas”. E, no entanto, na Faixa de Gaza, morre-se de novo.
            Devo dizer que, apesar de conhecer razoavelmente a região que se agora se designa como Médio Oriente, nunca estive na Faixa de Gaza. Não posso falar com propriedade de entendido do que se passa naquele território específico. Conheço gente de ambos os lados da barricada, mais árabes que judeus. Conheço os países em volta da Palestina, e já a vi, ainda que apenas do outro lado do Mar Morto ou do alto do “Mosteiro” de Petra. Mas senti a Palestina profundamente. E quem não sente, quando a vê? A Palestina no seu todo, árabes e judeus.
            Muitos se apressam a condenar Israel, esquecendo-se de condenar o Hamas. Outros apressam-se a condenar apenas o Hamas, esquecendo o Estado de Israel. E, no entanto, aqui chegados, são poucos os que já sentiram a Palestina. São poucos os que entendem o que realmente se passa naquela terra. Mais que os motivos, são pouco conhecidos, ou simplesmente ignorados, os sentimentos dentro daquela terra.
            Costuma-se dizer que o amor é um sentimento difícil de explicar. E que o ódio é bem mais fácil de explicar que o amor. Talvez seja por isso que se teima em olhar para um problema gerado por motivos antigos que quase já se encontram esquecidos, mas alimentado pelo ódio recíproco, como um problema unicamente de sofrimento de um lado ou do outro. A situação é bem mais complicada. E ambas as partes participam no festival de ódio que alimenta esta guerra. E quanto mais depressa percebermos isso, como um todo, mais depressa poderemos vislumbrar uma solução. E só depois poderemos tratar dos poderosos interesses económicos e financeiros por detrás dela. Os motivos, afinal. Os tais que até já quase estão esquecidos. Na Palestina. Por cá não.
            No tempo do Antigo Egipto, os palestinianos, designados genericamente pelos egípcios como “asiáticos” e mais tarde pelos hebreus como “Filisteus”, habitavam uma terra chamada Levante, ou Canaan, onde a principal divindade venerada se chamava Ba’al. O mesmo Baal da Bíblia, que acabou por ser conotado com Satanás, o Diabo. Gaza é mesmo a Faixa do Diabo. E hoje continua a ser igual, com uns a rezarem a Javé e outros, aparentemente, ao Diabo. Uns pensando que estão certos e que os outros estão errados. E nunca se deram conta que estão todos errados.


quinta-feira, 8 de maio de 2014

DA IGREJA CONTEMPORÂNEA

Ilustração Marco Joel Santos

            É verdade que já muito escrevi sobre a Igreja neste blog e que isso já muitas discussões me trouxe e até alguns aborrecimentos com pessoas que outrora por aqui cirandavam – e das quais, diga-se, não sinto rigorosamente falta alguma, o que só por si diz muito da estúpida preocupação que na altura as discussões me traziam. Entretanto, aprofundei os meus estudos sobre as religiões, o que é sempre interessante para uma pessoa que se assume como não religiosa. No caso de algumas religiões, o estudo aplacou-me o espírito, noutros só confirmou aquilo que já pensava.
            Não vou falar das vergonhas históricas da Igreja Católica, elas são muitas e conhecidas por demais. E deve dizer-se que não é a única religião com vergonhas dessas. Mas a Igreja contemporânea, por certo, e ainda que o seu poder seja bastante mais limitado no aspecto secular, não deixa de ter uma história fascinante. Hoje, curiosamente, li três artigos sobre a Igreja que me puseram a cogitar sobre essa história mais recente.
            Segundo a Wikileaks, o golpe fascista de Pinochet foi expressamente apoiado pelo Vaticano, decorria o ano de 1973, e era o vigário de cristo um tal de Paulo VI. A conivência do Vaticano com sectores “tradicionais” da política internacional nunca foi uma política colocada em causa por ninguém, e para isso basta relembrar que este mesmo Paulo VI tinha excelentes relações com regimes fascistas, como era o caso do bem próximo Brasil. A ingerência da Igreja na América latina foi flagrante também depois, ao longo do resto do séc. XX, como bem o demonstram os financiamentos a movimentos de guerrilha e a governos autoritários fascistas, como nos casos da Nicarágua ou da Argentina e, confirma-se agora, do Chile. Nada de novo? Não, nada de novo. O problema é que Paulo VI já é beato e João Paulo II já é santo.
            Outro artigo que li ainda hoje dava conta da enorme mudança, pelo menos mediática, na Igreja Católica, mercê da mudança de Papas, com a resignação de Bento XVI e a sua sucessão pelo carismático e reformador Francisco. Coisa que parece não estar a cair muito bem em alguns sectores do vaticano nem em muitos sectores “tradicionalistas” da política mundial, permitindo-se o artigo à comparação da sucessão de Bento XVI por Francisco da “noite para o dia”. Ora, se Francisco é tão bom como dizem, e se é o dia a raiar no Vaticano, então Bento XVI representava as trevas na Igreja. Como eu sempre afirmei. Parece que agora já ninguém se lembra do quanto defendiam Bento XVI, perante a presença luminosa de Francisco. Pois é, mas eu lembro-me.
            Por último, um outro artigo, não menos interessante, que dá conta de que o trabalho extraordinário feito por Bento XVI no âmbito da erradicação da pedofilia na Igreja deu os seus frutos. A Igreja já afastou 848 padres da sua família eclesiástica por práticas pedófilas. Aparentemente, temos de dar os parabéns à Igreja por este feito. Eu afino por outro diapasão. Temos de condenar a Igreja, e veementemente, por este facto. Se 848 padres foram afastados pela prática de pedofilia, e se nenhum ou pouquíssimos estão a ser julgados ou na cadeia por esse hediondo crime, o que se devia exigir à Igreja, e agora e não daqui a 20 anos, são as provas dos crimes desses padres, para que possam sofrer as consequências dos seus actos perante a justiça civil e não apenas canónica. Um monstro é um monstro, quer seja padre ou não. E merece cadeia, não apenas ser afastado da Igreja.