quarta-feira, 23 de julho de 2014

O CLUBE DA LÍNGUA MORTA

Ilustração de Marco Joel Santos

            Em Timor, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa finalmente ratificou a entrada como membro efectivo da Guiné Equatorial. Um país que tem como primeira língua o espanhol, como segunda o francês e terceira o inglês, e agora, como quarta, o português. Talvez seja por isso, por ser um país tão poliglota, tão evidentemente evoluído, tão cosmopolita, que a CPLP o terá admitido no seu seio.
            Havia uma frase, escrita ou proferida por alguém extremamente inteligente e ligeiramente mamado nas drogas duras que consistia no seguinte: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa”. Nunca me identifiquei minimamente com esse tipo de sentimento. A minha Pátria não é a minha língua. A minha Pátria é a minha gente, e podem falar português, galego ou chinês, a minha Pátria é a minha gente. Mas até faz sentido que numa altura em que aparentemente querem extinguir o português para o substituir pelo brasileiro se admita um país na Comunidade no qual ninguém fala português e cujo presidente sabe dizer “sim” e “estou sastisfecho”. É para verem como a nossa Pátria é a nossa língua. Pura fantasia. Adiante.
            Um dos factos que tenho de realçar nesta surreal cimeira de Timor, é que há que dizer mal quando há mal para dizer. Há que dizer bem quando há bem para dizer. Há bem para dizer de uma pessoa que há muito tempo critico com todas as forças: Cavaco Silva. Não de forma elegante, ou sequer polida, tentou mais uma vez impedir a entrada de tão estranho corpo na CPLP como a Guiné Equatorial. Não aplaudiu, não sancionou e não permitiu que Passos Coelho o fizesse. Já o ministro das negociatas com o estrangeiro, o Machete, se provou mais fora de controlo. Bravo Cavaco, pelo menos uma vez na vida! Tal como Guterres, há uns bons valentes anos, que bloqueou a assinatura dos acordos bipartidos entre a então CE e a Indonésia, precisamente por causa do estatuto de Timor. Há gestos que dizem tudo e o Alzheimer parece ter dado uma folga ao nosso chefe de Estado.
            Todos sabemos que a chave da entrada da Guiné Equatorial para a CPLP tem um nome e esse nome é BANIF. Não é preciso dizer mais. Ou seja, se o BES der para o torto, ainda teremos de tratar da entrada de Angola para a União Europeia ou coisa do género. E o que ganha a Guiné Equatorial? Bem, sai do isolamento político e ganha legitimidade como Estado de Direito. E porque precisa disso? Porque é uma ditadura onde o chefe de Estado vive no luxo ostensivo e a população na miséria.
            Isso traz-me ao segundo facto a realçar. Quando alguém proferia uma blasfémia em Israel, nos tempos bíblicos, os sacerdotes do Templo rasgavam as suas vestes em sinal de choque. Quantas vestes vejo rasgadas com esta entrada da GE na CPLP! Um verdadeiro festival de vestes rasgadas, ate já estou farto de ver homens de tronco nu e mulheres em trajes mínimos! O choque é geral. Até porque, imagine-se, a Guiné Equatorial é uma ditadura de 30 anos! Não há nenhum país na CPLP que seja uma ditadura de 30 anos, porra! Que é lá isso, de admitir mostrengos desses? A Guiné Equatorial, imagine-se, é um país que pratica a tortura e a prisão indeterminada sem culpa formada! Coisas que só podemos ver em países subdesenvolvidos, sem valores morais e sem um pingo de decência ou respeito pelos direitos humanos, tipo Guantánamo! Pior ainda, a Guiné Equatorial é um país com pena de morte! Com pena de morte! Vamos ter relações com um país com a pena de morte? É um escândalo! Um verdadeiro choque! Afinal, onde é que há países onde seja admitida a pena de morte? Mas isto agora é a EDP ou quê?
            A minha língua não é a minha Pátria. A minha Pátria é a minha gente. Mas há muita dessa gente que precisa de uma lobotomia. Um reset. Começar do zero, disco formatado sem bugs. Porque pensar parece que está fora de moda. Uma coisa está errada por muitos motivos, é certo. Esta é uma delas. Mas… olhem em volta, pelo amor a Rá!


terça-feira, 15 de julho de 2014

A FAIXA DO DIABO

Ilustração Marco Joel Santos

            O IDF ataca de novo a Faixa de Gaza. De novo, não é facto insólito. As posições que vejo por aí espelhadas em textos e manifestos e comentários são extremadas. Nada de novo igualmente. No terreno, morrem palestinianos – o que, forçosamente, não é nada de novo. Porquê então tanta ênfase na situação? Bem, até nisto se extremam posições. Muitos acusam os que choram pela net a morte dos palestinianos de quererem desviar atenções do verdadeiro estado calamitoso em que se encontra uma certa esquerda portuguesa. O que, para variar, não é nada de novo – nem mentira nenhuma dizer que assim se encontra.
            Há muita gente que se recusa a pensar um pouco sobre o assunto, muita gente atira pedras a um lado e ao outro, outros tantos ainda preferem simplesmente ignorar o que se passa com os “monhés” ou com os “terroristas”. E, no entanto, na Faixa de Gaza, morre-se de novo.
            Devo dizer que, apesar de conhecer razoavelmente a região que se agora se designa como Médio Oriente, nunca estive na Faixa de Gaza. Não posso falar com propriedade de entendido do que se passa naquele território específico. Conheço gente de ambos os lados da barricada, mais árabes que judeus. Conheço os países em volta da Palestina, e já a vi, ainda que apenas do outro lado do Mar Morto ou do alto do “Mosteiro” de Petra. Mas senti a Palestina profundamente. E quem não sente, quando a vê? A Palestina no seu todo, árabes e judeus.
            Muitos se apressam a condenar Israel, esquecendo-se de condenar o Hamas. Outros apressam-se a condenar apenas o Hamas, esquecendo o Estado de Israel. E, no entanto, aqui chegados, são poucos os que já sentiram a Palestina. São poucos os que entendem o que realmente se passa naquela terra. Mais que os motivos, são pouco conhecidos, ou simplesmente ignorados, os sentimentos dentro daquela terra.
            Costuma-se dizer que o amor é um sentimento difícil de explicar. E que o ódio é bem mais fácil de explicar que o amor. Talvez seja por isso que se teima em olhar para um problema gerado por motivos antigos que quase já se encontram esquecidos, mas alimentado pelo ódio recíproco, como um problema unicamente de sofrimento de um lado ou do outro. A situação é bem mais complicada. E ambas as partes participam no festival de ódio que alimenta esta guerra. E quanto mais depressa percebermos isso, como um todo, mais depressa poderemos vislumbrar uma solução. E só depois poderemos tratar dos poderosos interesses económicos e financeiros por detrás dela. Os motivos, afinal. Os tais que até já quase estão esquecidos. Na Palestina. Por cá não.
            No tempo do Antigo Egipto, os palestinianos, designados genericamente pelos egípcios como “asiáticos” e mais tarde pelos hebreus como “Filisteus”, habitavam uma terra chamada Levante, ou Canaan, onde a principal divindade venerada se chamava Ba’al. O mesmo Baal da Bíblia, que acabou por ser conotado com Satanás, o Diabo. Gaza é mesmo a Faixa do Diabo. E hoje continua a ser igual, com uns a rezarem a Javé e outros, aparentemente, ao Diabo. Uns pensando que estão certos e que os outros estão errados. E nunca se deram conta que estão todos errados.