quinta-feira, 8 de maio de 2014

DA IGREJA CONTEMPORÂNEA

Ilustração Marco Joel Santos

            É verdade que já muito escrevi sobre a Igreja neste blog e que isso já muitas discussões me trouxe e até alguns aborrecimentos com pessoas que outrora por aqui cirandavam – e das quais, diga-se, não sinto rigorosamente falta alguma, o que só por si diz muito da estúpida preocupação que na altura as discussões me traziam. Entretanto, aprofundei os meus estudos sobre as religiões, o que é sempre interessante para uma pessoa que se assume como não religiosa. No caso de algumas religiões, o estudo aplacou-me o espírito, noutros só confirmou aquilo que já pensava.
            Não vou falar das vergonhas históricas da Igreja Católica, elas são muitas e conhecidas por demais. E deve dizer-se que não é a única religião com vergonhas dessas. Mas a Igreja contemporânea, por certo, e ainda que o seu poder seja bastante mais limitado no aspecto secular, não deixa de ter uma história fascinante. Hoje, curiosamente, li três artigos sobre a Igreja que me puseram a cogitar sobre essa história mais recente.
            Segundo a Wikileaks, o golpe fascista de Pinochet foi expressamente apoiado pelo Vaticano, decorria o ano de 1973, e era o vigário de cristo um tal de Paulo VI. A conivência do Vaticano com sectores “tradicionais” da política internacional nunca foi uma política colocada em causa por ninguém, e para isso basta relembrar que este mesmo Paulo VI tinha excelentes relações com regimes fascistas, como era o caso do bem próximo Brasil. A ingerência da Igreja na América latina foi flagrante também depois, ao longo do resto do séc. XX, como bem o demonstram os financiamentos a movimentos de guerrilha e a governos autoritários fascistas, como nos casos da Nicarágua ou da Argentina e, confirma-se agora, do Chile. Nada de novo? Não, nada de novo. O problema é que Paulo VI já é beato e João Paulo II já é santo.
            Outro artigo que li ainda hoje dava conta da enorme mudança, pelo menos mediática, na Igreja Católica, mercê da mudança de Papas, com a resignação de Bento XVI e a sua sucessão pelo carismático e reformador Francisco. Coisa que parece não estar a cair muito bem em alguns sectores do vaticano nem em muitos sectores “tradicionalistas” da política mundial, permitindo-se o artigo à comparação da sucessão de Bento XVI por Francisco da “noite para o dia”. Ora, se Francisco é tão bom como dizem, e se é o dia a raiar no Vaticano, então Bento XVI representava as trevas na Igreja. Como eu sempre afirmei. Parece que agora já ninguém se lembra do quanto defendiam Bento XVI, perante a presença luminosa de Francisco. Pois é, mas eu lembro-me.
            Por último, um outro artigo, não menos interessante, que dá conta de que o trabalho extraordinário feito por Bento XVI no âmbito da erradicação da pedofilia na Igreja deu os seus frutos. A Igreja já afastou 848 padres da sua família eclesiástica por práticas pedófilas. Aparentemente, temos de dar os parabéns à Igreja por este feito. Eu afino por outro diapasão. Temos de condenar a Igreja, e veementemente, por este facto. Se 848 padres foram afastados pela prática de pedofilia, e se nenhum ou pouquíssimos estão a ser julgados ou na cadeia por esse hediondo crime, o que se devia exigir à Igreja, e agora e não daqui a 20 anos, são as provas dos crimes desses padres, para que possam sofrer as consequências dos seus actos perante a justiça civil e não apenas canónica. Um monstro é um monstro, quer seja padre ou não. E merece cadeia, não apenas ser afastado da Igreja.


quarta-feira, 7 de maio de 2014

QUAL EUROPA?

Ilustração Marco Joel Santos

            Saída da II Guerra Mundial, a Europa sonhou erguer-se em uníssono, e esse sonho foi materializado no que deu origem ao que hoje temos, a União Europeia. Um espaço de democracia, de progresso, de liberdade. O sonho morreu. Não existe mais quem sonhe com semelhante espaço. A Europa tornou-se um emaranhado de burocracias enfadonhas, um aglomerado de instituições impotentes e ridículas, um espaço de muitos deveres e muito poucos direitos. Apenas o direito do capital permanece intocado, tudo o resto são regras e definições, leis e deveres.
            O facto de as leis eleitorais portuguesas não permitirem que se faça campanha eleitoral no dia e nas 24 horas antecedentes a eleições não diz nada aos senhores da Europa. Certo é que o FMI, e particularmente a senhora à la Lagardére, não tem preocupações políticas ou democratas, até porque desconhece por completo ambos os conceitos. Mas tanto o Presidente da Comissão Europeia como o Governador do Banco central Europeu deviam ter um pouco mais de atenção à gravíssima ingerência que vão cometer no dia das eleições europeias, ao atenderem uma cerimónia / conferência em Portugal. De muito mau gosto, e embora já estejamos habituados a coisas deste género - e às vezes piores - da parte do imprestável cherne, o hábito não desculpa o indesculpável.
            Mas das ingerências europeias havia ainda muito mais para dizer. O exemplo mais despudorado e completamente fora de tudo o que é politicamente aceitável foi a actuação europeia na crise ucraniana. Acusar a Rússia de ingerência na Ucrânia, quando são dirigentes europeus que aparecem nas manifestações pró-fascistas que levaram os nazis ao governo daquele país, como a tal senhora Ashton e um tal de Van Roto, ou Rompido ou o catano, alegremente se manifestando no meio da praça em Kiev como se estivessem num concerto rock, é no mínimo uma originalidade política.
            Este problema ucraniano mostra-nos até que ponto a nossa liberdade para pensar está condicionada no espaço europeu. Uma crise que começou por culpa da Europa, e da sua ganância e necessidade do gás russo que passa pela Ucrânia para os lares alemães foi de repente transformada unanimemente pela imprensa europeia numa investida russa para começar a terceira guerra mundial. A Europa está manietada pela Alemanha, sabemos disso. E a Alemanha é um país profundamente marcado pela sua história recente – até porque não tem outra para contar. Outros mais directos diriam que são um país de ressabiados. Não vou tão longe. No decorrer da II Guerra Mundial, foi na Rússia, ali até perto da Ucrânia, que a Alemanha hitleriana perdeu irremediavelmente. Vencida pela impensável política de carne para canhão de Estaline, mas sobretudo pelo seu maior general, o Gen. Inverno. Não deixa de ser engraçado que será pelo gás que mais uma crise começa, precisamente para evitar o mesmo Gen. Inverno.
            Putin e a sua pseudo-democracia, tal como o seu braço ucraniano que era o governo anterior da Ucrânia não me deixam confortável, de todo, para lamentar a queda desse governo. O que me deixa angustiado é a ascensão dos nazis ao governo ucraniano – e com apoio da Alemanha Europa. Mais ainda me sinto incrédulo quando tanto a Europa como os EUA instam a Rússia a não interferir na condução dos assuntos políticos ucranianos, quando despudoradamente se sentam à mesma mesa dos nazis e com eles assinam acordos. Ora, quais os interesses russos na Ucrânia? A passagem do gás, evidentemente. Mas também 50% da população, que é russa, quer étnica quer politicamente. Quais os interesses europeus na Ucrânia? População não é nenhuma, pois mesmo os chamados pró-ocidentais são eslavos. Económicos? Sim, Muitos. O gás, sem dúvida, mas principalmente, e é uma pena que ninguém saiba ver isto, a mão-de-obra barata às portas da Europa Central. Quem pagará tudo isto? Isso mesmo, os “periféricos”. E nós somos uma cambada de ursos. Mas não russos, pois se o fôssemos há muito que outros galos cantariam na Europa – para o bem ou para o mal. Mas nazis não seriam, como são agora. Como serão no dia das eleições europeias, algures em Portugal.


segunda-feira, 5 de maio de 2014

TROIKA, ATÉ JÁ

Texto para a ilustração de Marco Joel Santos com o mesmo nome original.

            Portugal, 2014. O fim do pesadelo, a refundação do país sobre os escombros. Um raio de sol que espreita por entre as sombrias nuvens de tempestade deixa adivinhar a bonança. Uma terra de lendas levanta os olhos para o futuro, ciente dos esforços a que foi obrigada. Uma réstia de esperança, um amanhã melhor, um reflorescer de primavera tardia que de tanto tardar tanto desesperou.
            Emergem pois, os salvadores da pátria. Os que acolheram os vampiros em sua casa, os que antes se diziam seus aliados, abrem agora garrafas de espumante com a sua ida. Pois que se os vampiros se aprestaram em beber o sangue dos desafortunados habitantes da outrora excelsa terra, os que os acolheram depressa se prontificaram a roer-lhes os ossos.
            Os ossos estão roídos, o sangue já lá vai. Os vampiros terminaram a sua missão nesta terra. É hora daqueles que os acolheram lhes voltarem as costas, de os apressarem na saída, não vão os vampiros encontrar uma qualquer jugular virgem de esmalte dentário. Os habitantes da terra rejubilam, exultam, erguem os seus esqueletos ensanguentados e esperam pela bonança. Pelos tempos venturosos que se aproximam, sob o jugo daqueles que um dia trouxeram os vampiros à terra.
            “Não morreram, pois não? Quer dizer, pelo menos a maioria não morreu, pois não?” – Perguntaram, alto e bom som. E o povo rejubilou, e aclamou e afirmou que ainda estava vivo e esperançoso.
            “Ainda estão vivos, ou não?”. E o povo aclamava.
            “Não vos roemos os ossos até ao tutano, pois não?”. E o povo exultava.
            “Mas ainda a noite é uma criança, e esse tutano tem tão bom aspecto. E os vampiros não voltarão a beber-vos o sangue, a menos que vos roamos os ossos até ao tutano…!”