terça-feira, 15 de maio de 2012

A fé que não nos salva


Todos os caminhos foram dar a Fátima no dia 13 de Maio. Milhares de pessoas deslocaram-se ao santuário, muitas andaram centenas de quilómetros a pé, algumas (acima de cem) foram vítima de acidentes, outras gastaram poupanças em transportes e estadas, todas na esperança do milagre ou em agradecimento do que acreditaram ser um.
Muitos afirmaram rezar pelos seus e pela sociedade… Outros, ainda, disseram fazê-lo pelo fim da crise.
Foram queimadas mais de trinta toneladas de cera em velas de preço elevado mas que, depois de ficarem em estado líquido, vão ser reaproveitadas para fazer novas velas que, por sua vez, serão revendidas em nome da fé e da Virgem Maria, numa aproximação ao milagre da multiplicação dos pães, já que desse negócio come a Igreja.
O povo deste país continua manso. Manso e crente. Tal como no passado, em que o jugo da Igreja se juntava aprazivelmente ao do Estado, a peregrinação do 13 de Maio mostrou que Portugal se fia na Virgem e não corre… prefere estabelecer um recorde de voltas de joelhos à Capelinha das Aparições.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A MEDIDA DA FELICIDADE


Ilustração Marco Joel Santos


Tenho a felicidade ou infelicidade, dependendo do ponto de vista de cada um, de ter uma actividade profissional que requer frequentes viagens até diversos pontos do país, desde a Guarda até Melgaço. É sempre difícil estar longe da família dois ou três dias por semana, passar noites fora, por esses hotéis fora. Mas tem as suas vantagens. Escolher restaurantes, comer bem por aí, conhecer as paisagens extasiantes de Portugal. E conhecer as suas gentes. E esta era a melhor parte, não vai há muito tempo.
Mas a verdade é que isso já não me dá muito prazer actualmente. Particularmente em terras do nosso interior, belíssimo, como a região transmontana ou beirã, conhecer as gentes já não dá o prazer que costumava dar. Onde antes encontrava uma alegria muito própria, encontro hoje uma tristeza latente. Onde havia actividade, há letargia. Onde havia orgulho, encontro vergonha. Há concelhos, por onde passo, que o desemprego atinge já números assustadores, perto dos 30%. Há uma miséria muito envergonhada por esse país fora.
Evidentemente, estas regiões têm, ainda assim, uma vantagem, no meio de tanto infortúnio, relativamente às grandes cidades. Têm a agricultura. Não aquela que faz mexer o país, a actividade económica, a que dá emprego. Essa está mais parada que nunca e muitos não sabem se algum dia voltarão a fazê-la. Falo da agricultura da paralisia do país, a de subsistência. Aquela que provê um pouco de quem dela trata, mas que não traz nada ao país em termos económicos. E é uma vantagem porquê? Porque se este flagelo se abater sobre as grandes cidades, será a catástrofe.
Vem isto a propósito da notícia que dá conta de que o PSD pretende que o Banco de Portugal – essa extraordinária instituição que representou até não há muito tempo o cúmulo da competência e da constância socialista – venha a medir a felicidade dos portugueses, em contraponto a indicadores como o PIB. Seria um FIB – Felicidade Interna Bruta. Não, não é brincadeira. Vem na edição digital do semanário Económico. Aliás, não é sequer passível de brincadeira. Há, de facto, países que medem coisas parecidas com a felicidade dos seus cidadãos, dentro dos limites técnicos que uma questão tão subjectiva proporciona.
Eu compreendo a necessidade destas medições para o PSD. Aliás, provar que a população portuguesa é feliz devia ser um dos objectivos de qualquer governo deste país. O problema é que os escoceses, por exemplo, também sempre pretenderam tirar medidas ao monstro do Loch Ness. Mas a verdade é que nunca conseguiram. Por uma razão muito simples: o monstro não existe. Ora, neste momento, ordenar ao Banco de Portugal para avaliar a felicidade dos portugueses é tarefa hercúlea para não dizer impossível. Medir aquilo que não existe é difícil. Claro que se pode alegar que se pode medir até que ponto não existe, ou simplesmente se existe muito pouco. Sim, provavelmente se fizerem os inquéritos às seis da manhã à porta das casas de meninas do Pinto da Costa, talvez encontrem pessoas felizes. Mas fiquem-se pelos homens, deixem passar as meninas. Ou olhando para a carteira, é melhor entrevistar as meninas e deixar os homens.
Por outro lado, no circo já se conseguem amestrar elefantes. Mas preguiças é outra história. Podem até amestrar-se, mas darem sinais disso é outra história. Logo assim, contactar o Banco de Portugal para fazer uma coisa destas… Será que os senhores lá do sítio sabem fazer isto? Será que querem fazer isto? Será que existem, como o monstro do Loch Ness…? Mas, mesmo na eventualidade remota de o Banco de Portugal querer fazer isto, não há ninguém mais capaz para o fazer? Sei lá, o INE, ou a empresa que mede as sondagens da RTP? Alguém que perceba um pouco do assunto. Podia até ser o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Matraquilhos.
Eu penso cá para mim que há coisas que são mais facilmente mensuráveis por entidades mais credíveis que o Banco de Portugal… podemos eventualmente procurar outros indicadores relativos à felicidade em Portugal. Como, por exemplo, número de famílias cujos filhos trabalham em quintas de outrem por comida. Só comida, tabaco já é 13ºmês. É que existem… Ou então, que tal o número de tractores parados por esse país fora, porque os seus donos acham que não compensa dar produtos às cadeias de distribuição assim só por generosidade, como esmola? Ou ainda o número de transportadores que já fecharam as suas portas por não terem dinheiro para pagar combustíveis?
Bem, eu penso que a melhor hipótese para um indicador engraçado para o Banco de Portugal medir, mas também pode ser o Paco Bandeira, seria o seguinte: Número de portugueses que gostariam de acertar o passo com um barrote aos membros do governo, e que não tendo dinheiro para uma viagem organizada a Paris para acertar o passo com um barrote a membros de outros governos de Portugal, quisessem mesmo assim acertar o passo com um barrote aos membros do governo que estivesse mais a jeito, ou seja, os membros do governo a quem eventualmente já tivessem acertado o passo com um barrote. Não esquecer de informar que acertar o passo ao ocupante de Belém com um barrote não conduz a qualquer tipo de resultado, pois o homem amanhã já não se lembra de nada. O que não quer dizer que se lhe não acertasse o passo com um barrote na mesma. Só para aumentar a felicidade.

terça-feira, 8 de maio de 2012

CONFUSÃO


Ilustração Marco Joel Santos


Ninguém me convence que por estes lados não grassa a maior das confusões. É que ninguém tente sequer. Isto por estes lados vai uma daquelas salgalhadas que nem um prato chow tautau mau mau Maria num restaurante chinês daqueles que arrebanha cães e gatos, em que nunca sabemos se o que estamos a comer é carne, peixe ou chinês morto. Ou os ditos cães e gatos, se bem que estou convencido que a esses só os utilizam para fazer molhos… Ninguém se entende. Está um caos, o chamado Ocidente. Ou seja, a Europa. Sim, porque os Estados Unidos são Far West.
A vitória de um francês nas eleições presidenciais francesas espantou meio mundo. O que não devia acontecer, porque era mais que sabido que Sarkozy não ganharia, e esse era o único húngaro a concorrer ao cargo. Mais ainda, como é que os franceses conseguem votar num socialista, passados 17 anos de Miterrand? Os deuses podem estar lúcidos – ou mortos, pelos sinais que não vão dando – mas os franceses estão loucos! Diria Obélix, na sua sapiência simplória, lá com o calhau às costas: “Ils sont foux, ces gauloises!”. Também não sei se é assim que se escreve, que o meu latim gay está meio enferrujado.
O facto de um socialista ter ganho as eleições na França – aquilo do outro ser húngaro era só brincadeira, embora seja verdade – foi um valente pontapé nos tomates de muita gente. Principalmente os amantes da austeridade que por este triste país pululam. Austeridade para os outros, entenda-se. Porque quando a começam a sentir, raramente gostam. Pois agora o homem, o tal de Holanda (mas dizem que é francês e não vai a Amesterdão fumar brocas – fuma-as em Paris mesmo) promete acabar com a austeridade e tal. Ora por mim, tudo bem, força nisso e boa sorte e o catano. Como é que ele vai fazer isso? Bem, não se sabe muito bem. Mas eu até lhe poderia dar umas ideias. Para já, acabava com a situação que me parece ser usual na Europa: o de se viver acima das possibilidades. Sim, é verdade, há meia dúzia de palhaços que afundam a economia toda e ficam com o meu guito todo – logo, vivem acima das possibilidades, nomeadamente das minhas. E parece que cortar as unhas a quem vive acima das minhas possibilidades é uma das possibilidades que o gajo com nome de país onde crescem tulipas a dar com um pau põe para acabar com os programas de austeridade. Porque convenhamos, BPNs, Berardos, PPPs, EDPs… todos eles vivem acima das minhas possibilidades – claramente. Dá-me impressão que se não tivesse de pagar a essa gente toda, a minha austeridade poderia ser… menor, vá…
Benzem-se os acólitos, rasgam as suas vestes os padres da austeridade. De notar que os padres dantes rasgavam as suas vestes perante as iniquidades do mundo, mas estavam entre aquela parte da população que, digamos, não morriam de fome. Hoje é igual. Aqueles que já convenceram quase todos os outros que passar fome é necessário não a passam. Se passassem não opinavam na TV. Andavam a catar caixotes do lixo. O medo reside aí: e se há outro caminho e as pessoas comuns sabem disso? Catano, que grande estrago…
Agora, engraçado, mas engraçado mesmo, é que toda a gente está de olhos postos no gajo das tulipas. Ou das brocas, tanto dá. Até a Angela está de olho nele. E vai daí, talvez não. Provavelmente está a planear a melhor maneira de se vingar dos franceses, esses grandessíssimos ingratos que não votaram no seu animal de estimação, como lhes tinha ordenado várias vezes, desde Berlim. O nosso PSD também já está de olho nele, pelos vistos. Parece que agora, ao contrário deste último ano, em que apenas era necessário controlar a despesa, essa maluca que derrapou mais uma vez, mesmo com as ordens da Angela, desde Berlim, são necessárias medidas de crescimento e em prol do emprego! Notável. Como uma noite de domingo mal dormida pode mudar a nossa forma de ver o mundo… Mas, como eu dizia, engraçado, mas engraçado mesmo, é que toda a gente fala da França. Mas quem tem a Europa nas mãos e segura pelos tomates (serão os da Angela? Os do Passos não são, parece ter sido capado à nascença…) não é a França. É a Grécia, pá…

terça-feira, 1 de maio de 2012

O POLÍTICO INTRANSPONÍBAL


Ilustração Marco Joel Santos


Costuma dizer-se, pelas esquinas dessas cidades e vilas, aldeias e lugarejos, que Portugal é um jardim à beira-mar plantado. Eu discordo inteiramente. Jardins plantados junto ao mar não vingam, a água salgada mata-os. Ainda se fosse um mangal à beira-mar plantado, percebia melhor, pois os mangais são resistentes à água salgada. Além disso, seria mais digno de um povo que elegeu o manguito como gesto nacional. Além do mais, se Portugal fosse um jardim, os governantes de Portugal seriam, por consequência, jardineiros. Ou pelo menos pessoas que não têm o mínimo jeito para podar bonsais mas insistem em torturar plantas.
A verdade é que já há muito tempo que não somos governados por nenhum jardineiro. Desde D. Dinis, amante de pinheiros bravos e poesia cancioneira. Também não somos governados por poetas, mas que eles se ajeitam com a letra, há que convir. Aliás, nos últimos anos, qual nação positivista, saída directamente de um qualquer exaltado sonho de Auguste Comte, temos sido governados por técnicos. Por cientistas, quase. Por, como lhes simpaticamente chamam, tecnocratas. Um par de engenheiros, outro par de economistas, e um par de lagostas a cada um que nem fazem falta ao cardápio.
Um dos mais renomados economistas portugueses e europeus, quiçá do mundo e mesmo do submundo para aquém vida e além morte (é preciso nascer duas vezes), e do submundo do crime organizado também, é o nosso excelso presidente Cavaco. Foi nosso ministro das finanças dois anos, nosso primeiro-ministro dez, e prepara-se para ser nosso presidente da República mais quatro, ameaçando constantemente os mais argutos com o cumprimento dos dez anos de sentença a que foram votados. Ora, perfaz isto um total de 18 anos no governo da Nação, e de lá sairá, com alguma sorte para os demais, com apenas 22 anos de governo.
Um jornaleco malicioso, um tal de Jornal de Notícias, veio na edição de ontem fazer uma série de insinuações sobre a honorabilidade do nosso excelso presidente enquanto supostamente ligado às actividades mineiras do BPN, Banco de Políticos Nefastos. Tal como urgia, Cavaco não demorou a emitir um comunicado, através do site da presidência – a sua – a “endireitar” alguns factos que esses perigosos esquerdistas do Porto ousaram deturpar em prejuízo do homem que está sempre certo e que nunca se engana. Podem ler O Comunicado da Presidência aqui.
Ora, eu li o comunicado, pois sou uma pessoa muito interessada nestas coisas, bem informado e até posso dizer que, sem desprimor, perco tempo a mais com estas coisas. E há alguns pontos que quero ressalvar, e que penso que dizem muito sobre o homem mais honesto de Portugal, o excelso presidente Cavaco. Depois de afirmar que o presidente nunca teve qualquer relação com o BPN, não lhe fez compras nem vendas, nem sequer tinha qualquer tacho no Banco de Políticos Nefastos, o ponto 1.4 é deveras incomodativo. A certa altura pode ler-se “Contrariamente ao que tem sido afirmado, as aplicações feitas pelo conjunto dos bancos das poupanças do Prof. Cavaco Silva e de sua mulher não se têm traduzido em ganhos, mas sim em perdas…”. Começa a perceber-se como é que Cavaco não tem dinheiro que chegue para as despesas, mesmo com a parca reforma de 11.000 euros. O homem ainda anda a pagar as perdas que ele próprio e a desvairada da Maria sua esposa andaram, ao longo dos anos, a coleccionar em vários Bancos!
Depois, mudando a agulha para o ponto 2, ficamos a saber que a Coelha, afinal, é um negócio perfeitamente lícito e nada teve de anormal. A não ser… Surpresa! Pois é, afinal, o negócio da Coelha, a residência de férias do presidente no Reino de Sua Majestade Allgarve, não só não tem nada de mafioso por parte do nosso honestíssimo e excelso presidente, como ainda este ficou a perder no pagamento da Sisa! Pode ler-se “O Prof. Cavaco Silva está mesmo convencido que pagou mais do que lhe competia pagar, …”. Ora porra. As Finanças enrolaram o presidente! Mais ainda, Cavaco “… tem seguido, até aqui, a prática de não reclamar das liquidações feitas pela Administração Fiscal.”. E é aqui que a coisa descamba para o pornográfico. Não só enrolaram o Cavaco… As Finanças f*deram-no bem e ele nem abriu o bico!
O que dizer de tudo isto? É triste. O homem anda ainda a cobrir perdas de investimentos financeiros que fez, e isso até é aceitável para mim, que sou economista amador, ao estilo do tipo que tortura plantas mas não percebe da poda. Mas para o mais renomado economista português, da Europa, quiçá de todo o Boliqueime? É deveras triste. Ainda por cima, está sempre certo e nunca se engana. Excepto quando é para perder massa, aí é um mãos largas! Além do mais, pagou Sisa a mais. Mais uma vez, um homem tão esclarecido e ainda por cima tão honesto como Cavaco, que tem um grau de honestidade intransponíbal, pois temos de nascer duas vezes para lá chegar – nós, os vulgos mortais que se enganam e que às vezes não estão certos – não podia exigir de uma instituição pública o mesmo grau de honestidade? Não, calou-se bem caladinho, quiçá com medo que as Finanças o julgassem, do tipo “Ai é? É assim? És espertinho? Já vais ver como mordem os cães das Finanças! Vomita para cá as últimas 91 declarações de IRS que entregaste!”.
Eu, na realidade, já sabia que Cavaco é um desastre ambulante. Uma nulidade armada em tecnocrata que governou com imensa ignorância um país banhado, não pelo mar junto do qual se plantou o jardim, mas pela bonança dos fundos europeus, e os esbanjou ingloriamente, desperdiçando a oportunidade de fazer evoluir o país. Já o considerava o mais danoso governante português, por duas razões: pela que já escrevi atrás e porque é o mais duradoiro e aquele que sem dúvida teve mais tempo e oportunidade de fazer estragos. Sérios estragos. Mas nunca pensei que fosse burro o suficiente para admitir a sua incompetência em termos financeiros num comunicado oficial da presidência. Está bem que é a sua presidência, e dali esperam-se bovinos disparates, mas nem tanto. E o modo como se sente burlado pelas Finanças e se calou bem caladinho… Deve haver por aí muita gente, que afirma que duas pessoas juntas já são uma manifestação (um casal com a esposa grávida é um comício) – e a este assunto voltarei, podem estar certos – que pensa que ele fez bem e todos devemos fazer o mesmo, a bem da paz e da coesão social…
Aníbal, o Intransponíbal, afinal, é um cepo. Passou de eminente economista a gajo que perde dinheiro nas jogadas dos bancos. Passou de pessoa que está sempre certa e que nunca se engana a vítima de bullying das Finanças… Salve-se a sua estatura moral, a sua honestidade. Salve-se Cabo Verde e as Caimão, e por certo até ele se perdoa por passar por estúpido na Nação de que é a primeira triste figura…