quarta-feira, 29 de agosto de 2012

EXAME


Ilustração de Marco Joel Santos

E lá vinham os três pelo corredor fora. Não que a deslocação fosse longa, porque as cadeiras de primeira classe são logo à frente do avião. Certificaram-se que nada ficava por ali que deles fosse. À porta do avião as hospedeiras esforçavam-se por ser simpáticas. Não disfarçaram, estavam de mau humor e assim ficariam por mais uns dias. O choque de chegar a Lisboa, ainda que o interior da manga ainda não deixasse sentir o cheiro, era intenso. Estavam realmente mal-humorados.
Do lado de fora do aeroporto eram esperados por dois Mercedes E250. Carros mixurucas que os portugueses insistiam em enviar em busca de tão eminentes representantes do poderio financeiro mundial. Olharam com desprezo os taxistas que recolhiam mais uma remessa de turistas brasileiros zombeteiros. Dividiram-se pelas viaturas.
Pelo trânsito da cidade, não entendiam como Portugal se havia metido debaixo das suas patas. A cidade está até bem tratada e limpa, o trânsito flui com uma rapidez impressionante. Os batedores da PSP abriam caminho para os dois veículos. Aí vêm os homens da Troika, os homens que vêm fazer o exame!
Primeira reunião de professores, e os três acordam nas perguntas a incluir no exame. Como estão as receitas? Como estão as despesas? Qual o valor da recessão? Vamos finalmente conhecer o Cristiano Ronaldo? Por unanimidade, acordaram que o exame seria de 12 horas com 800 perguntas de desenvolvimento. Algo os incomodava, algo os importunava. Ainda não sabiam quem iria responder, quem seria a vítima que se iria sentar diante de cada um deles, durante quatro penosas horas, pois iriam fazer turnos.
Os portugueses estavam loucos! Pediram que fosse Passos Coelho a responder ao exame. Receberam como resposta deste: “Caros mestres, recentemente passei férias no Allgarve onde a exposição solar excessiva me deixou com a pele sensível até hoje. Receio não poder escrever durante tantas horas. Delego, pois, a presença no exame ao Ministro das Finanças”. O problema é que receberam outra resposta, por parte do Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que rezava da seguinte forma: “Caros mestres… Eu… até ia… mas como podem… constatar… temo que… 12 horas não sejam… digamos… suficientes… para a minha escrita… profícua mas… algo… ponderada. Sugiro, pois, o… Ministro da Economia, o Álvaro…”
Estavam estupefactos. Os ministros portugueses estavam a empurrar o exame duns para os outros. O Álvaro também respondeu: “Caros mestres, se fosse para explicar como fazer um franchisado de pastéis de nata na Namíbia, ainda poderia ser de uso. A verdade, porém, é que seria melhor que fosse o Ministro da Economia a responder ao vosso exame.” E ainda tinham mais a resposta deste segundo ministro da Economia, coisa que não entendiam, como um país que pretendiam liquidar precisava de dois ministros para uma coisa que nem sequer existe! António Borges lá respondia, numa resposta bem manuscrita: “Caros mestres, de bom grado iria fazer o exame em nome do governo, mas tive de me ausentar em trabalho, para umas reuniões na sede do meu empregador, a Jerónimo Martins. Indico, pois, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, para o exame. Saudações de Amesterdão!”
Ora o Paulo Portas! Mas então não é que entrou uma menina muito aperaltada na sala de reuniões, com um papel na mão? Estava-se mesmo a ver! A resposta e escusa do Paulo Portas. Leram interessadamente o documento, guardaram-no religiosamente dentro de uma pasta preta, levantaram-se e saíram da sala. Entraram a grande velocidade nos automóveis e rumaram ao aeroporto, de onde partiram para as suas origens.
O que estava escrito no papel? “O ministro indicado por mim, Paulo Portas, para fazer o exame, é o Miguel Relvas! Vão mas é para o real car****, seus caras de cu, que ele já pediu equivalência ao Reitor! Passamos. Com 11!”

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

COMEÇAR DO ZERO


Ilustração Marco Joel Santos

E não parecendo, cá me aparecem coisas que ainda me surpreendem. Convenhamos que em Portugal não é fácil haver coisas que me surpreendam. Mas, por obra e graça não sei bem de quem, de vez em quando ainda me surpreendo. Podia estar a falar da vitória do Rio Ave em Alvalade, mas isso não é lá muito surpreendente.
Jorge Moreira da Silva. Quem é o Jorge Moreira da Silva? Pois pouca gente sabe ou, pelo menos, gente que interesse. Mas aparentemente o rapaz é o 1º vice-presidente do PSD, um dos partidos que suporta o governo. Na Universidade de verão do PSD, uma espécie de feira em que são comprados pela JSD jovens adolescentes vendidos pelos pais, o nosso Jorge teve direito a discurso. Sim, porque isto de ser o 1º vice-presidente do PSD tem destas coisas. Não é só acordar e constatar que o primeiro ministro é um Passos que nos passou à frente porque colou mais cartazes.
Ora o homem discursou e entre as balelas destinadas a terminar a formatação das floppy disks dos jovens presentes, doutrinados na crença dos Santos Mercados, desconhecendo que quando entrarem na Universidade a sério serão bombardeados com toda a liturgia mercantil, Jorge Moreira da Silva considerou que o governo está a fazer um bom trabalho.
Faço aqui um parêntesis. Eu também penso que o governo está a fazer um bom trabalho. Isto é como no futebol, os defesas e médios defensivos têm a vida um pouco mais facilitada que os avançados. Porquê? Simples, os avançados têm de acertar no interior da baliza, os defesas podem acertar em qualquer lado, desde que não na baliza. O mesmo será dizer que é mais fácil destruir que construir. É por esta razão que penso que este governo está a fazer um bom trabalho. Está apostado em destruir. Destruir o Sistema Nacional de Saúde, a Educação, o próprio povo. Nesse aspecto, o governo está a cumprir.
O Jorge disse que o governo está a cumprir no controlo das despesa, na manutenção das exportações e em várias outras coisas. A única coisa em que o governo não está a atingir os resultados esperados pro ele próprio e pela troika que nos governa é a receita. Dinheirinho dos contribuintes. Não está a entrar nos cofres do estado ao ritmo desejado. Mas, atenção! Diz o Jorge que essa é única coisa que não depende do Governo!! Logo assim, o governo não tem culpa.
Vamos lá analisar. As despesas do estado diminuíram 16% com o pessoal. atendendo que a remuneração roubada aos funcionários públicos representam 15 desses 16%, temos de convir que as despesas diminuíram. Pelo menos 1% realmente. Mas tudo bem, 1% de redução na despesa. E mais despesas desceram. Como agora cada turma tem 500 alunos, são precisas menos salas, menos professores e menos escolas. E como o Sistema Nacional de Saúde deixou de existir, também é algum que se poupa.
As exportações portuguesas têm três pilares essenciais: a Autoeuropa, o turismo e a gasolina. Sim, são as nossas três maiores exportações. Sabido é que a Autoeuropa está a vender carros para a China e a coisa parece que vai bem. O turismo tem sinais contraditórios: mais turistas, mas menos bebedeiras. A gasolina é exportada para os EUA. Ou seja, é comprada enquanto as refinarias americanas não produzirem o suficiente para alimentar os monstruosos SUVs das donas de casa desesperadas. As receitas da Autoeuropa vão para a Alemanha, as do turismo vão para todo o lado e as da gasolina vão para o petróleo. Atrevo-me a dizer que, dados os desincentivos à produção da parte do governo, é um factor completamente fora do seu controlo. Não a receita.
A receita... TODA a gente sabia que isto ia acontecer. A economia está a recuar aos 4% anuais. Como é possível gerar mais impostos? Quando ainda por cima quem os paga é a classe que trabalha por conta de outrem ou que detém pequenos negócios, classe essa que está 23% desempregada? Claro que há gente surpreendida. João Duque é uma delas, Medina Carreira e Mário Crespo é a mesma pessoa surpreendida (tenho uma secreta esperança que os três sejam a mesma pessoa sob diversos disfarces). Ora, o que diz esta gente ao facto das receitas estarem um desastre nacional, apenas comparável à morte de D.Sebastião no meio do nevoeiro magrebino? Muito simples, é o único factor fora do controlo do governo. Sim, até porque o IVA subiu por vontade própria, aparentemente. Aliás, alguém já se lembrou de elaborar um conjunto de leis que limite este movimento próprio do IVA. A mesma coisa para o IRS e para o Paulo Portas. Bichos carpinteiros...
Só mais um aparte: qual o mecanismo essencial de controlo do défice? Ora, o défice é medido em função do PIB. Ou seja, há três factores que influem no défice: a receita, a despesa e o PIB. Normalmente, se a receita sobe e a despesa e o PIB se mantêm, o défice desce. Se a receita desce e a despesa e o PIB se mantêm, o défice aumenta. E a nossa situação? Bem, a despesa está a diminuir, e quiçá mais que a receita. Logo, o défice baixa... mas acontece que isso não acontece. O que acontece é que o PIB está a encolher 4%! Ou seja, a base de cálculo é 4% mais pequena! Nunca ninguém tinha pensado nisto? O governo vai tentar diminuir o défice até ao ponto em que nem interessem as oscilações de receita – a base é tão pequena que um donativo de cinco euros ao estado é suficiente para descer o défice três décimas de ponto! Brilhante, não é? O governo está a fazer um bom trabalho – lá está, destruir é mais fácil que construir...

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

MOTIM


Imagem Marco Joel Santos

Ver gente a acusar Assange de necessitar de protagonismo diário é agora usual. Mas basta que nos digam uma vez. A gente acredita e não precisa de dar protagonismo a alguém que o ganha a acusar outros de querer protagonismo. O protagonismo é muito giro nos próprios, mas parece que os fere quando é nos outros. Estamos habituados, afinal este mundo é um mundo cão. Não sei bem o que quer isso dizer, e se calhar é por causa dos ataques de cães argentinos, que curiosamente passaram a ser a única raça a atacar humanos neste país. Mas o mundo ainda é mais cão para os cães, porque acabam todos executados.
Bem, Assange é o homem das wikileaks. Wiki quer dizer assim nada de especial. Leaks quer dizer fugas. À letra, são fugas não-sei-como-e-tal. É o homem que nos pôs a saber o que pensam os embaixadores americanos dos portugueses. O que não foi grande revelação, diga-se. Aliás, não penso que tenha vindo grande novidade seja sobre o que for da wikileaks. Eram já coisas que todos sabíamos, ou pelo menos desconfiávamos, e anunciávamos à boca cheia pelos cafés de Portugal inteiro. Seja como for, Julian Assange ganhou uma aura de justiceiro contra as grandes corporações e entre as nações. Uma espécie de Robin Hood da informação. Um informador.
E depois há as Pussy Riot, num caso em que se compara o protagonismo destas com o de Assange. Ora as moças russas não querem protagonismo. Querem apenas Putin fora do governo da sua mãe russa. E foram julgadas e condenadas e pronto, fim da história. Ou talvez não. Como protagonistas que são, muito se falou sobre elas. E as reacções, sinceramente, fizeram-me sorrir. De vez em quando, até rir à descarada. As Pussy Riot são, para muita gente, presas políticas. Não duvido. Em Portugal, uma imensa turba de excelsos comentadores depressa acusaram Putin de politizar o julgamento. Também não tenho dúvidas. Outros, aclamam as jovens russas de lutadoras da liberdade. Aceito. Outros ainda, acham que a Rússia ainda é uma república absolutista. Se calhar, não estão longe da razão.
Mas sinceramente queria ver, em Portugal, na Espanha, na França, ou até e principalmente nos EUA, uma missa interrompida por miúdas aos berros com gorros de assaltantes de caixas multibanco à la botija de gás, no mais sagrado dos templos nacionais (em Portugal, por exemplo, poderia ser em Fátima). Queria ver quais as reacções dessas mesmas pessoas. Além do mais, penso que muita gente falou disto mas poucos sabem o que quer dizer Pussy Riot. Quer dizer pita aos saltos. Grandes, enormes. Pitas não sei, mas os saltos. Tipo Superman a saltar por cima de edifícios, lembram-se? Pussy Riot quer dizer o Motim das Pitas. Isto para não utilizar linguagem ainda mais explícita.
Não sei qual a vossa opinião. Eu próprio tenho uma opinião ambígua sobre isto. Confesso que assim que vi a Madonna com a pita aos saltos escrita ao fundo das costas, quase formei uma opinião mesmo. Mas com a Madonna não há muito a esperar, protagonismo é mesmo com ela. Mas interromper um culto religioso com uma música punk, vestidas daquela forma, e seja o que for o que vociferavam, não me inspirou muita confiança. As próprias alegam que o estado russo está de mãos dadas com a igreja ortodoxa. O que é interessante, quando o estado soviético quase a destruiu e foi igualmente criticado.
Não sou religioso, abomino a prática de religiões. Não aprecio, no entanto, que quem pratique uma religião tenha de assistir a eventos como aquele a que assistimos. Seja qual for a razão. A liberdade religiosa só é efectiva quando deixamos as pessoas realizar os seus cultos e os objectos da sua fé. Não é por eu não apreciar a prática de religiões que vou desatar a interromper missas. E não é por eu não apreciar particularmente as políticas do nosso suposto governo que vou protestar em locais que são tudo menos próprios para o efeito. Igrejas são edifícios para actos religiosos. Para protestos, existe a rua ou até mesmo a Assembleia da República ou o seu equivalente russo.
Entretanto, três jovens russas vão passar mais um ano e meio numa cadeia russa. E já lhes deram todo o protagonismo possível e imaginário. Suponho que poderão agora fazer uma carreira decente no mundo da música. Mesmo que não saibam tocar uma pussy. Mas com uma madrinha como a Madonna, nada que não seja normal… Comparar Assange com as Pussy Riot é mais que brincadeira, é brincadeira de mau gosto. Elas arranjaram uma madrinha pop, ele arranjou um advogado cuja estatura moral é maior que o mundo. São coisas muito diferentes…


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O ESPAÇO


E parece que alguém conseguiu fazer com que um robot do tamanho de um SUV ande a vaguear por Marte. O alguém foram os americanos, logo disseram. Bem, na verdade, o veículo que pôs a coisa fora da nossa atmosfera era da NASA. Mas lá porque um porco é atirado por uma janela, isso não quer dizer que quem o atirou seja o dono. Na verdade, foi um esforço multinacional, de grande valia técnica, que nos permite que o primeiro veículo desportivo suburbano a pilhas tire fotografias de Marte. E dizem que vai recolher rochas, o que está a preocupar José Eduardo dos Santos, que teme a concorrência nos diamantes.
As primeiras fotos começam a chegar e as surpresas também. A superfície de Marte é desértica, quando se estava a contar com um resort jamaicano. Depois, é vermelha, o que contrasta vivamente com o que sempre nos disseram, que Marte era assim para o acastanhado vivo. E é quase desabitado. Quase. O robot amartou e imediatamente nos apercebemos destes pormenores, verdadeiras surpresas. E amartou porque não aterrou nem amarou, foi parar a Marte, portanto amartou.
Mas Marte não é assim tão inóspito. Num relance, numa foto, vê-se Paulo Portas a tentar vender rolhas de cortiça e jesuítas numa banca à porta da Embaixada portuguesa em Marte. Dizem que é um sucesso. Portas está feliz da vida, na sua diplomacia económica, a tentar vender Vinho do Porto aos marcianos. Só não ficou mais feliz porque os submarinos são inúteis em ambiente desértico.
Mais uma foto e… lá está, é mesmo ela! A Gorda, a nossa ministra da agricultura e de mais 4528 coisas! Chora copiosamente, enquanto olha para uma imagem de Nossa Senhora do Círculo e reza para que chova em Marte. É a única forma de haver água para privatizar. A coisa está vermelha!
Depois… Aí vem o Álvaro! Acaba de firmar 352 contratos de exploração mineira do subsolo português em Marte, que se prevê rico em ouro, diamantes do tamanho de bolas de basket e pimentos verdes. O pormenor de o solo não ser português pouco interessa, pois também é verdade que nenhuma das 352 empresas tenciona chegar a trabalhar nos projectos, mas antes e apenas sacar uns cobres.
Maravilhado, ali num canto, está Passos Coelho. Delicia-se com a paisagem. Nem naquelas férias em Manta Rota se sentiu tão feliz. Marte é o mundo perfeito para Passos Coelho. Repleto de oportunidades. Também feliz está Miguel Macedo, agradado com a quietude das areias do deserto marciano, incapazes de se manifestarem á porta do para lamento ou de empunharem cartazes.
Crato vislumbra, algures, uma sala de aulas de marcianos. Ainda mais avançados que os portugueses, aprendem em turmas de 240 alunos! Um modelo a seguir, provavelmente! Nada melhor que pagar a mais 180.000 professores para não terem alunos para ensinar. Marte é uma autêntica fábrica de putos marcianos robóticos! Robóticos sim, mas com aproveitamento! E maneiras!
Paulo Macedo fica maravilhado com a ausência de doentes nos hospitais públicos marcianos. Imagina, pois, certamente, os hospitais da sua Médis marciana cheios até ao tecto! O maravilhoso cenário é tão idílico que fica curado dos efeitos da trombose que não o levou… da primeira vez… Pode ser que tenhamos sorte daqui para a frente…
Cavaco também está contente. Marte é um deserto! Aqui não há despesas! Pode ser que os 11.000 euros das míseras reformas lhe dêem para chegar ao dia 25 sem evitar de tomar o pequeno-almoço! Marte é fantástico, Marte é um autêntico Portugal, é quase tão avançado como nós seremos um dia destes, e um deserto igualmente bonito.
Mas falta algo a Marte. Todos pensam que falta algo. Há algo em Marte que não está bem. Há uma falha, há a estranha sensação de que as fotos do SUV a pilhas não nos mostram o essencial. Mas eis que, de repente, aparece o essencial. Ali, espetado, no meio das areias vermelhas do deserto marciano, orgulhosamente altivo, o cartaz. Era o pormenor que faltava em Marte, mas afinal até os marcianos conhecem Portugal a fundo. Ali, com um fundo amarelo:
“VAI ESTUDAR RELVAS!”