terça-feira, 24 de dezembro de 2013

DO NATAL E COISA E TAL

Ilustração Marco Joel Santos

            Desta época do ano quase todos dizem o mesmo. Que é a mais feliz do ano, que é a época da esperança, que é a época da paz. Em suma, quase toda a gente é candidato a Miss Universo mas sem desfile em biquíni. Não importa, o que importa é mesmo a intenção. Ainda que desses quase todos nem todos sejam lá muito bem-intencionados nos seus votos de Natal. Acho que hoje devem falar o Cavaco e o Passos.
            Seja como for, o Natal é essencialmente uma época de mitos. E se bem que quase todos os ocidentais conheçam os mitos de Natal, é bom tentar descodifica-los um pouco. Comecemos pelo princípio, ou seja, pela bela história do Menino Jesus. E sim, poderíamos ir um pouco mais atrás, aos solstícios de Inverno em Stonehenge, mas convenhamos que a história do Menino é mais gira.
            O Natal serve de festa de anos a Jesus Cristo. Que todos os anos deve ficar piurso, pois nunca lhe dão a apagar as velas no bolo-rei. Convenhamos que 2011 velas em cima de um bolo-rei também ia ser exagero. 2011 porque o JC, aparentemente, nasceu três anos depois de começar a sua era. É mais ou menos como marcar um golo a faltar cinco minutos para começar o jogo, e bem diz o presidente do Sporting que tal é possível, se os presidentes do Porto e Benfica se juntarem à esquina. Eu é mais aos noventa e dois. Ora, JC nasceu de uma mãe virgem e pai incógnito, numa manjedoura no interior de um estábulo, com um burro e uma vaca ao lado. Para além do burro e da vaca mesmo. Além disso, nasceu com uma estrela por cima, que devia ser o equivalente do séc.I ao nascer com o cu virado para a lua de hoje.
            Convenhamos, é uma belíssima história. As religiões, normalmente, têm uma imaginação prodigiosa para inventar coisas deste género. Mas há que reconhecer que os cristãos são dos mais criativos. São tão criativos que ainda hoje se venera o S.José, principal suspeito de encornanço na história. Para além disso, ainda havia o Herodes, o mesmo do ou chupas ou te fazes sexo, que tinha medo que o filho do carpinteiro José lhe tirasse o trono. Sabendo que JC não era de facto filho de José – e sabe-se lá quem o encornou – podia até ter razão. Sabe-se lá se não foi o príncipe Carlos a emprenhar a Maria? Quem aguenta sexo com a Camila está por tudo.
            Na noite de Natal, logo à meia-noite, é dito que o Menino Jesus vai a todas as casas pôr prendinhas no sapatinho – ou na meia, no caso dos protestantes. Ora, meias e sapatos eram coisas que não assistiam à população palestina da altura. Aquilo era mais sandálias e calos. Mistério dos mistérios é o meio de transporte do Menino Jesus. Não esquecer que é filho de Deus, por isso deve usar teletransporte à Startrek.
            O Pai Natal é outro figurão do Natal. Vestido de vermelho pela Coca-Cola, trata-se de um velhote de barbas brancas, com o saco de prendas às costas, que na noite de Natal, sensivelmente à meia-noite, passa por casa de todos os meninos para deixar prendas e emborcar copinhos de leite morno com bolachinhas e uma eventual sandocha de leitão, quando deixa prendas na Bairrada. Ou seja, deve terminar a noite completamente obturado de bolacha Maria e leite Gresso, cheio de colesterol, diabetes e em condições de amamentar os pigmeus todos que trabalham no Pólo Norte… Pulula de casa em casa a bordo de um trenó puxado por renas voadoras com nomes sugestivos, normalmente de velhas glórias do FC Porto.
            Não sei, sinceramente, qual das histórias é mais ridícula. A verdade é que os putos comem a história mal contada pelos pais. Até uma certa idade. A partir dos seis ou sete anos, começam a desconfiar que são filhos adoptivos, pois os presentes são todos do Pai Natal ou do Menino Jesus, e os pais, calões do camandro, não lhes dão nada. Aos oito começam a adorar os pais, porque já sabem que são eles que lhes dão as prendas. Aos dez, já sabem que os pais lhes dão os presentes para os calar por não os verem mais que dez minutos por dia, e aos doze começam a extorquir os pais com os segredos que vão descobrindo e que ameaçam contar ao outro progenitor. Na última fase de vivência em casa dos pais, aos 40 anos, já visitam o padre de vez em quando, não vão ter de fazer algum funeral. Enfim, outros 500…
            Mesmo que o Natal seja tão usado por toda a gente para disfarçar as misérias de carácter que revelam ao longo do ano, a verdade é que até tenho alguma sorte. Na família, nos amigos, no trabalho, pouca gente que conheça é mal-intencionada. E, assim sendo, sei que quando me desejam um Feliz Natal, não me estão a desejar, na realidade, um salto cósmico da minha taxa de colesterol ou que desenvolva cáries dentárias. Também sei que, e não pretendo que seja de outra forma, não me estão realmente a desejar uma quadra natalícia feliz. Na realidade, estão-se marimbando para a minha quadra natalícia, excepto a família, claro, que vai ter uma quadra igual à minha. Mas sentem-se, eles próprios, felizes e isso é bom, porque partem do princípio que eu também me estou marimbando para a noite de Natal deles, mas também me sinto feliz.
            A verdade é que todos temos grandes memórias das noites de Natal. Os doces, a família toda junta (como no Carnaval, na Páscoa, nos Santos, no Verão, no S.Martinho…), a árvore de Natal, as bolas reluzentes, as luzes que derretiam ao fim de dois dias de funcionamento, o presépio com o menino Jesus, a vaca e o burro, além dos animais, com uma estrela a indicar o local do nascimento, os reis magos a chegar de camelo, e a banda filarmónica lá da terra alinhada por detrás do estábulozinho feito com musgo ainda com minhocas. Foi também numa noite de 24 de Dezembro que o meu pai sofreu um AVC. Tudo memórias. Hoje tudo é diferente. Excepto tudo o que está igual que, diga-se de passagem, é quase tudo menos o meu pai à mesa.

            Por isso, meus amigos, não precisam de me desejar Feliz Natal. Sintam-se apenas felizes, se conseguirem. Eu tentarei pela minha parte. Não é feliz quem quer, é feliz quem está. Na certeza, porém, de uma prendinha certa no sapatinho de todos nós: mais impostos para o próximo ano. Rica prenda… Já agora, façam-me um favor e não liguem a TV quando falarem a múmia e o burro do presépio – e não me refiro ao S.José.