segunda-feira, 4 de abril de 2011

A VASSALAGEM GUERREIRA CAROLÍNGIA


Carlos Magno, busto
Serão as origens da vassalagem guerreira em tempos carolíngios responsáveis pela fragmentação do poder na fase pós carolíngia?” - é uma questão pertinente. Não há muitas dúvidas que a vassalagem guerreira nos tempos do Império Carolíngio foi pelo menos parte importante das razões do seu declínio. Mas a questão é feita com uma nuance: as origens da vassalagem. De que forma, então convém perguntar, é que podemos remontar essas origens, e de que forma o seu carácter terá influído na fragmentação do poder?
A vassalagem guerreira é por vezes conotada com a “clientela” romana. Apesar das similitudes entre ambas, é dúbio que a principal origem da vassalagem fosse essa. Como bem diz Nicholas, “os clientes romanos não mantinham, em princípio, uma relação militar do estilo dos laços feudais”, ou seja, a clientela implicava uma condição servil por natureza, enquanto que a vassalagem era um acordo entre senhor e vassalo que não implicava a perda da condição de homem livre. A vassalagem parece ter uma origem germânica, e a famosa cerimónia das mãos nas mãos fazia do vassalo “homem do seu senhor”. Marc Bloch, efectivamente, na sua obra “A Sociedade Feudal”, dá-nos uma descrição vívida dessa cerimónia, descrição essa que aqui não tem cabimento.
Seja como for, a vassalagem era já praticada em tempos anteriores aos Carolíngios, nomeadamente no período precedente, o dos Merovíngios. Acontece que, como Bloch afirma, a vassalagem guerreira nos tempos merovíngios implicava uma condição diferente da sua congénere carolíngia. Os laços de vassalagem merovíngia originavam uma dependência, uma protecção, do senhor em relação ao vassalo, que normalmente era visto como um companheiro de armas do seu senhor, e muitas vezes a sua subsistência era assegurada pelos meios e casa do senhor. Em troca, a sua fidelidade, o seu serviço e as suas armas.
Sendo desta forma que a vassalagem merovíngia originava laços de fidelidade, certo era que os carolíngios a tomaram em mãos, depois de a destruírem quase por completo para tomar o poder. Carlos Martel, o prefeito do palácio real, e sua descendência, de que há a destacar Carlos Magno, que deu o nome à dinastia, tinham uma ideia diferente para a vassalagem. Os monarcas carolíngios e seus respectivos estados maiores pretendiam apenas que o império não fosse afectado pela guerra intestina, que se vivesse um período de paz duradoura e de alargamento da Fé Cristã. No entanto, o próprio Martel, ao que nos afirma Nicholas, terá financiado as suas guerras com terrenos retomados à própria Igreja. Sendo a Igreja um aliado muito forte da política carolíngia, uma solução passaria pela delegação de terras e sua administração à Igreja, sobre as quais se calcularia o valor a entregar por esta pelos serviços militares devidos. Esta política começou precisamente a ser praticada, igualmente, perante os vassalos, levando à origem dos feudos.
Assim, a vassalagem em tempos carolíngios, ao que afirma Bloch, originou a doação de terras, como recompensa, aos vassalos do rei. Por sua vez, os vassalos destes poderiam ter a mesma sorte e assim por diante. Constitui-se, assim, uma rede de fidelidade à monarquia. Cada senhor estava incumbido de manter os seus vassalos na ordem desejada e prontos a prestarem o seu auxílio militar ao rei. Obviamente, houve uma proliferação de “Comtes”, vassalos directos do rei, conhecidos por “vassi dominici”, que receberam grandes domínios, os condados, para sua administração. O contrato de vassalagem era por toda a vida e, ao contrário do que fizeram os merovíngios, os carolíngios enquadraram-no na lei vigente no Império, tornando mais difícil a sua dissolução. No entanto, como escreveu Bloch, “... lembraram-se os Carolíngios de o empregar para garantirem a fidelidade eternamente periclitante dos seus funcionários.”, ou seja, a vassalagem era uma regra para qualquer cargo palaciano, para qualquer função. Assim se fortaleceu o Império, assente numa vastíssima rede de fidelidades.
Acontece, porém, que a vassalagem poderia não ser única. Nicholas descreve-nos como era frequente que um vassalo tivesse mais que um senhor. Prestar vassalagem a mais do que um senhor implicava uma possibilidade de ascensão social, da aquisição de mais terras, do acumular de feudos. Enquanto a administração central foi única, o sistema funcionou muito bem. Acontece que a era pós-Magno raramente conheceu uma unidade política no Império, e as diversas lealdades poderiam facilmente representar um conflito de interesses. Acrescia que os vassalos eram agora proprietários de terras (feudos), e não era esperado que, como ocorreu em tempos merovíngios, permanecessem junto aos senhores. Pelo contrário, permaneciam nos seus territórios a maior parte do tempo.
Convém distinguir mais um aspecto em que merovíngios e carolíngios se diferenciavam. E esse aspecto, como apontam Bloch e Nicholas, tem a ver com a ascensão da cavalaria como arma principal de combate. A utilização do estribo e das ferraduras tornou a cavalaria numa arma eficaz para quase qualquer tipo de combate. Nos tempos merovíngios, e embora a cavalaria já se distinguisse, competia à infantaria engrossar as fileiras do exército. A vassalagem merovíngia tendia a criar soldados de infantaria, a dos carolíngios tendia a formar cavaleiros. O armamento de um cavaleiro era extraordinariamente dispendioso (afirmam os referidos autores que um cavalo, ou uma cota, poderiam valer seis bois), o que colocava os pequenos proprietários agrícolas fora deste jogo. A solução passava pela colocação das suas terras sob o domínio de um senhor que pudesse armá-lo, em troca da referida vassalagem, e dos respectivos tributos.
Bloch afirma, sem hesitações, “... começou então um longo período de perturbação e, ao mesmo tempo, de gestação. Que a vassalagem ia definir exactamente os seus traços”. Na verdade, num período de guerras intestinas, de novas invasões (os escandinavos assolavam constantemente os Francos), a necessidade de homens que pudessem proteger os mais fracos, e a procura destes por mais fracos que os ajudassem nas lutas a travar, era enorme. No entanto, estes laços não envolviam agora o rei, mas sim os grandes senhores, aqueles por quem a monarquia havia distribuído o território, e que entretanto haviam conseguido que esses títulos fossem contemplados pelo direito como de sucessão hereditária. Os seus castelos eram a garantia de protecção de todos aqueles que a procuravam, e não a autoridade real, diminuída na sua importância até à simples peça “decorativa”.
As relações entre os senhores e a monarquia carolíngia acabariam por dar origem à extinção da coroa imperial no séc.X. A vassalagem tinha originado uma multitude de pequenos territórios, onde as relações passaram a ter dois cunhos totalmente distintos. A vassalagem guerreira era renovada a cada geração. Os vassalos eram considerados senhores, o guerreiro aclamado pela mais bela das virtudes do mundo medieval, a bravura, o cavalheirismo. Enquanto que os laços de servidão, embora não numa base escrava, como outrora na antiguidade clássica, subjugava os camponeses e restantes serviçais a funções e honras menores.
Perante o exposto, é um facto que o poder carolíngio, de facto, se ergueu mediante a reinstitucionalização da vassalagem germânica e merovíngia, moldou-a de forma a que as relações de fidelidade se tornassem fortes o suficiente para formar uma matriz sólida de apoio, quer social, quer militar. A contrapartida foi a concessão de feudos, cada vez mais numerosos e poderosos. Alguns, estados dentro do estado, onde a administração central chegava apenas através dos seus senhores, e não directamente. A vassalagem guerreira originou que estes senhores tivessem os seus próprios vassalos, as suas próprias forças. Perante a queda de autoridade dos reis, e à falta de segurança sentida pelas populações, a autoridade passou-lhes para as mãos. Daí até à fragmentação total do poder carolíngio... Foi um passo.
Será justo dizer-se que as origens da vassalagem guerreira provocaram a fragmentação? Bem, se atentarmos a como o Império foi desmantelado pelos próprios reis, distribuindo parcelas pelos filhos, diminuindo assim a autoridade de cada coroa subsequente, não seria de espantar que a fragmentação ocorresse, tendo em conta as novas invasões, tribulações climatéricas e pragas. Mas, sem dúvidas, a rede de vassalagem originada antes era a alternativa de poder que se perfilava numa primeira linha de sucessão, se é que de tal podemos falar. É, assim, uma causa, mas também ela própria uma consequência da fragmentação, mas antes de mais, da própria política carolíngia.

Trabalho realizado no âmbito da disciplina História da Idade Média, Lic. História, 1ºAno, Bibliografia omitida

4 comentários:

  1. Alguém falou em vassalagem?! Já a praticamos, mas ainda a vamos praticar muito mais... hoje é o primeiro dia... :(

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  2. Ainda se fosse vassalagem como naqueles tempos...

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  3. A Pronúncia adiantou-se e disse o que me tinha vindo à cabeça ao ler o texto! Assim sendo, tem uma semana o melhor possível, apesar do FMI!!!

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  4. Malena, a vassalagem naqueles tempos substitui a monarquia. Será sintoma?

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