domingo, 19 de dezembro de 2010

A EPOPEIA DE GILGAMESH

Gilgamesh chorando a morte de Enkidu - Google
A Epopeia de Gilgamesh é a epopeia mais antiga que se conhece. Relata as aventuras de Gilgamesh, que parece ter sido uma personagem com identidade histórica, tendo sido o quinto rei de Uruk, cidade mesopotâmica, integrado na primeira dinastia da época pós-diluviana, sendo igualmente referido que terá reinado por uns mirabolantes cento e vinte e seis anosi. A sua preponderância no mundo antigo, particularmente nas regiões mesopotâmica e limítrofes é plenamente elucidada pelo facto de existirem traduções hititas e hurrianas, que atestam da sua disseminação pela Ásia Menor. Uma versão da epopeia terá igualmente sido descoberta na região cananeia. A versão mais completa que se conhece é do séc. VII a.C., e pertencia ao bem conhecido Assurbanípal, último dos grandes reis assíriosii.
Gilgamesh é de ascendência divina, sendo filho da deusa Ninsun. Por esse facto, foi dotado de invulgares capacidades a nível mental e físico. Era, na verdade, um Rei despótico, embora sensato, e que, entre outros atributos, era possuidor de uma luxúria extrema, levando a tomar as mulheres alheias como muito bem entendia, fosse a vítima casada ou não. O povo de Uruk acaba por pedir à deusa Aruru que criasse o homem capaz de vencer Gilgamesh em combate. Aruru acede aos desejos do povo e cria, a partir da lama, Enkidu, um homem que cresce entre os animais e se torna notório pela sua força e inteligência superioresiii.
Gilgamesh sabe da existência de Enkidu e envia uma das suas cortesãs para o seduzir, procurando enfraquecê-lo (notar as semelhanças com a história bíblica de Sansão). Ao perder a sua virgindade e pureza, Enkidu é rejeitado pelos animais e dirige-se à corte de Gilgamesh. Aí chegado, dá-se um combate intenso entre os dois seres semi-divinos. Embora o resultado deste combate seja dúbio, sendo que algumas versões dizem ter havido vitória de um dos contendores, é comummente aceite o empate, que origina uma amizade entre os dois homens que perdurará por toda a vida. Companheiros de vida e de viagem, partem em inúmeras aventuras e viagensiv.
Uma dessas aventuras acaba em tragédia. Ao aceder ao pedido do povo, que queria madeira mas não podia recolhê-la dos bosques graças à protecção da deusa Ishtar e do seu monstro guardião, ambos se põem a caminho, Enkidu combate e mata o monstro, e trazem a madeira ao povo (numa região como a Caldeia, não deixa de ser relevante esta referência à necessidade de madeira). Ishtar fica encantada com os atributos de Gilgamesh, confessa-se uma apaixonada pelo Rei e tenta seduzi-lo. Gilgamesh rejeita a ligação com a divina Ishtar que, furiosa, engendra um plano para matar Enkidu, acabando por o conseguir, através do envenenamento. Ishtar vinga-se assim de Gilgamesh, torturando-o até ao fim dos seus dias com o fantasma do seu amigo Enkiduv.
Como forma de reaver Enkidu e atingir ele próprio a imortalidade, Gilgamesh parte em busca de Utnapishtin, o último dos homens sobreviventes do Dilúvio, que vivia já há vários séculos, imortalizado pelos deuses, que o informa que a sua busca é vã, pois os deuses criaram os homens para a morte e não para a imortalidade. No entanto, e após uma descrição pormenorizada do Dilúvio, Utnapishtin, por intercedência de sua mulher, acaba por revelar a Gilgamesh que existe, no fundo do mar, uma planta que, picando as suas mãos, lhe poderá dar a eternidade. Gilgamesh mergulha até ao fundo do mar e recolhe a dita planta, e resolve regressar a Uruk. No caminho, e enquanto descansa, uma serpente, atraída pelo perfume da planta, rouba-a e renova-se, deixando a sua pele sobre o campo e desaparecendo definitivamente com a planta. Gilgamesh apercebe-se tarde demais do furtovi. Regressa como os demais, condenado à morte, quando teve a imortalidade ao seu alcance, caraterística que, segundo a mitologia mesopotâmica, distinguia os deuses dos homensvii.
Esta epopeia é importante em muitos aspectos. Primeiro, pelo aspecto religioso. Nenhum deus é inferiorizado por qualquer homem, a sua força é superior e não deve ser nunca desafiada. O homem foi criado para serviço dos deuses, apesar da sua semelhança, a partir do pó da terra. Por outro lado, a eterna busca pela imortalidade por parte do homem, que nunca chega à sua conquista, que faria dele um deus. Essa busca é sempre inglória, e damo-nos conta no final desta epopeia que os seus heróis conquistam a imortalidade pela história e não por qualquer artifício ou objecto sagrado.
Mas a Epopeia tem uma outra característica extremamente importante que não raras vezes é referida, e essa é a sua consistência mítica no que diz respeito ao Dilúvio. Sabemos ou julgamos saber que o Dilúvio poderá ter sido consequência dos degelos repentinos no final da última Era Glaciarviii. Assim sendo, poderá ter sido um acontecimento global e não apenas local. É necessário notar que a região mesopotâmica resulta, geograficamente, da planície aluvial dos rios Eufrates e Tigre. No entanto, o relato do Dilúvio presente na Epopeia de Gilgamesh é inteiramente coincidente com o relato bíblico de Noé, talvez o mais conhecido mito do Dilúvio.
Assim, os deuses decidem destruir os homens. Ea, deus das águas e protector natural do homem, dá instruções a Utnapishtin para construir um barco, para o qual deve levar as sementes de toda a vida na terra. Anu, deus do firmamento, Enlil, o executor, Ishtar, deusa da guerra e do sexo, e Ea, nessa altura, habitavam a terraix. A cheia veio por acção de Adad, deus da tempestade. Desde o início até ao final da história, em que Utnapishtin vai libertando diversos animais para atestar a habitabilidade, a correspondência com a história de Noé é total, sendo que provavelmente esta seria um decalque de parte da Epopeia de Gilgamesh. No entanto, relatos a nível mundial da grande cheia aparecem no Egipto, pelas palavras do próprio deus Tothx, na Grécia Clássica (a lenda de Deucaliãoxi), na América Centralxii, América do Sulxiii, América do Nortexiv, Índia (a Epopeia de Manu)... Na realidade, parecem existir 62 registos, similares e independentes dos mitos sumérios e hebraicos, do Dilúvio - por todo o Mundoxv. A Epopeia de Gilgamesh aparece, assim, como primordial para o entendimento deste fenómeno, dado ser o mais antigo relato de um acontecimento extraordinário, a verdadeira génese da história humana como a conhecemos.
iJbara, Santos, Freitas, Ribeiro, Melo
iiInfopedia
iiiA Epopeia de Gilgamesh
ivIbidem;
vIbidem;
viIbidem;
viiTavares, 1995
viiiDonald W. Patten, The Biblical Flood and the Ice Epoch: A Study in Scientific History, 1982
ixHancock, Footprint of the Gods, 1995
xLivro dos Mortos, CLXXV
xiThe Gods of the Greeks
xiiMayan History and Religion
xiiiLenormant, The Antediluvian World / Popul Vuh
xivLynd, History of the Dakotas
xvFrederick Fibry, The Flood Reconsidered

30 comentários:

  1. E estavas tu preocupado com o comentário à Epopeia.

    Isto é o que eu chamo fazer render o trabalho... dois em um. :)

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  2. Eu não sei em que consistia o trabalho, apenas que tinhas que fazer um comentário à Epopeia de Gilgamesh, mas acho que está jeitoso... talvez um pouco longo e onde a parte narrativa da Epopeia fosse dispensável (para o trabalho e não para o post) uma vez que quem vai avaliar o teu comentário conhece o poema.

    (Aposto que este foi um poema que gostaste de ler...)

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  3. "À luz do que estudou sobre a religião e os mitos da Mesopotâmia, elabore um texto
    cuidado onde saliente as principais sequências narrativas e conclusões que se podem retirar da Epopeia de Gilgamesh.

    A resposta a apresentar deverá ter, no máximo, 2 páginas A4, com 1,5 de
    espaçamento, fonte Times New Roman (ou equivalente), tamanho 12."

    Achavas o quê, mesmo?

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  4. Já conhecia, obviamente, a Epopeia de Gilgamesh. Aliás, tu também vais ficar a conhecê-la, ou pelo menos parte dela, dentro de pouco tempo.
    Eu já a li há uns 20 anos. É um texto absolutamente sagrado para quem gosta de história. Entre o Livro dos Mortos e a Epopeia de Gilgamesh venha o diabo e escolha!

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  5. Se eram pedidas as principais sequências narrativas então não está aqui quem falou (ou melhor, escreveu).

    Nunca tinha ouvido falar dessa Epopeia, mas eu não sou doida por História...

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  6. Pois, e isso é absolutamente preocupante...

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  7. Então porquê?!

    Eu gosto de História, mas não adoro História...

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  8. É que agora estás a entrar noutra dimensão de conhecimento histórico... Ou amas ou odeias...

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  9. É assim que eu gosto dos meu Reis déspotas: sensatos.

    Quanto à parte final do dilúvio... já existia plágio na altura... ainda que num formato mais complicado... não era qualquer um que ia visitar o continente americano e voltava à mesopotâmia.

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  10. Johnny, na Antiguidade Pré-Clássica, o despotismo e a sensatez não eram conceitos incompatíveis...

    A questão que tento levantar não é uma questão de plágio, mas sim a de uma consciência global de um cataclismo. Só havia duas formas de este conhecimento ser consistente da forma que é: ou uma fonte comum, logo anterior ao Dilúvio (que terá ocorrido por volta de 10-12000 a.C) ou então a coincidência pura e simples. É uma questão de lógica.

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  11. Eu não estou a dizer que levantas essas questões, porque sou eu que as levanto... e cá para mim são mais acertadas (deixa-me lá ficar com elas sff)

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  12. Há nas histórias da História estranhascoincidências... :)
    Obrigada pela partilha.

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  13. Johnny, há um plágio evidente da Epopeia de Gilgamesh por parte de quem escreveu a Bíblia. O que não é surpreendente, uma vez que até a história de Cristo é plagiada descaradamente da de Osíris e Hórus...

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  14. Malena, se há coisa que aprendi a estudar História é que nada nas histórias da História é coincidência. As coisas são bem mais simples do que parecem...

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  15. 1, 2, 3... Experiência

    MUAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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  16. Estás a ver como é defeito de fabrico?!...

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  17. Boas festas, Cirrus.

    Um abraço

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  18. Olha mais um incentivo à compra dos submarinos - o pessoal tem que garantir que se safa do próximo dilúvio.
    O outro bem avisou que "o povo português tem que se virar para o mar." - é para não ser apanhado distraído!

    'Tá fantástico Cirrus, muito elucidativo.
    Já conhecia a história, mas é sempre giro relembrar, especialmente com um resumo tão erudito!

    P.S.: Onde arranjaste o Livro dos Mortos? Adorava lê-lo.

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  19. SDaVeiga,

    Obrigado. Tenta ser erudito. Para além do mais, vai ser avaliado por eruditos...

    O Livro dos Mortos (ou os excertos conhecidos) podem ser descarregados da net. É só pesquisar um pouco.

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  20. Nada como arregaçar as mangas!

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  21. "Não lhes dês um peixe... Ensina-os a pescar!" é sempre um bom lema de vida!

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  22. Nada disso! Não me lembro de onde descarreguei...

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  23. Ah Ah Ah!!!
    :-D

    Lá se foi o erudismo todo!!! ;-P

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  24. Pois... Já foi há muito tempo...

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