sábado, 12 de fevereiro de 2011

O MEC É QUE A SABE TODA!

Chico Fininho - Foto Google

O Miguel Esteves Cardoso é que a sabe toda, e fez de um chorrilho de palavrões uma ode à língua portuguesa. A antiga, não a brasileira que se escreve agora. A verdade é que não só desmistificou como embelezou o uso do palavrão. E além de tudo, deu uma liberdade muito grande à escrita que se vê por aí. Não falo de revistas ou jornais, mas antes deste mundo, o da blogosfera.
Eu sou do norte do país, e tenho pronúncia do norte. Mas além da pronúncia, tenho a grata capacidade de conhecer e usar frequentemente o palavrão. E este é um primeiro erro, muito comum. Como se pode chamar palavrão a um caralho, por exemplo, quando existem acetilsalicilatos de lisina (aspirina)? Ou esternocleidomastoideus (haja Deus!)? Ou otorrinolaringologista (rinoceronte que se chama Oto e que tem uma loja e vota PSD)? O caralho é até assim uma palavra maneirinha, e até é antiga. Designava o cesto da gávea dos navios no tempo dos descobrimentos. Agora imaginem lá o Vasco da Gama a ordenar a um marinheiro “Vai para o caralho!”, o que, pelos padrões de hoje, poderia dar origem a um motim no navio-escola Sagres. A maior parte dos ditos palavrões não são efectivamente palavrões, são maneirinhos e práticos. Até porque chamar “filho de uma senhora de ocupação dúbia em horário de trabalho” ao filho da puta que nos fez uma tesourada na autoestrada é pouco prático, e quando se acaba a expressão já o dito se pôs no caralho. O que não é rigoroso, é certo, porque olhamos para baixo e ele vai bem adormecido e aconchegado lá junto ao banco aquecido do automóvel. E aí está outra grande vantagem do palavrão. A capacidade de nos pôr a imaginar coisas inverosímeis e estranhas.
O palavrão é solidário. É verdade. O palavrão une as pessoas. Basta pensar em como podemos tantas vezes estar a falar com outra pessoa e exclamar “O Sócrates que se foda!”, ao que o outro responde “Que vá apanhar no cu!”! Ora aí está um momento de rara sintonia que nunca seria atingido se alguém dissesse “O Sócrates que se vá fazer amor” com a resposta “Que vá inserir um falo no ânus!”. Quer dizer, se calhar, pela magnitude da coincidência de opinião, até poderia. Mas como dizem os outros mariconços, não era a mesma coisa.
Aí está outra palavra que dá jeito. Maricas ou paneleiro dá jeito. Isto porque o verdadeiro palavrão é homossexual ou, ainda pior, gay, que nem português é. Maricas que se ofenda por lhe chamarem paneleiro não é homem! E isto do gay fez-me lembrar aquelas alminhas que, quando querem expressar espanto, agora escrevem “omg!”, em vez de um “Oh meu Deus!”. Claro que são alminhas religiosas, e respeitando o Mandamento, não evocam o nome de Deus em vão. Resta o quê? Ah, pois, um vistoso “puta que pariu!”! Espero que ninguém se lembre de escrever “senhora de ocupação dúbia em horário de trabalho que pariu!”. Sim, porque pariu não é palavrão, é o termo técnico para o acto de ter um filho, e não “dar à luz”, que é muito poético, mas só resulta se for um mineiro o parteiro.
Ou então, outra expressão que me põe os cabelos com tesão, que é “wtf!”. Não é português, e é facilmente traduzido pelo sempre popular e prático “foda-se!”. Aliás, esta palavra, por estes lados, não é uma palavra, é uma interjeição. Ou começamos, ou interrompemos ou acabamos uma frase sempre com um sonoro “foda-se”, e é mesmo recorrente que utilizemos as três alternativas simultaneamente, sendo que algumas vezes o caralho é chamado a intervir ali pelo meio. Sem maldade, pois sabemos que o caralho intervém de facto mais pelo meio, embora habitualmente tenha tendência para a esquerda, por sermos maioritariamente dextros. Sim, porque isto de “fodi esta” e “fodi aquela” e mais não sei o quê é giro mas é na imaginação de profissionais liberais com pouco que fazer. A maior parte do pessoal fode o que pode e os que não podem batem umas punhetas. Palavra engraçada, esta das punhetas, já que deveria apenas designar uma pessoa a quem falta um punho, como perneta para quem não tem uma perna, maneta para quem não tem uma mão, mulher para quem não tem caralho – que, como vêem, é uma palavra recorrente na língua portuguesa.
E a língua leva-nos ao acto sexual oral, designado quase cientificamente como cunninlingus. Este sim, é um palavrão! A substituição natural por um saudável minete é simples e prática, e dá para ver que algumas senhoras idosas que visitam países árabes ainda têm vida sexual activa - ou seja, ainda fodem, pelo menos de língua – quando exclamam à saída do autocarro, e referindo-se às torres das mesquitas: “Puta que pariu, grande minete, c'um caralho!”. É certo que de início é constrangedor, mas liberta o espírito de grupo e faz uma viagem mais ligeira. O acto sexual oral contíguo é o felatio, que se lê felássio, o que a mim me faz lembrar melaço e, ultimamente, os Homens da Luta. Um comum broche é engraçado e inclusivamente diversificado culturalmente, uma vez que podemos sempre desviar a conversa para a joalharia.
Mas há muitos outros palavrões. Boy, por exemplo. Não é um palavrão, mas não é português. Um boy não é um boy, é um lambe-cus. Temos bons exemplos de lambe-cus por esse país fora, como o já referido PM ou o Passos Coelho, jotinhas de profissão que se especializaram rapidamente na arte de dar o dito cu em troca dos tais jobs, que é palavrão que é facilmente traduzível por tacho. Porque não dizer “tachos para lambe-cus” em vez dessa tristeza de “jobs for the boys”? É que, ainda por cima, poupamos nas palavras, porque para elas teríamos de dizer “jobs for the girls” e assim dizemos sempre “tachos para lambe-cus”, uma vez que a actividade de lamber um cu não é directamente relacionável com qualquer um dos sexos.
E o sexo faz-me lembrar que o palavrão é intensamente despretensioso, uma vez que inverte tudo aquilo que queremos efectivamente dizer. Como? Os palavrões directamente ligados à actividade sexual raramente são utilizados nesse âmbito. Mandar para o caralho alguém raramente quer dizer que se deseja que essa pessoa se coloque por cima de um pénis, mandar alguém ir-se foder raramente é sinal de que desejamos que essa pessoa vá fazer sexo. Ao contrário, quando falamos explicitamente de sexo, usamos outras expressões que nada têm com ele a ver. Por exemplo, quando referimos um marido traído, não o designamos como o atraiçoado ou o traído, mas antes por cabrão, corno ou manso. O que na realidade é intensamente libertador, uma vez que cabrão é um bode com muita força, corno é um utensílio de lutas extremamente viris entre várias espécies animais e dos mansos será o Reino dos Céus. Está bem, se não for o Reino dos Céus, é outra merda qualquer lá para cima.
Merda é um palavrão que muita gente pensa que foi inventado pelo Rui Veloso quando, enquanto seu alter ego Chico Fininho, andava com a merda na algibeira. Pode ser enganador, ninguém cagou no bolso do Rui. Cagar é mais um palavrão libertador, uma vez que defecar é um verbo feio e triste, que me faz lembrar defenestrar, e agora estou a imaginar alguém a cagar-se todo enquanto o fodem abaixo de uma janela de S.Bento. Pode ser o Sócrates. Mas merda é, mais uma vez simples e directo, em vez de excremento, que faz lembrar jumento – o Sócrates aparece muitas vezes por aqui, é uma merda! - e tem a vantagem de não só designar o excremento em si como qualquer merda em geral, como a merda que o Rui trazia na algibeira.
Enfim, o palavrão é, como dizia o Miguel Esteves Cardoso, que tem umas filhas das putas dumas orelhas que parecem uns abanadores de fogareiro para assar sardinhas, uma verdadeira instituição. Eu concordo e só tenho realmente pena de não escrever tão bem como o Miguel Esteves Cardoso. Mas a verdade é que ele também gostaria de ter orelhas como as minhas e não aqueles apêndices gigantescos que devem ter arranhado as bordas da mãe duma forma irreversível. Mas eu gosto mesmo do que o homem escreve. Muitos pensam que sabem bem mais que ele, e às vezes até partilham o nome, mas afinal são apenas lambe-cus de merda. Isto é um pleonasmo, não é? Que grande palavrão! Não há aí nada que possa substituir pleonasmo, assim mais maneiro? Talvez encornanço – quando alguém encorna em alguma coisa, está a pleonasmar (e isto agora é que não sei se existe – é mesmo palavrão a substituir pelo saudável encornanço!)

19 comentários:

  1. Hilariante!
    Onde foste buscar a inspiração?! Ao vídeo "Gosto de Palavrões?!...

    Digo muitas vezes que o palavrão só é ofensivo quando a intenção ao usa-lo é mesmo ofender a pessoa a quem é dirigido, caso contrário é apenas um modo informal (bastante informal) de conversar, comentar qualquer coisa que merece ser comentada.

    E é fácil, muito fácil, sentir quando alguém diz o palavrão porque sim ou quando o usa para nos insultar... digo eu, que tenho pronúncia do norte.

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  2. Pronúncia, por acaso fui buscar a inspiração ao grupo do FB "sou contra o acordo ortográfico".

    Claro que sabemos perfeitamente distinguir as caralhadas dos insultos. É a pronúncia do norte.

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  3. Foda-se! Que filho da puta de posta! Aqui em Lisboa não se usa 1/10 dos palavrões que orgulhosamente vomitamos no Porto, e isso é estranho.

    Eu não sei, mas diria que este post foi escrito por uma pessoa indignada, vulgo fodida. ;)

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  4. Sara, nesse aspecto os lisboetas são um bocado merdas secas, não são?

    És bem capaz de ter razão... Mas estou menos indignado que o paneleiro do PM a berrar pela esquerda radical no Parlamento...

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  5. Nunca mais venho ler as tuas escritas à noite porra!
    É qu'isto de andar a abafar as gargalhadas é mau p'rá saúde!!!

    Muito bem amandado, carago!
    (é no que dá ter crianças - aprendemos a moderar os palavrões, especialmente quando não se está no Norte...)

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  6. Caríssimo, c'um grande falo! Muito bom. Existem frases aqui dignas de ficarem nos anais (!) da literatura lúdica portuguesa.

    Agora, eu a ser armado em cabrãozito sabichão, a aspirina é ácido acetilsalicílico. Esse que falas é o aspegic... :D

    Porta-te

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  7. O palavrão é libertador! Durante muito s anos não disse palavrões. Bem, merda e porra aqui no Norte não contam, por isso. Desde que descobri o poder curativo de um palavrão dito na hora certa é um ver se te avias! Só é pena os que tenho que dizer em pensamento porque parece mal, não é?? ;)

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  8. SDaVeiga, são apenas constatações de facto. Não é um texto explicitamente humorístico. Mas se faz rir, fico contente.

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  9. Cat, lá estás tu a armar-te em técnico de saúde. Sei bem que o ácido acetisalicílico é a aspirina, e o acetilsalicilato de lisina é um composto feito a partir do primeiro. Não esqueças que tive química orgânica, ò esperto! Só acho que ácido toda a gente sabe o que é. Lisina já é outro caso.
    Quanto às frases para os anais... Concordo... Há aqui algumas expressões, não frases, que usaria num bom anal.

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  10. Malena, um palavrão na hora certa não só é libertador como é revelador de bom senso. Gente que anda sempre deprimida diz poucos palavrões!

    Já resolveste o caso do perseguidor?

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  11. Grande Cirrus EC.

    Muito bom !! ))

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  12. E só não disse 'Foda-se' porque aqui no Alentejo não dizemos palavrões... rsrsr

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  13. Grande texto!É caso para dizer que tiveste uma inspiração do caralho e sendo eu do norte tenho estima elevada por certas palavras!

    Um beijo,
    Maria

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  14. Obrigado, Maria. Nós aqui no Norte temos muita afeição por termos carinhosos, é um facto.

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  15. ui, nem querias saber o que eu ouvi porque disse porra numa aula de inglês e a prof ouviu. que sermão sobre as origens dessa e de outras palavras (como chatice vê lá tu).

    para mim a malícia está na cabeça das pessoas e não nas palavras.
    para mim porra já nada tem a ver com a sua origem.

    e é como dizes, o palavrão é uma característica "das gentes" do norte. :P falo por mim pelo menos.
    digamos que não seria eu se não me saísse um belo foda-se ou caralho a cada duas palavras numa frase :P

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  16. Ana, o palavrão raramente é um insulto. As pessoas não percebem que são interjeições puras. No entanto, isso também é fruto das diferenças linguísticas. Realmente no Norte o palavrão é corrente. No Alentejo quase tudo o que me sai da boca é palavrão...

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  17. Esqueci-me do Salvador, porra!

    Ò Salvador, aí no Alentejo 95% das minhas palavras são palavrões!

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