quarta-feira, 9 de março de 2011

A MANELA É QUE TINHA RAZÃO

Foto Geração Rasca

A verdade é que Portugal tem uma nova moda. Portugal está muito à frente de tudo o que é civilizado, e sinal disso é reeleger governos que fizeram merda atrás de merda ou Presidentes da República que dantes nunca se enganavam mas que agora se afogam em dúvidas. Nem os sonhadores irlandeses, que chegaram a pensar que eram o motor da Europa, foram tão longe. Mandaram o anterior Governo com os porcos, e não têm culpa de agora alguém os repescar para o Governo outra vez.
Portugal é muito à frente e a moda agora é o anti-protesto. Não se pode protestar. Não se pode fazer barulho. O medo de acordar qualquer político sentado na AR em horário de trabalho é enorme. Eu percebo que o protesto meta muito medo a muita gente, pois afinal nunca se viu tanta cunha em Portugal, e é natural que quanto menos se fale nisso melhor. E se o cenário no sector público, neste particular, é preocupante, como sempre foi, no sector privado é atroz e raramente se vê um empregozito conseguido sem a dita cavilha de aço para prender cabos de enxadas e machados.
A moda agora é o anti-protesto, o pacto de silêncio dos que sabem que isto anda tudo virado de pernas para o ar, mas mesmo assim receiam que algo pior aconteça, como uma revolução, uma guerra ou até a perda do emprego. Segundo os sábios, as greves não levam a nada, as manifestações não produzem nada a não ser improdutividade e o protesto nas ruas (que ainda nem começou) leva a ditaduras. Até os Homens da Luta são assim mais ou menos toleráveis quando falam a favor do pessoal, como nas questões contra os políticos e tal, mas irem à Eurovisão é uma vergonha para Portugal. Que se lixe o protesto!
A moda agora é comer e calar. A moda agora é fazer greves, sim senhor, mas não incomodar ninguém. A novidade de que uma greve se destina a incomodar mesmo, e quanto mais incomodar melhor e melhores resultados negociais pode obter é coisa que o português moderno não pode aceitar, uma vez que chega atrasado ao emprego e pode ser despedido. Esqueçamos que as pessoas competentes raramente são despedidas por um atraso, e lembremo-nos que cunhados têm de lamber cus todos os dias, é assim que funciona. E um atraso ao emprego é normal, mas um atraso à sessão de lamber cu é grave. Sendo grave e podendo perder-se o emprego, não pode haver greves que efectivamente envolvam a paragem seja do que for. Até porque estamos em crise e temos de produzir mais, trabalhar mais, esforçarmo-nos mais. E receber menos. Não passa pela cabeça de ninguém que uma pessoa que tenha corte de 10% no ordenado passe a trabalhar apenas 90% do tempo, não é? Eu também acho. Come e cala.
Depois há o medo do que acontece lá por fora, de que chegue aqui a crise líbia, uma guerra civil, seja o que for. Tivemos uma Revolução pacífica e habituamos as pessoas que beneficiavam das benesses de outros tempos a esperar um par de anos, que as benesses voltariam. Pusemos de novo todos os algozes dos tempos da outra senhora, tempos de “respeito”, em que o medo era a palavra de ordem, nos mesmos sítios, a roubar da mesma forma. De modos que este país teve uma Revolução assim quase para o falhado, já que alterou tudo para pôr tudo no mesmo sítio onde estava antes. E assim temos a mentalidade a retroceder novamente, temos a sociedade cada vez mais inflexível, um mercado de trabalho onde é necessário ser escravo durante vinte anos até se poder ser lambe cus. E isso se se tiver sorte. Metemos os putos todos a estudar, e sendo poucos porque dantes até havia mais crianças (poucos canais de TV), continuamos na cauda da Europa em percentagem de gente licenciada, mas já são demais, andaram a estudar para nada, os patrões agora querem reduzir custos e pagar 485 euros por mês, ou então, estagiários não remunerados que trabalham de graça. Condenamos a nossa geração mais nova a emigrar novamente, para a Alemanha, por exemplo, que quer engenheiros portugueses como pão para a boca, esses mesmos que aqui são desprezados porque não querem trabalhar nos caixas do Ti Belmiro, ou estagiar de graça nas empresas portuguesas de telecomunicações. Ou então os jovens licenciados em jornalismo, que nada encontram senão estágios atrás de estágios, em jornais e TVs cumpridores da Lei.
Esta gente vai protestar no dia 12. E tenho a certeza de que muitos estarão em posição de protestar. Mas que parvos, porque protestam em vez de comer e calar? Não vêem que não deviam andar a gastar dinheiro aos pais a estudar? Para quê estudar? Para quê gastar dinheiro em formação? Não conseguem discernir que, para comer e calar, qualquer escolaridade serve? Parvos.
Eu sou da geração rasca. Aquela que a Manuela Ferreira Leite obrigou a pagar propinas e a quem chamou “rasca”. Nesse tempo, um licenciado em Portugal tinha um prazo de espera por um posto de trabalho na sua área de formação que se media em dias. 60, 90, 100, 200. Dias. Hoje esse prazo é medido em anos e áreas há em que não há prazo – não há postos de trabalho. A esta geração é negado o sonho de trabalhar naquilo para que foram formados. Sim, dantes era um direito. Hoje é um sonho. Dantes, as Ordens estabeleciam ordenados mínimos para os seus membros, aqueles que eram licenciados na especialidade. Eram no mínimo dois ordenados mínimos. São os que beneficiaram dessas regras e dos postos de trabalho que entretanto se abriam em abundância que agora dizem aos jovens que trabalhem nas caixas de supermercado
A Manuela Ferreira Leite é que tinha razão. A minha geração, afinal, era mesmo rasca. 
Não protestem, ninguém tem direitos neste país. Não protestem contra os cortes salariais, não protestem contra as avaliações de desempenho dos professores, não protestem contra os estágios não remunerados, não protestem contras os falsos recibos verdes, não protestem contra o preço da comida, não protestem contra os preços dos combustíveis, não protestem contra a corrupção, não protestem contra os políticos, não protestem, ponto final. Vocês, portugueses, só têm dois direitos: comer e calar.
E quando isto acabar na rua, quando isto acabar em violência, que ninguém se lembre da geração rasca. Não da “à rasca”, mas da rasca. A rasca que já se acomodou, a rasca que já leva putos ao infantário mas que não sabe que futuro e educação lhes dar. A rasca que que manda os jovens de hoje comer e calar, como se na sua época as dificuldades fossem as mesmas. A rasca que, ao invés de querer o melhor para a juventude deste país, a condena a ser a sua servente em caixas de supermercado ou estágios não remunerados. Não se lembrem de nós. Porque nós estaremos escondidos em algum buraco, com o rabo de fora. Mas protestem, porra. Vão para a rua e protestem! Perdoem a geração rasca, mas protestem!!

17 comentários:

  1. O grande problema que vejo é mesmo esse, em que os bons que ficam "acomodam-se" às migalhas que têm porque não sabem se terão mais amanhã. O grande problema é que quem realmente quer fazer o melhor é - continua a ser, aliás - visto como interesseiro ou manhoso. Não falo por mim, porque não tenho que nem devo falar, mas conheço quem já se veja assim. A solução passa, assim que possa, pela emigração. Lá fora não é um mar de rosas mas para a área em questãó a oferta é incomparável.

    Um aparte sobre o festival da canção. O comentário mais ilariante que vi acerca disso foi de alguém que acreditava, claramente indignado, ser desta que acabavamos em último. Coisa a que como todos sabemos ser perfeitamente anormal...

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  2. E muitos desses que são anti-protesto, já se queixaram antes de que ninguém faz nada... o que é estranho.

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  3. "hilariante"

    Noya.

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  4. Amigo, eu tive a sorte de pertencer a uma classe profissional que (por enquanto) não tem problemas em arranjar trabalho. Isso não quer dizer que, no entanto, não sejamos desrespeitados. Por sermos poucos era suposto sermos respeitados por quem está acima de nós, mas não; talvez fosse interessante melhores condições para trabalhar, até para prestar melhor serviço à comunidade mas não (estão a cagar para a comunidade, querem é votos). Era de se esperar melhor remuneração, contractos de 40 horas de trabalho, mas nada, pagam menos à hora que um pedreiro e pedem que sejamos responsáveis pela cobertura de mais de 2200 utentes com horários de 35 horas. Eu estudei para ser Médico de Família e pedem-me que seja clínico geral, que despache, que veja as pessoas em 15 minutos, tratando-as como gado.
    Este espaço é pequeno para transpor a indignação que me vai na alma, friend, até porque muitos dos meus colegas "comem e calam".
    Há que protestar (e não "reclamar" :D )

    Porta-te

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  5. vamos ver se realmente protestam ou mais um vez tudo fica por festivais pirotécnicos.

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  6. A "rasca" "acomodou-se" porque tem filhos a quem é preciso dar de comer e educar, tem hipotecas de casa para pagar, e ainda vai tendo emprego. Já a "à rasca" chegou a uma altura em que não tem nada a perder, querem ter casa, família, filhos, mas não tem emprego e quando o tem é o que sabemos, não é com 500€/mês - quando é - que se pode pensar em futuro (mais que isso ganhava eu como estagiária, mal acabei o curso e já lá vão quase duas décadas).
    A "rasca" só vai começar a protestar quando também ela ficar sem nada.

    Já na altura da "rasca" havia quem não conseguisse emprego, mesmo sendo licenciado. E se nessa altura já proliferavam aqueles cursos sem saídas, durante este tempo todo eles nasceram como cogumelos. É muito bonito ser licenciado em Cinema, em Artes não sei das quantas, em Filosofia, em Dança, quando depois é o que sabemos... a cultura vem depois das necessidades básicas serem satisfeitas, e nem estas o País consegue cumprir.

    A "rasca" tem culpa, porque, se não sabia, deveria saber, para onde o País estava a ser conduzido, quem eram os bandos de abutres que lhe estavam a comer a carne e deixou... deixou que lhe comessem a carne e agora resigna-se a que lhe roam os ossos... e depois vai deixar que lhe chupem o tutano. A "rasca" tem culpa, porque continua a ver e a deixar que a as estrebarias de boys (e girls) proliferem por este País, estejam muito bem de saúde e se recomendem. Nisso a "rasca" tem culpa, tem muita culpa, pelo seu umbiguismo, pelo seu egoísmo...

    Se vou protestar?! Provavelmente sim. Provavelmente no sábado vou participar pela 1ª vez desde que me conheço numa manifestação... estou farta!

    E isto já vai longo, é melhor ficar-me por aqui.

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  7. Cirrus,
    O prazer que me deu finalmente não ler um texto em que se discute se a manifestação tem ou não o direito de existir, ou argumentos que pretendem rotular de acomodados e mimados os licenciados que têm à sua frente perspectivas muito negras.
    Ainda hoje me queixei numa outra caixa de comentários do facto de se andar a discutir a manifestação, em vez de se andar a discutir o cerne da questão. Agora tudo se questiona, para se ser inteligente há que ser sempre (sempre mesmo) do contra, enfim... Estou cansada...
    Do fundo do coração, obrigada.
    E no sábado lá estarei na Avenida da Liberdade lisboeta para me manifestar.

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  8. Noya, nós sabemos o que se passa nas empresas portuguesas, e sabemos muito bem o nível de cunha neste país. Por aí penso que estamos conversados.
    O problema aqui parece ser que este país se esqueceu de progredir no mercado de trabalho. Queremos mais produtividade, mais produção, mais tudo. Mas pagando menos, obviamente. E mandamos quem sabe para fora, para melhorar as economias externas. Somos uns mão largas.

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  9. Johnny, e outros, por incrível que pareça, não vai há dois anos andavam por aí às cabeçadas com alguns ministérios...

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  10. Cat, é como digo. É preciso mais trabalho, mais esforço, mais produção. E menos ordenado.

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  11. Daniel, não sei. Veremos. Qualquer protesto hoje em dia é positivo. Esperemos que seja em grande.

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  12. Pronúncia, pois, realmente isso é quase tão grande como o post. Seja como for, parece-me que até os sectores mais progressistas da geração rasca, ao invés do que eu esperava, afinal não é gente de valores ou ideais, é gente ou amedrontada pela possibilidade de alguém ter aquilo que já têm sem terem de passar as passas do Algarve ou passar fome, ou então é gente que simplesmente está de barriga cheia e pouco se importa, afinal, como o estado do país, mas apenas, como dizes, apenas se preocupam com o seu próprio umbigo.
    Devo dizer que, sendo eu um pessoa que reclama e protesta e almeja algo de melhor para as novas gerações de Portugal, não me posso queixar da vida. Bom emprego, bom casamento, prestações baixas da casa... Só que isso só me satisfaz se os outros puderem pelo menos sonhar com o mesmo. Mas há muita gente que não pensa assim. Parece-me que é, também, mais um caso de "a galinha da vizinha é mais gorda que a minha"...

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  13. Sara, não tens de agradecer seja o que for. O que digo, o que penso e o que protesto é pelo bem de Portugal, não de ninguém em particular, mas do colectivo dos naturais deste país. Admito, no entanto, que o teu caso me serviu, em parte, de inspiração.
    E é mesmo isto: a mim não me faz cócegas no céu da boca o facto de um jovem arranjar um bom emprego porque tem qualificações para isso. Faz-me cócegas o contrário.

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  14. Cirrus, na luta entre ideais e ter que pagar as contas ao fim do mês não é difícil saber qual dos dois fica pelo caminho...

    É gente acima de tudo amedrontada por perder aquilo que tem (que muitas vezes nem é muito) muito mais que gente com medo de ver os outros terem o que eles já tem.

    Para os mais novos que eu, a geração "à rasca", sinceramente desejo-lhes muito mais do que o que eu tive e tenho, mas se isso não for possível pelo menos que tenham o mesmo... mas que não pensem que tudo lhes caí do céu, porque não caí. De certeza que não te esqueceste do que tinhas e do que te custou para teres o que tens agora, pois não?! Eu não me esqueci...

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  15. Pronúncia, não, não esqueci. Por isso mesmo. Eu arranjei emprego na minha área em 6 meses. Há gente que não o consegue em 6 anos, hoje. Eles não estão a passar por aquilo que passamos. Eles estão a passar por muito pior, e é bom que se diga isto de uma vez por todas.
    Por outro lado, penso que os ideais, realmente, perdem, mas não perante a necessidade de pagar contas. Perdem quando as coisas não são connosco. Apenas isso. Que razão tem um professor que andou por aí a manifestar-se contra a avaliação ao condenar a manifestação de 12 de Março, por exemplo? Que moral tem para dizer aos outros que a situação é difícil e devemos resignar-nos? Mas onde chegamos? Que Umbigo é este?

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  16. Cirrus, eu sei que estão a passar por muito pior do que o que eu passei e a ganhar muito menos ainda por cima (eu mal acabei o curso estava a trabalhar e a ganhar mais do que o que eles ganham agora).

    Os ideais também perdem por causa do nosso egoísmo é um facto e já o afirmei no meu primeiro comentário, mas também se perdem perante a vida real de todos os dias.

    Não nos devemos resignar nunca. Resignar é estagnar, é parar... e águas estagnadas são focos de enfermidade.

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  17. Eu também sou da geração rasca. Aliás, acho mesmo que aquele cu peludo (o terceiro a contar da esquerda), é o meu!

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