domingo, 13 de março de 2011

PORTUGUESES DA TANGA

Foto Google - Chave da Jaula
A manifestação de ontem foi talvez a maior prova de cidadania que Portugal deu nos últimos tempos. O activismo das centenas de milhar de pessoas que compareceram e outras tantas que apoiaram a ideia deixou no ar um perfume irresistível de mudança, de renovação. Não quero falar de revolução. Pode ser que não chegue tão longe. Mas a verdade é que não me lembro de ver tanta gente mobilizada nas ruas, com tanto desejo de gritar bem alto que algo não vai bem neste país.
A verdade é que o que vai mal neste país não é apenas a governação e uma oposição que, sabemos de antemão, vale o mesmo. O que vai mal neste país é mais profundo. O que vai mal neste país é a mentalidade dos seus habitantes. As reacções ao anúncio desta manifestação foram miseráveis. Ninguém acreditava que o povo fosse capaz de se mobilizar. E porquê? Porque politiqueiros e comentadeiros, por um lado, destilaram ódio por todos os poros contra este acto de cidadania. Por outro, porque os medrosos habituais, aqueles que têm medo de dizer seja o que for, se apressaram a dizer que não é com greves ou manifestações que algo se resolve. E ainda, porque o clima de terror social em Portugal impediu muitos outros de dar sequer uma opinião, o que os obrigou a refugiarem-se num incongruente nim que ninguém entendeu.
Quanto à primeira razão, os comentadeiros, estafadas caras que nos entram pela casa dentro tentando convencer-nos de que a escravidão é a nossa única hipótese de sobrevivência, que para sairmos da crise provavelmente teremos de vender órgãos ou talvez passarmos a vestir serapilheira, como no passado, tentaram por todos os meios manter incólume o status quo do binómio PS/PSD, duas faces da mesma moeda. Por que razão vêem numa manifestação popular um risco para esse binómio é o suficiente para nos pôr a pensar onde realmente as lealdades destes senhores e dos políticos que apoiam estão. Provavelmente apenas no seu bolso.
A segunda razão é também fácil de explicar. Os medrosos habituais são os cunhados. Não por terem casado com a irmã de alguém (embora eventualmente aconteça, normalmente para mal da irmã de alguém), mas antes porque são aqueles que conseguiram orientar-se na vida graças à prostituição, graças à cunha e não graças ao seu real valor ou desempenho. Têm medo de perder as escassas regalias de que desfrutam, pois seriam imediatamente apontados como revolucionários ou comunistas nos sítios onde trabalham se comparecessem na manifestação ou manifestassem o seu apoio à mesma.
A terceira razão é o terror que grassa neste país. Uma percentagem imensa de quem trabalha está dependente dos humores de quem emprega. A precariedade não deixa que estas pessoas tenham opiniões próprias, não deixa que estas pessoas possam falar seja do que for. Quando muito vão falando dos problemas que têm em casa com a TV ou com o frigorífico novo. Isto se os tiverem.
As reacções à força e números avassaladores da manifestação são agora do mais estúpido que há. Os comentadores dizem agora que a comunicação social é que mobilizou as gentes... Dizem que o Facebook é a maior ameaça do séc. XXI, que isto está tudo mal e que será preciso agora um chicote para voltar a pôr a maralha no seu lugar. Dizem eles que esta manifestação foi feita pelas redes sociais e não pelo povo – embora 300.000 pessoas (e não nicks ou pseudónimos da net) estivessem presentes – só em Lisboa! São, obviamente, pessoas mal informadas e mal intencionadas. Mal informadas porque não souberam sentir o sentimento do povo. Mas como sentir o sentimento do povo se eles o abominam? Mal intencionadas porque são pagas para manter o povo na sua jaula, de preferência bem sedado e sem fazer muito barulho. Se até eu, que não sou uma pessoa que anda por aí a perguntar aos outros se vão ou não às manifestações, tinha a certeza de que a manifestação seria um enorme sucesso, então eles ou são mesmo mal informados (alguns) ou mal intencionados (os restantes).
Resta uma palavra para aqueles que não vibram com esta manifestação e com o seu sucesso, não porque não concordem com o que foi dito, mas antes por puro desprezo por quem faz alguma coisa, inclusivamente por eles próprios. Amanhem-se. Tentem ser pessoas normais. Tentem ser independentes, ter opiniões próprias em vez de serem seguidores cegos das ideologias e ideias que ouvem. Porque aquilo que aconteceu ontem foi apartidário, sem ideologia definida – foi um protesto pelo estado a que chegou este país. Não foi uma festa popular, não foi um sítio para beber uns canecos e comer umas sardinhas ou bifanas, não foi um concerto dos Homens da Luta. Foi um desejo expresso por pessoas que desejam ser livres novamente, ao contrário de vocês, que, falando de barriga cheia, ignoram que serão os próximos alvos. Porque as máquinas partidárias não dão para todos, um dia destes serão despedidos e contratados a recibos verdes, para fazer a mesma coisa, no mesmo lugar, por metade do que ganham hoje. E aí com certeza choramingarão, que é aquilo que realmente sabem fazer bem. E depois lamberão as botas e até o cu a quem vos possa colocar de novo na jaula. Que é o que têm feito, na realidade. Talvez um dia relembrem que houve alguém com coragem suficiente para protestar, para exigir um futuro melhor, futuro esse que vocês não desejam para ninguém, por puro comodismo, por puro desprezo ao povo que se levanta, por pura subserviência
A realidade é que ainda há, em Portugal, um sentimento fortemente reaccionário, inculcado por anos de lavagem ao cérebro, que apanham os cérebros mais fracos da nossa sociedade e os transformam em adoradores do sistema. É o que vejo, por essa blogosfera fora – tanto blogueiro que despreza o seu país, tanta gente que despreza quem luta – muito provavelmente porque deve a sua vida a alguém, deve os seus pequenos luxos, prestes a desaparecer, ao acto de lamber cu. Como dizia o Diego, que continuem a lamber. Verão que facilmente se encontram línguas melhores que as vossas, e só acabando com os cus se acabam as lambidelas. Até lá, continuem no vosso dia-a-dia, imunes ao que acontece aos restantes, trabalhando nas vossas secretárias, de que nunca saem, permanentemente ligados ao FB para terem um relance do mundo real. Quando vos aparecer a palavra “despedimento” ou “ redução de salário” ou “downsizing”, cliquem no “Like”. Afinal, de pouco ou nada mais nos servem.

7 comentários:

  1. O desprezo altamente redutor de alguns artigos que li, em jornais e na blogo, são do mais triste que existe. Uma tentativa de inverter o sentido da manifestação, mas sem argumentos, sem lógica, uma maledicência mesquinha... mas, já dizia a minha avó (mulher sábia no seu quase analfabetismo): "o pior cego é o que não quer ver"... sinceramente espero que os portugueses comecem a abrir a pestana e a fazerem alguma coisa por eles próprios.

    Já agora quem é o Diego?! O Maradona?!...

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  2. Pronúncia, O Diego é que disse "que la sigan chupando!"

    É bem verdade como alguns elementos mais neo-salazaristas da nossa sociedade, acomodados junto a um patronato que os despreza profundamente, mas que os vai tolerando enquanto não saem as leis que permitam o seu despedimento por incompetência se arrogam o direito de negar algo tão evidente: o povo começa a ficar ciente da sua missão e da sua luta futura. Penso que começou mesmo!

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  3. Eu fui lá pôr o meu "Like"! Irei sempre que puder porque enquanto as lutas forem justas eu estarei ao lado dos que lutam! Estarei fora de moda? Se estiver, ainda bem!
    Ps: É sempre um prazer ler-te! :)

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  4. Cirrus, revejo-me por completo nas tuas palavras!
    Honestamente não pensei que ainda houvesse tanto português com eles no sítio, mas ainda bem que há!
    Só me confunde a rapidez com que tudo se está a suceder: novas medidas do PEC que caiem do céu aos trambolhões (e algumas ainda nem bem visíveis) para enceher o olho daqueles que, em simultâneo, vêem se Portugal ainda "merece" pertencer à UE ou não, a manif que muitos tentam minimizar com comentários estúpidos e ofuscar com tragédias globais que, por muito más que sejam, deviam vir sempre em segundo lugar ao que nos diz respeito, o início da greve das transportadoras que já era de prever e temo que dure tempo suficiente para que muitos se revoltem contra as pessoas erradas...
    Estou passada com a ignorância de muitos em relação a tudo isto, mas mais ainda por saber que muitos mais tentam desviar as atenções do que realmente importa, com piadas foleiras, gravatas de cores berrantes e pura e simples areia para os olhos...
    Será que ninguém percebe que o nosso futuro como nação está neste momento num daqueles pontos fulcrais como a Venezuela atravessou há pouco tempo?!? E é que não 'tou a ver o D. Duarte a mandar calar o Zézito...

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  5. Estes movimentos abrem portas de intervenção que nem passam pela cabeça desses comentadores e reaccionários. Espero que consigamos provar-lhes que estão, têm estado, estarão, muito enganados.

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  6. Só há um pequeno (e grave) pormenor nisto tudo: Quem lidera esta gente sedenta de um país melhor?
    Este governo, a mal ou bem, com maior ou menor subserviência, mais diparate menos disparate vai permanecendo. E quando cair, teremos lá outros que ou farão igual ou pior - mas sempre com a desculpa de que nada havia já a fazer.
    Os juros que não param de aumentar e as nossas liberdades que vão sendo hipotecadas a cada dia que passa à custa da dívida.

    Eu detesto tanto o discurso do pessimismo quanto a desculpa da crise para nada se fazer, mas o tempo está, de facto, a escassear. E tu saberás - não tenho dúvidas que melhor que eu - que assim o é.

    Iremos a tempo do irremediável isolamento e das suas consequências?

    Abraço.

    Noya

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  7. Fiquei surpeendido com a adesão. É como dizes," a maior prova de cidadania que Portugal deu nos últimos tempos". Mas sinceramente, duvido que seja para manter...

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