domingo, 17 de julho de 2011

O SILÊNCIO


Assuntos há que pela sua natureza se tornam difíceis de comentar. Não porque sejam de complexidade extrema, ou de difícil compreensão. Mas antes, e pelo contrário, pela sua extrema simplicidade. Os assuntos são difíceis porque são fáceis. E isto pode parecer um contra-senso mas no fundo não é. Porque no fundo não é o próprio assunto que é difícil de compreender, mas antes as particularidades que o envolvem. E quando um assunto é envolto em silêncio, torna-se difícil de compreender e comentar, porque a letargia em volta dele aconselha cautela e contenção. Características que, sabe quem me conhece, não são as minhas eleitas.
O assunto é fácil. É o novo governo. A particularidade é nova. É o silêncio.
De algumas medidas que este governo está a tomar já todos têm conhecimento. Verdade será o facto de muitos estarem a dar o tal tão propagado benefício da dúvida a um governo que tomou posse há um mês. Particularmente após o despedimento compulsivo do anterior governo que, de trapalhada em trapalhada e de mentira em mentira, não conseguiu evitar que as modas parem hoje onde param. Bem pelo contrário, a sua contribuição para tal foi incomensurável e ninguém pode, em consciência, negar os prejuízos para Portugal que Sócrates e boys xuxas protagonizaram. Compreende-se, pois o silêncio por razões políticas.
Mais ainda se compreende o silêncio quando nos deparamos com um povo desiludido, resignado, que espera sempre que os seus destinos sejam forjados numa espécie de Olimpo onde os “homens” ou, mais particularmente, o “homem” decida. O povo português está intimamente ligado à ideia do sebastianismo, que tão longe levou a miséria neste país, e onde parece que ela tem agora condições óptimas para grassar ainda mais. A resignação leva à indiferença, e o povo português está indiferente ao que lhe possa vir a acontecer.
Este governo, quando ainda oposição e então em campanha eleitoral, que durou dois exasperantes anos, não mentiu sobre os seus propósitos. Dou de barato a ideia da sua autenticidade. Prometeu algumas coisas a que já faltou, como não aumentar impostos sobre o trabalho. Mas a verdade é que a sua principal promessa, corporizada num projecto de revisão constitucional, está e irá ser cumprida nos próximos anos, admitindo que este governo durará anos, e tem condições para tal. A promessa do ultra liberalismo não foi velada ou omitida. Foi às claras que o PSD se aprestou a declarar a sua viragem completa à extrema direita do ponto de vista económico e financeiro, tendo para tal recorrido até aos serviços de Teixeira Pinto, um criminoso financeiro condenado por fraudes bancárias após a sua passagem pela presidência de um dos maiores bancos portugueses.
De alguma forma, e exposto o que expus sobre a desastrada e desastrosa governação Sócrates, o povo anestesiado votou neste programa de governo. Deu-lhe o tal benefício da dúvida. O facto de concordar ou não com as medidas impostas pela comissão de resgate do clube de credores FEEF/FMI/BCE é irrelevante. É-me profundamente evidente que muitos concordaram. Numa visão muito portuguesa do cenário, os males que por aí vinham e virão “são para os outros”. O facto é que, independentemente de alguma vez ter votado Sócrates ou PSD ou outra coisa qualquer, o comum cidadão português vai pagar. Independentemente de ter levado, até aqui, uma existência regrada ou não, independentemente de ter esgotado o saldo de dezenas de cartões de crédito ou não, o comum cidadão português vai pagar. E mais ainda se abate, se torna apático, se resigna, quando este governo se propõe ir mais longe nas medidas que a própria comissão de resgate financeiro.
É fácil compreender este silêncio? Talvez. Na 6ªfeira, houve uma enorme manifestação em Lisboa contra as medidas de austeridade. Impressionante o facto de ter sabido dela e de ter visto imagens da mesma apenas num canal europeu de notícias, no caso, o EuroNews. Nem uma palavra na comunicação cada vez menos social deste país. Aquilo que considerava uma extravagância de alguns lunáticos, ao alegarem que uma “jornalista” terá boicotado a nomeação de um Secretário de Estado, começa a fazer algum difuso sentido na minha cabeça.
O governo anuncia um corte de 50% no subsídio de Natal, para rendimentos sujeitos a IRS acima do salário mínimo nacional, e ninguém diz nada. O governo apresenta a medida com equidade, isentando os trabalhadores dependentes e pensionistas que ganham abaixo do valor desse salário. Congratula-se por 80% dos pensionistas e 65% dos trabalhadores dependentes não serem afectados – e assim ficamos a saber que esta gente não tem rendimentos capazes de os tirar da pobreza e até da miséria, apesar de serem trabalhadores ou de o terem sido no passado. A equidade anunciada é tão perniciosa quanto aqueles que mais auferem, fruto de resultados líquidos de empresas ou de mais valias de capital, não serem afectados minimamente. Pagam os mesmos. E mesmo de entre esses, aqueles que mais auferem poderão desde já procurar as melhores alternativas para, em sede de IRS, poderem recuperar facilmente esse dinheiro em 2012. Pagam os mesmos e que menos ganham. A equidade esgota-se, afinal, num conceito mais lato e bem mais fácil de entender: o hábito. Como habitualmente, pagam os mais desprotegidos.
O governo ordenou o fecho de 226 escolas. Nada se ouviu, quando no passado o fecho de uma escola era motivo de debate nos Prós e Contras. O governo anunciou a extinção e redução do número de freguesias. Nada se ouviu, quando no passado o autarca de Viseu tanto se insurgia contra quem quisesse sequer reduzir o número de funcionários nas autarquias locais. São medidas da comissão de resgate que temos de cumprir? Talvez. Não digo o contrário. O corte do 13º mês não o é com toda a certeza.
O governo anuncia um corte nas taxas de TSU para as empresas, que pode chegar aos 8%. Esta medida representa, simplesmente, o fim da Segurança Social. Ninguém falou. Antes todos se queixavam que um dia não teriam reformas. Hoje, perante a certeza de que não terão, resignam-se e refugiam-se no silêncio. Quem ganhar suficientemente bem, pode optar por descontar para fundos privados de pensões, assegurando assim a sua pensão mais tarde. Aqueles que não têm rendimentos tão altos, limitar-se-ão a descontar dinheiro para uma organização moribunda que nada lhes poderá garantir no futuro. E quando isso acontecer, o que será feito do dinheiro que eu e muitos mais portugueses lá puseram – incluindo empresas? Nem uma palavra.
O governo vai avançar com privatizações em massa. Em massa conforme aquilo que se possa entender, pois a verdade é que já quase tudo está privatizado. E até se lembraram de privatizar a captação de água. Depois de a maior parte da distribuição estar privatizada. E este facto é relevante, pois a maior parte da população de determinados concelhos nem sequer sabe disso. Uma pessoa de Matosinhos assegurava conhecer a empresa de distribuição de água no concelho, embora admitisse que nunca tinha visto aquela marca de água no supermercado... Privatizar a captação de água não é só privatizar um recurso natural (ainda) abundante e que representa as reservas do país em recursos naturais. Representa também colocar a vida de milhões de pessoas nas mãos de alguém – que pode ou não ter escrúpulos. Porque a água é essencial à vida. Ninguém diz nada.
O silêncio que assola o povo português é inversamente proporcional à intensidade dos esforços para a reduzir à escravatura mais básica, simbolizada pela impossibilidade de beber um copo de água que seja portuguesa, bem como o escravo. Nem isso. Mas a verdade é que as coisas estão a decorrer, e a verdade é que todos vamos pagar. Não me acredito que medidas como este novo imposto sejam isoladas. Aliás, acredito plenamente que tanto o 13ºmês de 2011 como o subsídio de férias de 2012 sejam miragens. Aumentos no trabalho, talvez. Salariais esqueçam. Mais precariedade no trabalho, a que agora chamam pomposamente flexibilidade laboral, com certeza. Menos rendimentos para quem trabalha, mais rendimentos para quem se limita a escrever zeros num ecrã de computador, sim. Mais fome do que aquela que existe – e já existe tanta neste país – será uma realidade. No fundo, o que interessa é que o fluxo de dinheiro do fundo para o topo da cadeia de predação continue, agora de forma mais descarada e despudorada.
Ninguém diz nada.

9 comentários:

  1. muito muito bom post. :)

    e sim, o silêncio pode ser ouvido a kms de distância...

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  2. Obrigado Ana. Parece-me evidente que o silêncio não se deve apenas ao "estado de graça"...

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  3. Shiiiuuuuuuuuuuuuu...!
    É deixá-los trabalhar...
    ;)

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  4. Cirrus, muito bom post.
    Mas lembro-me de nos primeiros 2 meses do governo do Sócas haver tb muito silêncio.
    Mais uma coisa que os aproximam.

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  5. Catsone, é normal, ao fim e ao cabo, que no início dos governos haja algum silêncio, pois a verdade é que estão em estado de graça.
    Mas com certeza te lembras que as primeiras medidas do Sócrates foram algo... diferentes.

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  6. Cirrus, não me "alembro", mas a situação era diferente e não nos esqueçamos que o governo que vinha antes tinha o Santana à frente (LOL).

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  7. Se pensarmos quais foram os energúmenos que se colocaram junto deste Coelho nas suas campanhas legislativas, facilmente chegaremos à conclusão do porquê de haver tanto silêncio...

    Coincidência ou não, tenho pensado no mesmo e irei preparar um post. (só falta tempo...)

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  8. Dylan, pois isso é questão pertinente, sabes?

    Força nisso!

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